Introdução

Portugal, bem como todos os Estados Membros  da União Européia,deve assegurar a realização de controles oficiais para verificação do cumprimento da legislação alimentar pelos estabelecimentos que constituem a cadeia do setor de alimentos, desde a produção primária até a comercialização. Procurando um elevado nível de proteção  da vida e da saúde pública que é um dos principais objetivos da legislação alimentar européia,tal como se encontra estabelecido no Regulamento (CE) nº178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

Através do Regulamento (CE) nº 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2004 que enfoca os controles oficiais que devem ser realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais e aos géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e ao bem estar dos animais.

A competência de executar os controles oficiais entre os quais a inspeção sanitária dos estabelecimentos de abate, das espécies consideradas de açougue no país, cabe à Direção Geral de Alimentação e Veterinária- DGAV,que é um serviço central da administração direta do Estado dotado de autonomia administrativa, subordinado ao Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

Em Portugal a autoridade veterinária está verticalizada, ou seja, todos os veterinários que desenvolvam ações de controle oficial dependem hierarquicamente da DGAV, incluíndo os Médicos Veterinários municipais, por força do Decreto Lei nº 116/98 que os obrigam a essa dependência,cabendo a Direção Geral a responsabilidade de pagamento de 40% do seu salário.Esta verticalização do serviço está, em consonância com as orientações da Oficina Internacional de Epizootias(OIE) quanto a organização dos serviços veterinários.

Sob a responsabilidade de controle desse serviço, encontram-se 72 matadouros de suínos e 51 que abatem leitões(Figura 1), distribuidos no país, sendo importante frisar que a DGAV registra os dados separados entre os abates de animais terminados e os  leitões.

Durante o exercício de 2016 em Portugal, foram abatidos 4.569.038 suínos e 1.223.859 leitões sob  a responsabilidade da Inspeção sanitária Portuguesa.

Uma parcela dos matadouros de leitões são de pequeno porte, variando os abates diários entre 15 e 100 animais, que são destinados na sua maioria para obtenção do produto Leitão Assado, uma iguaria da culinária portuguesa apreciado em todo o país, e consumido durante o ano inteiro.

Figura 1. Matadouro de leitões da região da Bairrada- Região Centro de Portugal

Registrado também, que muitos matadouros de leitões são contíguos aos restaurantes comerciais das empresas, havendo caso de existir o ciclo completo da produção, ou seja,criação, abate e comercialização do produto assado.

Algumas regiões de Portugal se especializaram nessa atividade, dando ensejo ao Leitão Assado da Bairrada  ou de Negrais com adeptos em todo o país (Figura 2).

Figura 2. Leitão Assado da Bairrada

Comparando-se os dados estatísticos da DGAV, nos últimos anos, tem- se mantido a produção de leitões, existindo raças próprias para a exploração e com criadores especializados na atividade.

Neste contexto, o presente artigo,  tem como objetivo avaliar em primeiro plano a viabilidade econômica dos matadouros de pequeno porte de suínos(leitões) e a metodologia aplicada pelo serviço oficial português no controle das empresas inspecionadas localizadas na região de Coimbra , além de acompanhar os abates e conseguir dados para uma avaliação epidemiológica a ser comparada com a realidade brasileira, conseguindo subsídios para provocar discussão técnica com a universidade e demais atores envolvidos e responsáveis pelos serviços de inspeção dos estados e municípios afim de quebrar uma inércia atual vigente e demonstrar a exequibilidade dos órgãos públicos em executar sua missão, prevista em lei, que é de proteger todos os consumidores independentemente do porte do estabelecimento e  condição da localidade onde está situado.

O desafio da inspeção sanitária portuguesa

De um modo geral, nos estabelecimentos de médio e grande porte,  o Serviço de Inspeção Oficial atua de forma permanente com equipes formadas por Inspetores Veterinários e Agentes ou Auxiliares de Inspeção sediados nas unidades de abate.O desafio era poder atender e realizar o controle veterinário em diversos estabelecimentos de pequeno porte e com números variáveis de animais a serem abatidos , e em localidades diferentes.Existe uma organização  geográfica e distribuição de pessoal no país, composta de 07 Direções de Serviço de Alimentação e Veterinária Regional(DSAVR), abrangendo as regiões Norte,Centro, Lisboa e Vale do Tejo,Alentejo, Algarve, Açores e Madeira. Através dos serviços, planejou-se como alocar os recursos humanos e materiais necessários para atendimento desse segmento da produção que não poderia ser excluido do setor produtivo, por já existir uma cultura de consumo de tal produto.

