A criação de cavalos costuma ser vista pelo charme e glamour que cerca este nobre animal. Mas os negócios com cavalos vão muito além dessa parte mais visível do universo hípico. Fazendo um paralelo com automóveis, é como se as pessoas só enxergassem Ferraris, Mercedes e demais carros de luxo e as provas de Fórmula 1, esquecendo que o que move a indústria automobilística, a riqueza e o emprego das nações são os carros das demais classes, especialmente os denominados populares. Há um mundo de oportunidades de negócios envolvendo animais de trabalho.

Para compreender onde estão as oportunidades de negócios pouco visíveis envolvendo os equídeos (cavalos, asininos e muares) é preciso, antes, saber onde se encontram esses animais. E o que estão fazendo e como têm sido cuidados.

A riqueza gerada pela equideocultura no Brasil

Um dos desafios para dimensionar o mercado no Brasil é a escassez de boas estatísticas. Com os animais não é diferente. Censos agropecuários são caros e trabalhosos, ocorrendo esporadicamente, com grandes intervalos de tempos, O último realizado no Brasil refere-se ao ano de 2006. Contornando parcialmente essa defasagem de tempo, anualmente o IBGE realiza estimativas da população de cavalos através da Pesquisa Pecuária Municipal. Infelizmente, desde 2013, o IBGE deixou de realizar levantamentos anuais sobre a população de asininos e muares. Entretanto, pode-se considerar que há cerca de 5,5 milhões de cavalos e 2,3 milhões de muares e asininos. Somados, os equídeos são responsáveis pela geração de mais de 20,5 bilhões de Reais por ano. Desse total, 7,5 bilhões referem-se a parte mais visível da equideocultura: os animais utilizados para lazer, esporte e no turfe. Neste artigo serão tratados temas referentes aos outros 13 bilhões de Reais, que, como será discutido, poderiam ser valores ainda muito mais expressivos.

Além da pecuária

Os cavalos podem ser encontrados não apenas em haras e hípicas. Ao contrário, podem ser encontrados nos mais diversos estabelecimentos agropecuários, assim como os asininos e muares. A Tabela 1 mostra que até mesmo estabelecimentos de pesca podem ter, também, equídeos.

Tabela 1: Distribuição da tropa de equídeos por atividade econômica dos estabelecimentos agropecuários

AtividadeEquinosAsininosMuares
Pecuária e criação de outros animais71,98%55,48%88,18%
Lavoura temporária19,08%31,55%18,90%
Lavoura permanente4.88%5,79%10,69%
Horticultura e floricultura1,82%1,03%1,46%
Produção florestas - florestas plantadas1,02%1,33%1,07%
Produção florestal - florestas nativas0,79%3,54%1,35%
Aquicultura0,28%0,12%0,29%
Pesca0,10%0,13%0,05%
Sementes, mudas e outras formas de propagação vegetal0,03%0,04%0,02%

Fonte: Censo Agropecuário (2006)

Em diversos estabelecimentos agrícolas, a presença de equídeos é essencial, insubstituível. Por exemplo, nas extensas fazendas produtoras de cacau, veículos automotores são de pouca utilidade. Equídeos, especialmente os muares, são os mais indicados e utilizados nas diversas atividades de transporte. São mais de 3,5 milhões equídeos em 500 mil estabelecimentos agropecuários que não tem nem equinos nem bovinos como principal atividade.

As condições de relevo (declividade) e de escala (área da propriedade) muitas vezes inviabiliza a utilização de máquinas agrícolas. Este fato, a despeito de grandes avanços atingidos na tecnologia de máquinas e implementos agrícolas, implica na manutenção da importância da tração animal. Dados do último Censo Agropecuário mostram que 55% dos estabelecimentos que se utilizam de algum tipo de tração, utilizam animais nessa tarefa.

