Baleias eram arpoadas na Baía da Guanabara. Navios tranportavam para a Europa milhares de macacos, papagaios e araras. Bois movimentavam moinhos e engenhos de açúcar. Plumas de beija-flores ornamentavam chapéus e vestidos usados por damas da Corte Portuguesa e de Paris. Um matadouro funcionava ao ar livre, na praia de Santa Luzia, centro do Rio Antigo. Bondes e ônibus cruzavam a cidade puxados por parelhas de burros. Macacos e formigas eram servidos como refeição. Bois eram caçados a tiro nos pastos. O pó do chocalho de cascavel era indicado para tratar dentes cariados, e calda de gambá assada para tratamento de pedras nos rins. Relatos, anotações, diários e documentos produzidos a partir do desembarque dos portugueses no litoral da Bahia, em 1500, assim como estudos e investigações históricas recentes, contemplaram a condição do animal, funções que lhe foram atribuídas e como estiveram envolvidos nos fatos e acontecimentos que formaram nossa História. Eles foram descritos como coisas, mantimentos, e também como seres capazes de expressar sentimentos e atitudes humanas, fonte de poder espiritual, componente de cura, recursos para a Coroa Portuguesa, ameaça à sobrevivência humana e a bens materiais. Seus atos, ou apenas sua presença, expressavam as forças demoníacas ou o poder de Deus. O que foi dito a respeito dos animais, e de como participaram do processo de ocupação e colonização do Brasil, revela um campo multifacetado de práticas, valores e saberes de indígenas, europeus e africanos. Através desse enfoque, este livro busca contribuir para a formação de uma história da condição animal no Brasil e, ao mesmo tempo, resgatar as outras espécies animais do lugar marginal e pouco relevante que lhes destinaram as teorias sociais. Registros de sua presença nos fatos e acontecimentos ocorridos nos primeiros quatro séculos de nossa História formam os diversos matizes da interação entre animais e sociedade, no contexto do Brasil colonial e pós-colonial. Como alimento, medicamento, força motriz, transporte, diversão, componente do acervo religioso ameríndio, indumentária decorativa ou lazer doméstico, eles participaram direta e indiretamente no processo de formação da sociedade brasileira. Os distintos olhares sobre um tema tão extenso nos conduzem através de um capítulo ainda obscuro de nossa História. Há literatura recente sobre a presença animal nos contextos coloniais, em sua maior parte, nos territórios dos Estados Unidos, Austrália e das colônias espanholas do continente americano. Em relação ao vastíssimo território da América portuguesa, entretanto, permanecem grandes lacunas. Ao desvendá-las, nos deparamos com a singularidade dos valores e saberes compartilhados por diferentes sociedades e culturas forjadas pelo pacto colonial que regulou a expansão europeia no Novo Mundo.

Imagem: Habitante de Goiás (detalhe) – Johan Maurice Rugendas (1835) edição digital por Ana Lucia Camphora (2017)

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