Como desenvolver o negócio de forma produtiva, rentável e sustentável

Atividade de grande importância econômica para a cadeia do agronegócio nacional, a pecuária leiteira tem evoluído de forma muito positiva nos últimos anos, tanto em produtividade e tecnificação quanto em relação às questões de sanidade dos animais, estações de trabalho, infraestrutura e desenvolvimento sustentável do setor.

Dentre os responsáveis por essa evolução, pode-se destacar o trabalho realizado pelas granjas leiteiras que, apesar da diferença de níveis tecnológicos entre as diversas unidades produtoras, é mais do que correto afirmar que o leite pode e deve continuar sendo uma das principais fontes de trabalho e renda para o agro nacional. E mais: à medida que forem eliminados gargalos relacionados à infraestrutura básica, a atividade terá um protagonismo ainda maior no desenvolvimento do País.

O médico veterinário e empresário do segmento leiteiro, Maurício Silveira Coelho, afirma que o processo da produção de leite no Brasil tem se profissionalizado de forma significativa nos últimos anos e, mais especificamente, desde o fim do tabelamento, em 1991, isso tem aparecido de uma forma mais evidente. Proprietário da Fazenda Santa Luzia, na cidade mineira de Passos, atualmente uma das principais referências da produção leiteira do País, Coelho também é um dos sócios do Grupo Cabo Verde e 3º vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite). Em entrevista para a Animal Business Brasil, o executivo fala sobre a evolução, o futuro da pecuária leiteira e destaca os princípios fundamentais para o funcionamento sustentável de uma granja de leite no País.

Como você enxerga o momento atual da pecuária leiteira no Brasil?

Maurício Silveira Coelho: A atividade leiteira é de extrema importância, haja vista que o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de leite. Passamos do status de importadores, situação que ocorria um tempo atrás e somos, atualmente, autossuficientes na produção, gerando já algum excedente para exportação. O País tem um potencial incrível de crescimento e pode se tornar um grande exportador de leite em um futuro próximo.

Em sua visão, quais os principais gargalos da cadeia produtivos do leite?

MSC: Destaco como gargalos principais da atividade, o fato de termos ainda muitos produtores no Brasil. São cerca de 1,2 milhão de fazendas leiteiras, com uma grande diversidade de sistemas, profissionalizados e não profissionalizados, o que faz com que a cadeia seja bastante heterogênea. Isso acaba sendo um entrave para o crescimento do negócio. Porém, assim como aconteceu em todo o mundo, tem havido uma redução progressiva no número de produtores e os que ficam são os que têm buscado mais profissionalização e, consequentemente, maior ganho de escala. Assim, percebo que, no futuro, nós teremos muito menos produtores do que atualmente. Outro gargalo está relacionado às regulamentações do Governo Federal. O Brasil precisa atingir os mercados internacionais, os mercados importantes no cenário internacional, não os marginais e, para isso, precisamos ter leite de qualidade, dentro das normas e exigências globais. Embora isso ainda seja considerado um gargalo, o Brasil tem feito seu dever de casa e, a cada dia, o leite profissional brasileiro está mais preparado a atender esses mercados.

Qual a importância da seleção genética e quais raças e cruzamentos mais indicados para a produção de leite nas condições do Brasil?

MSC: A produção leiteira está calcada em quatro pilares importantes: seleção genética, nutrição, sanidade, manejo. A seleção genética é muito importante porque ela promove o crescimento do potencial de produção dos animais. Se analisarmos os últimos anos, principalmente com o advento das novas tecnologias, como, a transferência de embriões, a genômica, entre outras, o nível de assertividade na condução dos trabalhos de seleção genética tem aumentado significativamente e isso traz junto o aumento da produção e da produtividade desses animais.

Um trabalho correto de seleção genética, sem dúvida, contribui para o aumento de produção leiteira. A raça mais especializada para a produção de leite é a holandesa, seguida da jersey porém, no Brasil, o mais importante, até pelo número de animais, é o cruzamento da raça holandesa com a raça gir leiteiro, que resulta no girolando. Estima-se que, atualmente, 70% da produção nacional venha de vacas cruzadas, vacas mestiças, principalmente do cruzamento de holandês com gir leiteiro.

No caso da Fazenda Santa Luzia, que é especializada na produção de Girolando, 100% dos nossos animais são meio-sangue e três quartos de sangue dessa raça. São animais bastante adequados ao nosso sistema de produção para o clima tropical, apresentam grande rusticidade, alta capacidade de produção, longevidade bastante significativa e alta eficiência reprodutiva.

Em relação à nutrição (pasto, ração, suplementos), quais os métodos mais indicados e quais devem ser as principais preocupações dos produtores?

A nutrição vem passando por um processo de evolução. Hoje, o trabalho é feito com uma nutrição balanceada e, em determinados casos, podemos até chamar de nutrição de precisão. O importante é que a vaca esteja bem atendida em suas demandas energéticas, de proteínas e todos os micronutrientes. Para isso, é necessário o balanceamento de dieta, feito por profissionais especializados em nutrição animal, porém, o produtor precisa ter em mente que as necessidades nutricionais devem ser atendidas para que o animal possa, realmente, externar o seu potencial de produção.