Na primeira etapa, exigiu-se a adequação dos estabelecimentos existentes à legislação vigente, havendo investimento financeiro e material por parte dos operadores para atende-la, pois as condições exigidas não poderiam ser diferentes, independentemente, do porte industrial e sem contar que o país faz parte de um importante bloco econômico.

Os estabelecimentos registrados na DGAV possuem todas as condições técnicas higiênico-sanitárias indispensáveis para exercer suas atividades.

Metodologia de inspeção sanitária

Durante o período compreendido entre os meses de novembro e dezembro de 2016 até março de 2017, acompanhou-se o planejamento e execução do serviço de inspeção sanitária de matadouros de suínos(Leitões), em número de 12, localizados na região de responsabilidade da  Divisão de alimentação e Veterinária de Aveiro que se reporta à DSAV/Região  Centro com sede no Distrito da Guarda. A maioria constituida de pequenos estabelecimentos , localizados na região da Mealhada, destinados ao abate de leitões com variadas capacidades diárias de abate, oscilando entre 15 a 1300 animais.

A DSAV\Região Centro tem várias divisões, como  as localizadas em Aveiro e Coimbra que contam com Médicos Veterinários Inspetores, Auxiliares de Inspeção, outros técnicos de nível superior e pessoal administrativo.

As visitas de inspeção sanitária aos estabelecimentos são programadas por cada Divisão, que possui um responsável pelo setor, que através de sorteios das equipes  técnicas as direcionam para determinados estabelecimentos, havendo sempre rodizio para que possam realizar a inspeção sanitária abrangendo todas as indústrias.

Em estabelecimentos de maior porte,  as equipes da DGAV podem contar com  Médicos Veterinários contratados pelas prefeituras.Esses profissionais tem seus serviços auditados pelos Inspetores Veterinários da Inspeção Sanitária Portuguesa.

Os deslocamentos para a realização da inspeção sanitária nos matadouros de suínos são realizadas nos veículos particulares dos funcionários oficiais, sendo que existe ressarcimento com pagamento da quilometragem nos percursos entre as empresas.

Os Inspetores Veterinários podem realizar até 04 visitas de inspeção por dia, dependendo da programação e da quantidade de animais a ser inspecionados.

Figura 3. Leitões liberados para o abate após a inspeção ante mortem

Os funcionários,contam com toda a estrutura para a realização da sua função,existindo uma sede oficial devidamente estruturada com todas as instalações e equipamentos, independente do porte da empresa.
A técnica de inspeção realizada é baseada na legislação da União Européia, sendo os leitões transportados em veículos adequados,de empresa transportadora de animais credenciada pelo governo, acompanhados pela Guia de Circulação para o Abate Imediato de Suínos que será assinada pelo condutor e o responsável pelo recebimento dos animais no destino e submetidos á inspeção ante mortem  (Figura 3). Existe também, a Papeleta de Controle de Bem Estar Animal Durante o Transporte emitida pela Direcção de Serviços de Saúde e Protecção Animal -DSSPA\DGV- Direcção Geral de Veterinária.

Fato importante de se ressaltar, é que logo após o abate, todos os dados de produção e de eventuais reprovações totais ou parciais de carcaças, vísceras e órgãos submetidos à inspeção post mortem (Figura 4), são lançados imediatamente no Sistema de Informação do Plano de Aprovação e Controlo dos Estabelecimentos(SIPACE), fornecendo em tempo real as informações necessárias para todos os atores envolvidos na cadeia produtiva.

Figura 4. Realização de inspeção post mortem de leitões

Existe uma Taxa de Inspeção sanitária a ser paga mensalmente pelos operadores dos matadouros ao governo, por cabeça de animal inspecionado, atendendo a recomendação da União Europeia, que estimula os Estados-Membros a garantir a disponibilização de recursos necessários à execução dos controles oficiais  por quaisquer meios que sejam considerados apropriados, nomeadamente através de uma tributação geral  ou de estabelecimento de taxas ou encargos.