Uma primeira reflexão sobre oportunidades de negócios surge das informações apresentadas nos parágrafos anteriores. Há necessidade de maior quantidade e, principalmente, melhor qualidade dos equipamentos utilizados com os equídeos nessas tarefas. Enquanto a indústria de tratores e colhedoras evoluiu fortemente nos últimos anos, incorporando tecnologia e ergonomia, praticamente não houve investimentos, por exemplos, nos implementos para tração animal. Conhece-me muito mais sobre bem estar animal atualmente, o que justificaria transformações significativas nos equipamentos e troca daqueles condenados pela ciência atual. Pela escala, milhões de animais, um bom nicho de mercado desenha-se nessa área.  Ainda há importante oportunidade para empresas de medicamentos, nutrição, selaria e outros segmentos, que também se aplicam aos animais utilizados na lida de gado, de modo que esta discussão seguirá após breves comentários sobre a tropa para lida com gado.

Bilhões de Reais com a lida do gado bovino

No Brasil há estimados 3,9 milhões de cavalos de trabalho. A grande maioria associado ao trabalho de manejo do gado bovino. São animais que muitas vezes cumprem mais de uma jornada de trabalho: ajudam na lida do gado, são meio de transporte de para peões, inclusive podendo ser utilizados nas horas de lazer. Apesar de toda sua utilidade, recebem relativamente poucos cuidados. Em muitos casos, apenas esporádicas vermifugações. Os gastos médios anuais com esses animais são de pouco mais de R$ 100,00, totalizando cerca de meio bilhão de reais com toda tropa de lida. É justamente nesse ponto que se encontram bilionárias oportunidades de negócio.

Se fosse dedicada a mesma intensidade de cuidados que os dispensados à máquinas e implementos agrícolas (lubrificação, limpeza, pintura, entre outros) aos equídeos, os valores de movimentação financeira no mercado se multiplicariam fortemente. A mesma preocupação para estender a vida útil e econômica de máquinas deveria ocorrer com a vida útil dos animais de trabalho.

Casqueamento e ferrageamento, uso mais intensivo de medicamentos e atenção na nutrição dos equídeos são exemplos de áreas que pequenos investimentos proporcionariam ganhos em larga escala. São grandes oportunidades de negócios que tem passado despercebidas.

Selaria

O segmento de selaria para os animais tratados neste artigo pode ser dividido em três, todos sub explorados. Há produção de selaria para as atividades rotineiras, de trabalho; há enfeites e produtos mais elaborados para utilização em eventos como cavalgadas e há o segmento de máquinas e equipamentos para uso em selaria. E cada uma dessas partes ainda pode ser subdividida em outras, de acordo com características regionais, por espécie (equinos ou muares e asininos), entre outras.

A produção nacional de selas para esses animais (isto é, excluindo aquelas produzidas para segmentos denominados “top” e “premium”) atinge cerca de 150 mil unidades, ainda fabricadas de forma artesanal ou próxima disso. São utilizados equipamentos da indústria calçadista adaptados e não máquinas originalmente projetadas para selaria.

O mercado de selaria, que hoje movimenta cerca de R$ 200 milhões de Reais no Brasil, pode ter ganhos de produtividade e renda com investimentos não muito complexos. Desenho e produção de equipamentos é um nicho. Profissionalização do setor, com entrada de empresas modernas e conhecimentos mínimos de administração moderna revolucionariam o setor.

Apostas abertas

Como exemplificado nos parágrafos anteriores, duas constatações podem ser feitas referentes à equideocultura brasileira. Primeiro, há uma indústria bilionária ofuscada pela parte visível dos cavalos de elite, pouco conhecida e explorada superficialmente. Segundo, empresas e empreendedores não necessitam de grandes investimentos para revolucionarem diversos segmentos que podem proporcionar retornos expressivos. As apostas estão abertas, as oportunidades escondidas aguardam os projetos de sucesso que multiplicarão a movimentação e renda da equideocultura brasileira em prazo não longos.