Como a fazenda Santa Luzia trabalha em relação à nutrição?

MSC: Na Santa Luzia, basicamente, trabalhamos com sistemas de pasto irrigado, rotacionado, oferecendo uma forragem de alta qualidade, além de suplementação com silagem de milho e concentrado. Quanto mais nutrientes esse concentrado tiver, melhor para o balanceamento nutricional do animal. Utilizamos farelo de soja, fubá, caroço de algodão, polpa cítrica, cevada, DDG (resíduo da produção de etanol de milho) e todos os sais minerais, sempre de forma balanceada. O balanceamento da dieta garante uma nutrição mais completa que possa, efetivamente, atender às necessidades do animal. O critério de alimentação, para uma vaca produzindo 40 quilos de leite e 20 quilos de leite, é baseado na produção, caso contrário, os custos ficam fora de parâmetros. Assim, é importante ter um controle eficiente da produção leiteira para tratar a vaca de acordo com essa produção, pois o que sobra do valor das vendas de leite, deduzidos os custos alimentares, é a marca da contribuição que uma vaca deixa para pagar todos os outros custos.

É fundamental que a nutrição esteja bastante equilibrada e a vaca possa produzir volumes significativos dentro do esperado. Aí, sim, é possível obter uma receita condizente, reduzidos os custos nutricionais e alimentares para pagar todas as despesas fixas de mão de obra, manutenção de benfeitorias e equipamentos, de construções, etc.

Em relação ao manejo (a campo, confinamento), como escolher a melhor técnica?

MSC: Existem diversos sistemas de produção que diferem de propriedade para propriedade. Há fazendas de confinamento que utilizam o free stall, o composto barn ou outros sistemas. Há também criação a pasto, pasto irrigado, pasto rotacionado, ou sistemas mistos mesmo, onde a vaca tem acesso a pasto, com suplementação no cocho. A escolha depende da estrutura de cada propriedade. O mais importante é extrair o máximo do potencial produtivo do animal, de acordo com o sistema inserido.

Para cada sistema de produção existe um animal adequado àquela realidade. Sistemas mais confinados, geralmente trabalham com vacas tendendo mais para holandês, ou seja, as raças europeias, que se manifestam e têm potencial para produção mais alta de leite. Sistemas mistos e sistemas a pasto costumam trabalhar com animais mestiços, geralmente cruzados de holandês com gir leiteiro, o girolando, que é o mais comum no Brasil, pois são animais bastante adaptados para essa realidade. Mas, independentemente do sistema de produção, o que difere uma fazenda da outra são as suas potencialidades e gerenciamento. Podemos observar que tem algumas fazendas de confinamento que têm ganhado muito dinheiro, outras nem tanto e outras até perdem dinheiro. Na criação a pasto, a mesma coisa. Então, não é o sistema de produção em si que diferencia ou é o fator que mais pesa no resultado da produção leiteira, a gestão é fundamental para o resultado positivo em qualquer sistema de produção proposto.

Para que uma granja leiteira tenha uma estrutura adequada, o que deve ser levado em consideração em relação às instalações?

MSC: A produção leiteira é uma atividade bastante rotineira, intensa e depende de estrutura adequada para se obter resultado satisfatório da atividade. O sistema de produção de cada propriedade determina o tipo de estrutura. Nos confinamentos, geralmente, as vacas ficam fechadas o tempo todo, então é preciso de barracões mais ventilados, mais altos e que garantam um conforto maior para o animal.

Os sistemas de pasto também exigem alguma estrutura, além de pasto de qualidade, porém, são estruturas menos sofisticadas. O importante é ter em mente a melhor forma de oferecer conforto, seja de temperatura, de sombra, de água de qualidade, de espaço adequado no cocho, para que a possa receber a alimentação, além do piso para ela caminhar e se deitar. Enfim, esses são alguns detalhes para que o animal possa manifestar o seu potencial de produção. Tudo o que se faz em termos de conforto e de melhoria das condições para a vaca, ela sempre retorna com crescimento de produção. Ou seja, todo o investimento para dar mais conforto para o animal, ele seguramente retorna aumentando a produção de leite.

Na parte sanitária, quais as principais medidas de higiene e de profilaxia devem ser observadas durante a ordenha na rotina de uma granja leiteira?

MSC: Um pilar muito importante na produção leiteira é a sanidade. Nela estão inseridas a prevenção de doenças (uso de vacinas e vermífugos) e o calendário sanitário, programado para a imunidade adequada aos animais, e minimizar a manifestação de doenças. A prevenção é a base da sanidade de um rebanho. Existe também as questões de ambiente, de sujidade, que interferem, sobretudo, nos problemas de casco e na mastite, entre outros. Ou seja, uma vaca sempre deve ter um ambiente limpo à sua disposição para que ela possa se deitar e evitar contaminação do sistema mamário e o aparecimento de mastite.

