Em clima de despedida do governo Temer e cada vez mais distante da política partidária, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, encerrará sua gestão à frente da Pasta com um gosto amargo na boca, ao menos no campo internacional. Apesar dos esforços para ampliar a participação brasileira no comércio de commodities agrícolas, os últimos anos serão lembrados por fechamentos de mercados relevantes às carnes.

Com o cenário global conturbado pela guerra comercial entre EUA e China, o Ministério da Agricultura viu sua credibilidade golpeada pela sequência de investigações da operação Carne Fraca, que despertou a atenção do mundo para as fragilidades sanitárias brasileiras.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e estimativas de entidades que representam frigoríficos mostram que, desde março de 2017, quando a Carne Fraca foi deflagrada, os exportadores brasileiros de carne perderam o acesso a mercados que tinham o potencial para agregar mais de US$ 1.8 bilhão anuais. No ano passado, as vendas externas de carnes renderam US$ 15 bilhões.

As exportações de carnes de frango e suína são as mais afetadas pelas restrições. Segundo projeção divulgada em agosto pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o volume dos embarques de carne de frango cairão de 2% a 3% este ano, enquanto os de carne suína deverão diminuir de 10% a 12%.

Além da própria perda de mercado, há também a frustração de expectativas. Diversas previsões e promessas feitas por Blairo Maggi sobre a reabertura de mercados relevantes, como o de carne bovina in natura dos Estados Unidos e o das carnes bovina e suína da Rússia, não se confirmaram.

Nem mesmo o apelo feito pelo presidente Michel Temer ao presidente russo, Vladimir Putin, funcionou. Parceiro tradicional do Brasil no comércio agrícola, a China também não dá sinal de que irá retirar o antidumping à carne de frango.

O veto da União Europeia a 20 frigoríficos, imposto após a Operação Trapaça (terceira fase da Carne Fraca), também está longe de um desfecho positivo. Para uma fonte graduada do Ministério da Agricultura, a expectativa de que os europeus começariam a liberar plantas bloqueadas ainda neste ano já se esvaiu.

Além disso, uma fonte da Comissão Europeia ouvida pela reportagem enxerga falta de proatividade do governo brasileiro: até hoje não há sequer um plano de ação montado pelo ministério para dar início à reabertura e, como consequência, muito menos existe qualquer previsão para a vinda de auditores europeus ao Brasil, necessária para a reabertura.

Na BRF, companhia mais afetada pela decisão dos europeus (12 plantas da dona das marcas Sadia e Perdigão foram desabilitadas), a decisão europeia é tratada como algo permanente, o que motivou a estratégia do CEO Pedro Parente de vender os ativos da empresa na Europa. Uma reversão do bloqueio europeu levaria, no mínimo, dois anos. Esse é o prazo para um frigorífico obter, do zero, autorização para vender à UE.

Representantes de exportadores elogiaram a postura de Blairo à frente do ministério. A avaliação é que o ministro não se apequenou diante das pressões protecionistas de gigantes como China, Rússia e União Europeia. No entanto, admitem, a conjuntura internacional é delicada e dificulta a reabertura de mercados para o Brasil.

“O mercado internacional é extremamente complexo, principalmente China e Rússia. Não sabemos exatamente o que pensam. A única regra certa em relação à Rússia e à China é que não há regra. Isso vai de acordo com conveniências políticas e econômicas”, disse o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar.

O dirigente, que representa pequenos e médios frigoríficos, também destacou a ofensiva internacional feita por Blairo Maggi logo após a Carne Fraca, quando dezenas de importadores haviam se fechado. Em menos de um mês, lembrou Salazar, grande parte desses países reviu o embargo temporário. A avaliação é compartilhada pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli. “A atuação do Blairo foi extremamente diferente e eficiente”, disse ele.

Em favor do ministro, fontes do setor privado também argumentam que parte dos esforços de Blairo vão começar a aparecer em 2019, não só com reaberturas, mas também com a abertura de novos mercados, como a Turquia. Outra possibilidade é que a China autorize mais frigoríficos de carne bovina do Brasil a exportarem. Uma missão chinesa virá ao país em novembro com esse intuito.

No caso dos EUA, que bloquearam a carne bovina in natura do Brasil no ano passado devido à detecção de abscesso (acúmulo de pus) na carne, a avaliação é que as discussões técnicas estão avançando. “Não podemos culpar o Blairo por um problema na aplicação de vacinas contra aftosa”, ponderou uma fonte, citando o motivo do embargo. De toda maneira, o cronograma previsto pelo ministro foi frustrado. Em meados de maio, Blairo afirmou que o mercado americano seria reaberto ainda no primeiro semestre.

Ao Valor, o ministro afirmou que a corrida por abertura e consolidação de mercados pelo mundo é um processo permanente. Por outro lado, não poupou os exportadores e responsabilizou empresas por “relaxamentos”. Segundo Maggi, a perda do mercado dos EUA para a carne bovina in natura aconteceu porque “os frigoríficos não fizeram exatamente aquilo que ficou combinado”.

“Às vezes o brasileiro pensa que só nós conseguimos produzir, mas todo mundo faz e espera um vacilo seu para poder entrar”, afirmou Blairo. O ministro ainda minimizou os fechamentos, dizendo que a qualquer momento os mercados russo e americano poderão se reabrir, e que em breve a Indonésia e o México poderão comprar carnes bovina e suína do Brasil, respectivamente.

Apesar do discurso de que está de partida, há quem diga que Blairo, que já declarou o voto em Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições de domingo, tem disposição para continuar à frente do ministério. “Depende de um convite”, disse o ministro a um interlocutor consultado pelo Valor. Perguntado pela reportagem, Blairo desconversou.

 

Fonte: Valor Econômico