A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari – Bonaparte, 1856) pertence à família Psittacidae, aves com característico bico curvo e forte, com capacidade de partir rígidos coquinhos pertencentes à sua alimentação. Elas possuem colorações majestosas e tamanho imponente que, ao voar, proporcionam uma das visões mais espetaculares da natureza.

O gênero Anodorhynchus possui três representantes, a arara-azul-grande, a arara-azul-pequena e a arara-azul-de-lear. Todas elas possuem a pele em formato de anel ao redor dos olhos. São aves especialistas, dependentes de sementes de palmeiras.

A arara-azul-de-lear possui uma aparência muito semelhante à arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus), porém com algumas tênues diferenças: a coloração da arara-azul-de-lear é um azul-esverdeado, já a arara-azul-grande apresenta um azul mais escuro. Outra característica para distingui-las fica na região desprovida de penas próxima ao bico, que apesar de em ambas ser de coloração amarela, na arara-azul-de-lear essa região é maior, formando uma meia-lua amarela. Além disso, há também diferença no tamanho, enquanto a arara-azul-grande mede cerca de 98 cm de altura, a arara-azul-de-lear é menor, medindo aproximadamente 71 cm de altura.

Histórico e Distribuição Geográfica

A arara-azul-de-lear foi descoberta em cativeiro no século XIX, sendo classificada por muito tempo como arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus). Cerca de três décadas depois foi descrita, de fato, pelo príncipe francês Bonaparte com exemplares de zoológicos e coleções. O ilustrador inglês Edward Lear foi o responsável pela primeira prancha da espécie, sendo homenageado por Bonaparte, que usou seu sobrenome para dar a nomenclatura da espécie.

Em 1951, Olivério Pinto, renomado ornitólogo, localizou um exemplar cativo durante uma expedição pelo Nordeste, na região de Juazeiro, Bahia, e indicou uma região como sendo a provável área de distribuição desta arara, desvendando um grande enigma da ornitologia sul-americana. Porém, foi apenas em 1978 que o naturalista alemão Helmut Sick comandou uma expedição, encontrando uma população da arara-azul-de-lear na natureza, no Raso da Catarina, Bahia, única região em que a espécie é descrita até hoje, sendo considerada endêmica do sertão do Nordeste da Bahia, vivendo nos municípios de Canudos, Euclides da Cunha e Jeremoabo.

Foto: Rafael Bessa – Casal de araras-azuis-de-lear sobrevoando os céus de Canudos (BA) 2009

Alimentação

A arara-azul-de-lear é altamente especialista, sendo sua principal fonte de alimentação o coco do licuri (Syagrus coronata), uma palmeira nativa do sertão baiano. Um mesmo grupo de araras-azuis-de-lear podem visitar um único pé de licuri por dias consecutivos, até que o fruto se esgote.

Além do licuri, há recursos alimentares alternativos ou complementares, que majoritariamente consistem em frutos de árvores altas em que elas passam o tempo e monitoram o ambiente, como o pinhão (Jatropha pohliana), umbu (Spondias tuberosa), mucunã (Dioclea sp.), baraúna (Schinopsis brasiliensis), flor de sisal (Agave sp.), mandacaru (Cereus jamacaru), além do milho (Zea mays).

Foto: Rafael Bessa – Bando de araras-azuis-de-lear sobre galhos de árvore monitorando o entorno. Canudos (BA) 2009

Hábitos de Vida

A arara-azul-de-lear vive em bandos. No início da manhã vão em busca de alimento, retornando para os paredões apenas ao entardecer. O bando conta com uma eficiente organização que visa à proteção de cada indivíduo, permanecendo em árvores altas enquanto algumas saem para monitorar a área em torno dos licuris. Assim que esses integrantes retornam, sem sinais de ameaça, o bando sai e, após se assegurarem, descem para se alimentar. Passam em torno de três horas diárias se alimentando, cada arara consumindo até 350 cocos de licuri por dia, e em boa parte do dia vivem empoleiradas na vegetação nativa.

Os paredões da caatinga são utilizados como dormitório e, na época reprodutiva, também servem como locais de nidificação para a espécie. Os bandos podem ser vistos e ouvidos chegando de diversas direções, sobrevoando o paredão até se acomodarem nele para dormir.

Foto: Rafael Bessa – Bando de araras-azuis-de-lear levantando voo. Canudos (BA) 2009

Reprodução

As araras-azuis-de-lear nidificam nos paredões de arenito da caatinga, que podem atingir até 72 metros de altura, conhecidos como Serra Branca e Toca Velha, em cavidades naturais que geralmente se encontram a quase 27 metros acima do solo, pondo de um a três ovos. Até os filhotes estarem prontos para voar, a família fica separada do bando.