O bom uso dos equipamentos também é fundamental para manter o equilíbrio e evitar a contaminação através equipamentos de ordenha. Sobretudo, controle de parasitas e endoparasitas, como os carrapatos, verminose, entre outros, também devem fazer parte dos protocolos de sanidade de um plantel. De toda forma, olhando a coisa de uma forma mais abrangente, todos os detalhes são importantes no sentido de manter o animal com o sistema imunológico equilibrado para que ele possa aumentar a produção leiteira de maneira adequada e com um produto de qualidade.

O processo de ordenha é, sem dúvida, uma das partes mais importantes da atividade de uma granja leiteira. Você poderia falar sobre os processos de ordenha manual, automática e robotizada e quais os mais indicados para uma produção rentável e sustentável?

MSC: A ordenha é o ponto de colheita de tudo aquilo que você fez, ou seja, tudo de bom que foi feito, vamos buscar o resultado durante a ordenha. É fundamental que se tenha um equipamento de ordenha adequado, bem regulado, seguindo as normas de fabricação e de manutenção. No caso da Santa Luzia, mantemos um programa rotineiro em que todas as substituições de peças e manutenção são feitas de forma preventiva.

É importante lembrar que existem diversos modelos de ordenha, mais sofisticados ou menos sofisticados, com informatização ou não. Todos os sistemas são funcionais, porém, em termos da escala de número de vacas ordenhadas, é necessário fazer um investimento maior em equipamentos mais avançados e mais evoluídos. Na Santa Luzia, temos duas salas de ordenha. Uma de 24 animais linha média, onde trabalham quatro operadores. São ordenhadas de 130 a 135 vacas por hora. Na segunda ordenha, que é uma rotatória, de 40 postos, toda automatizada, com alimentação individual por animal, o arraçoamento é baseado na produção dos últimos 7 dias. A máquina coloca o concentrado de acordo com a produção apresentada por aquele animal.

Quais os métodos mais eficazes de controle da produção, higiene e conservação (resfriamento) do leite na fazenda?

MSC: Todo controle dos diversos pontos importantes da ordenha são monitorados e é fundamental ter esses parâmetros em dia para garantir a perfeita qualidade da produção do leite. Outros equipamentos fundamentais, associados à ordenha, são os tanques de resfriamento de leite. No caso da Santa Luzia, trabalhamos com tanque de expansão e, também, com chillers, equipamentos que fazem o resfriamento automático e instantâneo. O leite sai da vaca na faixa de 36 a 37 graus, passa pela serpentina, e é resfriado imediatamente abaixo de 3 graus, de forma instantânea. Isso garante que a qualidade do leite que saí do úbere da vaca seja totalmente preservada até ser entregue ao laticínio e chegar à mesa do consumidor. Isso é fundamental para garantir um produto de qualidade para o consumidor.

O que você destaca como fortaleza na Fazenda Santa Luzia?

MSC: O que considero uma fortaleza no sistema de produção da Santa Luzia é a perfeita adequação às normas sanitárias e às normas ambientais, ou seja, todo cuidado com o manejo de dejetos, que passam por separação de sólidos, que vão para biodigestores, geram energia elétrica. Depois, os resíduos dos biodigestores são usados na fertirrigação das pastagens, garantindo a reciclagem de nutrientes e dando total sustentabilidade ao sistema.

As águas utilizadas, de curso natural, passam por uma estação de tratamento, são tratadas e cloradas, não só para o uso do animal, mas também para a limpeza das instalações. Após esse processo, essa água também é reciclada na forma de irrigação das pastagens, o que mostra uma preocupação em relação às normas ambientais e preservação dos recursos naturais da propriedade.

Como está dimensionado o projeto da Santa Luzia?

MSC: Temos, em média, 1.600 vacas em lactação, com uma produção diária ao redor de 30 mil litros de leite. O sistema de produção da Santa Luzia é baseado em pastos irrigados, rotacionados, com aproveitamento de dejetos para fertirrigação e biodigestores para a produção de energia elétrica. Em 2015, construímos a primeira ordenha rotativa para animais Girolando, com eficiência de 200 vacas ordenhadas por hora, além do fornecimento de concentrado individual por produção durante as ordenhas. Além disso, 100% da reprodução dos animais do rebanho é feita por meio de fertilização in vitro (FIV), garantindo o nascimento de 87% de fêmeas.

Por fim, quais as dicas que você daria para quem pretende ingressar no segmento e desenvolver uma granja leiteira produtiva e sustentável?

MSC: Para quem está iniciando ou para quem quer evoluir na atividade, o primeiro ponto importante é gostar do que faz. Só faz bem-feito, realmente quem gosta da atividade e dedica tempo a ela. Muitas vezes a pessoa quer produzir leite, mas não tem disponibilidade de tempo para se dedicar à atividade. Fatalmente, isso não levará ao sucesso do empreendimento.

Outra dica importante é ter uma boa assessoria técnica, pois ninguém faz nada sozinho. É fundamental contar com a ajuda de um técnico na parte de nutrição, no manejo e na sanidade do rebanho. Juntos, esses três fatores contribuem para o sucesso da atividade. A falha de um deles, certamente, resultará no insucesso da produção de leite e da própria rentabilidade de atividade.