Adaptação à realidade brasileira

O Brasil é uma República Federativa formada de 26 estados, o Distrito Federal e 5570 municípios, com uma população de aproximadamente 200 milhões de habitantes (IBGE, 2010).  O país se tornou um dos maiores produtores mundiais de proteína animal, e consequentemente apresenta expansivo crescimento no comércio internacional do agronegócio, consolidando sua posição como um dos maiores exportadores de alimentos para mais de 150 países (MAPA, 2015).  Liderando as exportações de carnes de aves e bovina em 1º lugar (ABPA, 2015) e  suína em quarta posição(ABIPECS,2013).

Para o controle e inspeção sanitária dessa formidável produção é de competência dos três níveis de governos, federal , estadual e municipal executar a atividade de inspeciona-la através de serviços especializados adequados para garantir a segurança dos alimentos (BRASIL,1989).

Sendo assim, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e as Secretarias estaduais e municipais de Agricultura são os responsáveis pela atividade de inspecionar e garantir a qualidade dos produtos de origem animal no país ofertados para os mercados interno e externo.

No MAPA, o Serviço de Inspeção Federal (SIF) foi criado em 1915, e estabelecido com a finalidade de atuação no campo da inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal. É instruído e conduzido pelo Regulamento da Inspeção Industrial e sanitária de Produtos de Origem Animal (BRASIL,1952) e outras legislações correlatas. Sob o regime de inspeção federal existem mais de 4000 estabelecimentos registrados ou relacionados em todo o território brasileiro. Nesse regime de inspeção encontram-se registrados todos os estabelecimentos habilitados para a exportação internacional e ao comércio interestadual.

Sob os regimes de inspeções estaduais e municipais existem milhares de estabelecimentos distribuídos no país, inúmeros deles inadequados, principalmente nas pequenas localidades, que não contam com recursos humanos e materiais necessários para a execução eficiente da atividade (FELÍCIO, 2013) colocando em risco a saúde dos consumidores (Figuras 5 e 6).

Figura 5. Condições higiênicas deficientes

Figura 6. Matadouro com localização inadequada

No entanto, grande parte da população nacional desconhece a existência dos perigos que está exposta ao consumirem produtos alimentícios sem o aval da inspeção sanitária e a importância destes relacionados às perdas econômicas que possam acarretar. Os animais de açougue podem estar infectados com diversos agentes biológicos( parasitas, bactérias, vírus, etc),sendo que alguns deles possuem potencial zoonótico, onde as carnes quando infectadas ou parasitadas pelo seu aspecto e condições, serão condenadas pela fiscalização sanitária e impedidas de chegar aos consumidores, acarretando em grandes perdas econômicas para o setor produtivo(BRASIL, 1952). As zoonoses  transmitidas pelos alimentos como o complexo teníase/cisticercose, salmonelose e outras são responsáveis por perdas econômicas consideráveis, nem sempre possíveis de serem totalmente quantificadas ( Figuras 7 e 8 ).

Figura 7. Cisticercose muscular suina

Figura8. Cisticercose cerebral

No artigo 28-A da Lei nº8.171, de 17/01/1991 estipula-se que visando à promoção da saúde, as ações de vigilância e defesa sanitária dos animais e dos vegetais serão organizadas, sob a coordenação do poder público nas várias instâncias federativas e no âmbito de sua competência, em um Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária( SUASA), articulado no que for atinente à saúde Pública, com o Sistema Único de Saúde de que trata a Lei nº 8.080, de 19\09\1990, que teve acréscimo pela Lei nº 9.712 de 20\11\1998 e Regulamentada pelo Decreto 5.741 de 30\03\2006, indicando os participantes desse sistema e tendo a àrea municipal como unidade  geográfica básica para a organização e o funcionamento dos serviços oficiais de sanidade agropecuária. Além de determinar às funções  e competências  das instâncias intermediárias (Estados e DF) e Central (União Federal).

O regulamento em questão, responsabiliza as três instâncias pela garantia dos recursos necessários para as atividades do SUASA, em suas respectivas jurisdições, observando a legislação pertinente, permitindo a cobrança de taxas ou encargos, para cobrir as despesas ocasionadas pelos controles oficiais, vedada a duplicidade de cobrança pelos serviços prestados. Existe também, a possibilidade de repasses de recursos financeiros pelo Ministério da Agricultura para as instâncias estaduais, DF e municipais, prevendo a sua suspensão temporária ou definitiva no caso de descumprimento do regulamento em foco. Através do artigo 130,inciso II, regulamenta-se como parte integrante do SUASA com o objetivo de inspecionar e fiscalizar os produtos de origem animal, o Sistema Brasileiro de Inspeção de produtos de Origem Animal (SISBE), com a função de auditar, fiscalizar, inspecionar, certificar e classificar tais produtos,seus derivados,sub-produtos e resíduos de valor econômico.

