O surto de peste suína africana na China deixou de ser apenas um fator de especulação sobre o comércio mundial de carnes. O Ano Novo Chinês, em fevereiro, marcou um ponto de inflexão no humor, e nas vendas, é claro, da indústria de carne suína do Brasil. A expectativa de executivos do segmento é que os embarques do produto para o país asiático ganhem envergadura nos próximos meses.

“Houve uma mudança total de demanda e preço. É o momento de o país compensar as perdas dos últimos anos”, afirmou ao Valor um alto executivo de uma das principais agroindústrias processadoras de suínos do país.

De fato, o resultado setorial do ano passado foi desastroso devido à sobre oferta de carne suína no país, em grande parte provocada pelo embargo da Rússia, e dos preços altos da ração animal. A margem bruta da produção de carne suína no sistema de integração ficou negativa em 14%, de acordo com a consultoria MB Agro.

Segundo um executivo de um grande exportador, o preço do pernil suíno vendido pelo Brasil à China passou de US$ 2.000,00 por tonelada, no ano passado, para US$ 3.000,00 nos contratos fechados recentemente, com embarque nos portos brasileiros a partir de abril.

Pelos dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), porém, ainda não é possível confirmar um forte aumento do volume comercializado, mas apenas dos preços (ver arte acima). Na visão do analista César Castro Alves, da MB Agro, o primeiro impacto do surto de peste suína na China, que começou em agosto, foi negativo para os preços. Os produtores locais correram para liquidar o plantel ainda saudável, o que elevou de forma momentânea a oferta de carne suína.

Nas últimas semanas, porém, os sinais de redução da oferta chinesa são cada vez maiores, o que casa com a mudança de humor na indústria de carne suína do Brasil. Na bolsa de Chicago, os contratos futuros de suíno magro subiram mais de 16% nos últimos 11 pregões, de acordo com a agência Dow Jones Newswires.

Corroborando o cenário, o Ministério da Agricultura da China informou no mês passado que a oferta de carne suína no país caiu 12,6% em janeiro, na comparação anual. Nesse cenário, algumas indústrias de ração na China vêm reportando queda de mais de 20% nas vendas, conforme relatos da agência Agricensus.

Na avaliação do vice-presidente de mercado da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, os chineses caminham para cumprir um papel que, há poucos anos, seria improvável. Pequim deve substituir a Rússia não só em importância no volume de vendas, mas também em preços, o que é fundamental para a recuperação da rentabilidade do segmento, que ainda está negativa em 6%, conforme o indicador da MB Agro.

Até 2017, os russos respondiam por cerca de 40% do volume de carne suína exportada pelo Brasil e 50% da receita cambial. No setor, a dependência da Rússia, um país de comércio instável, dado a rompantes protecionistas, sempre foi vista como uma grande fragilidade da suinocultura do país.

Segundo Santin, a crise gerada pelo embargo da Rússia à carne suína brasileira, Moscou proibiu a importação do produto nacional em dezembro de 2017, já vinha sendo amenizada pela demanda chinesa, que estava aquecida mesmo antes do surto de peste suína africana. Mas os preços estavam mais baixos.

Com o agravamento da peste suína no país asiático, o preço médio da carne suína exportada para a China está se aproximando do preço pago pela Rússia. Moscou retirou o embargo ao produto brasileiro no fim do ano passado. De acordo com dados compilados pela ABPA, o preço médio da carne suína exportada para a China passou de US$ 1.726,00 por tonelada, em setembro do ano passado, para US$ 2.053,00 por tonelada em dezembro. Se trata de uma alta de quase 20%.

O movimento de valorização deve continuar. Segundo o dirigente da ABPA, novos contratos de exportação para a China estão sendo fechados a valores próximos de US$ 2.500,00 por tonelada, enquanto as vendas aos russos saem por cerca de US$ 2.600,00 por tonelada. Esses valores devem aparecer nas estatísticas no segundo trimestre, quando os embarques forem realizados pelos nove abatedouros que estão autorizados a vender à China.

Com firme demanda, a China assumiu, pela primeira vez, a liderança do ranking dos maiores compradores da carne suína do Brasil. No primeiro bimestre, as exportações diretas de carne suína do Brasil para a China somaram 20.500 toneladas, segundo dados preliminares compilados pala ABPA. Hong Kong foi o segundo maior destino, com 20.000 toneladas. A Rússia ficou na terceira posição, comprando 11.000 toneladas no período, segundo Santin.

O impacto positivo não beneficia só frigoríficos de carne suína. Conforme a ABPA, a China se tornou, pela primeira vez, o principal destino das exportações de carne de frango do Brasil. O país desbancou em fevereiro a Arábia Saudita, que vem tomando medidas para proteger a indústria local e, no fim de janeiro, suspendeu a importação de diversos abatedouros de frango do Brasil.

 

Valor Econômico