A Instrução Normativa Nº 36, de 20 de julho de 2011, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tendo em vista o disposto no Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006, estabelece os requisitos para a adesão dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios, individualmente ou por meio de consórcios, ao Sistema Integrado de Atenção à Sanidade Agropecuária, integrado pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de produtos de Origem Animal,necessitando de adequação dos seus processos e procedimentos de inspeção e fiscalização à legislação federal ou dispor de regulamentos equivalentes.

No artigo 10º, inciso IV, parágrafo 3º da Instrução Normativa Nº 36, explicita que os estabelecimentos caracterizados como de pequeno porte, independentemente do volume de produção, a avaliação dos requisitos relacionados com a inocuidade dos produtos de origem animal será baseada nas normas específicas relativas às condições gerais das instalações, equipamentos e práticas operacionais definidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos da legislação do SUASA.

Atualmente, aderiram ao SISBE,apenas 07 estados da federação, que são Bahia,Espírito Santo,Goiás,Minas  Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Distrito Federal , contando com 10 Serviços de Inspeção Municipal e 02 Consórcios de municípios(MAPA,2016).

Esses dados demonstram, que parte da produção de produtos de origem animal do país não conta com serviços efetivos de inspeção sanitária, colocando em risco os consumidores dessas regiões, principalmente os municípios mais pobres.

Considerações finais

A Inspeção Sanitária Portuguesa, conseguiu modelar uma metodologia efetiva para o controle dos matadouros de pequeno porte de leitões ou outras espécies de animais de açougue, otimizando os seus recursos humanos e financeiros, através de uma gestão ágil e eficiente, de maneira que a equipe de inspeção atue de forma periódica e rotativa  conforme as necessidades das empresas, que por sua vez tem a responsabilidade de cumprir os seus programas de autocontroles com vistas à obtenção de produtos confiáveis e seguros.

As prefeituras  brasileiras poderiam implantar o modêlo em debate, utilizando o sistema Único de Saúde( SUS) ou das Secretarias de Agricultura, dotados de pessoal capacitado visando reverter o quadro atual.

Ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento(MAPA),através das suas Superintendências regionais caberia a nobre missão de treinamento das equipes , pela sua comprovada experiência desde 1915 nos  controles dos comércios  interestadual e internacional dos produtos de origem animal.

Sem a sensibilização das autoridades regionais e municipais, como demonstrado pelos resultados obtidos pelo SISBI /SUASA até agora, não haverá o enfrentamento do problema e na melhoria dos controles dos produtos de origem animal no país.

Referências

ABIPECS. Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de carne Suína. Relatório 2015\2016, 8 p. Disponível em: www.abipecs.org.br.

ABPA. Associação Brasileira de Proteína Animal. Dados disponíveis em:www.abpa-br.org.

BRASIL. Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952. Aprova o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Alterado pelo Decreto nº 2.244, de 04 de junho de 1977. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 07 de julho de 1952.

BRASIL. Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989. Dispõe sobre a inspeção sanitária e industrial dos produtos de origem animal e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 de novembro de 1989.

BRASIL. Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento.Brasilia,DF.2016.Disponível em :http\\www.agricultura.gov.br.

Decreto-Lei 116/98, de 5 de maio.Estabelece os princípios gerais da carreira de médico veterinário municipal.Diário da República n.º103/1998, série I-A de 1998-05-05:Lisboa,Portugal.

DSSA. Direção de Serviços de Segurança Alimentar. Análise Exploratória dos Dados de Abate de Ungulados para Consumo Humano em Portugal entre Janeiro de 21011 e Dezembro de 2013. Apresentação no Congresso Nacional da Indústria Portuguesa de Carnes, Lisboa, Portugal. 06 de maio , 2014a.

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FELÍCIO, P.E. de. A Inviabilidade Técnica dos Pequenos Matadouros. Disponível em: www.beefpoint.com.br. 02 de abril de 2013.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro, RJ. 2010. Disponível em :http;\ \ www.ibge.gov.br.