A estação reprodutiva se inicia, no geral, com a chegada das chuvas no final do ano, começando com a exploração das cavidades dos paredões pelo casal, em busca de um ninho, ocorrendo entre setembro e outubro, e vai até abril, período em que os filhotes deixam o ninho.

Foto: Rafael Bessa – Araras-azuis-de-lear interagindo sobre um galho de árvore. Canudos (BA) 2009

Ameaças

O desmatamento desenfreado na sua área de distribuição geográfica contribui grandemente para a diminuição no número de indivíduos da espécie. A utilização intensa da caatinga para cultivos agrícolas e prática da pecuária favorece a destruição da vegetação nativa, que é devastada pelos animais de produção através do consumo e pisoteamento, ocasionando assim a diminuição do hábitat da arara azul-de-lear e dos seus recursos alimentares, principalmente do coco das palmeiras de licuri.

As araras dependem de fendas de rochas e de árvores específicas para sua nidificação e/ou alimentação, portanto, qualquer alteração no hábitat tem influência direta na sobrevivência destes animais, estando elas intimamente ligadas ao ambiente em que vivem.

Devido à beleza, capacidade de imitar sons e a cognição desenvolvida, as araras são aves extremamente procuradas para serem criadas como animais de companhia, tornando-as alvos do tráfico internacional de animais silvestres, que retira incontáveis indivíduos de seu hábitat.

De acordo com a IUCN (2014), a arara-azul-de-lear está classificada como em perigo e, a partir de estimativas realizadas pelo CEMAVE (Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação das Aves Silvestres) no censo de 2014, o número de indivíduos na natureza foi estimado em 1294.

Conservação

Nos últimos anos várias organizações vêm atuando em conjunto com o objetivo de incrementar as ações que minimizem o impacto do tráfico e da caça sobre a espécie, como em atividades de ecoturismo, programas de educação ambiental, ressarcimento da população local pelos prejuízos causados por invasão das araras aos milharais e aumento da fiscalização. Diversas instituições se empenharam na manutenção de população cativa da arara-azul-de-lear por todo o mundo, havendo mais de 68 nascimentos de filhotes em cativeiro até 2014 e oito nascidos de 2015 a 2016 em cativeiros da América Latina. O CEMAVE realiza pesquisas com monitoramento populacional, alimentar, reprodutivo e de dormitórios in situ. A partir desses esforços em conjunto, a população da arara-azul-de-lear vem gradativamente crescendo e se recuperando.

Apesar destes resultados promissores, por possuírem seletividade alta para alimentação e escolha do ninho, baixas taxas reprodutivas e de sobrevivência dos filhotes, a manutenção de uma população em cativeiro é uma tarefa árdua e de elevado custo. Desse modo, faz-se necessário que haja maiores estudos na dinâmica de população e comportamento reprodutivo da espécie, para que ocorra um melhor planejamento de estratégias dos programas de reprodução.

Referências

AMARAL, A. C. A.; HERNÁNDEZ, M. I. M.; XAVIER, B. F.; BELLA, S. M. 2005. Dinâmica de ninho de Arara-azul-de-lear (Anodorynchus leari Bonaparte, 1856) em Jeremoabo, Bahia. Ornithologia, 1 (1): 56-54p.

BIRDLIFE INTERNATIONAL. Anodorhynchus leari. The IUCN Red List of Threatened Species – 2013. Disponível em: < https://www.iucnredlist.org/species/22685521/176030480>.

BRANDT, A.; MACHADO, R. B. 1990. Área de alimentação e comportamento alimentar de Anodorhynchus leari. Ararajuba, 1, 57-63p.

BRUNO, S. F. 2008. 100 Animais Ameaçados de Extinção no Brasil e o que você pode fazer para evitar. São Paulo: Ediouro, 1ed. 144p.

CORNEJO, J. 2014. Lear´s Macaw (Anodorhynchus leari) International Studbook and Population analysis. Captive Program for the Lear´s Macaw / ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

FAVORETTO, G. R. 2016. Comportamento de arara-azul-de-lear (Anodorynchus leari, Bonaparte, 1856) em cativeiro e a influência da técnica flocking na interação de pares. Dissertação (Mestrado Profissional em Conservação da Fauna) – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos. Sorocaba. 96p.

ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). [201-]. Arara-Azul-de-Lear. Disponível em: <https://www.icmbio.gov.br/cemave/pesquisa-e-monitoramento/arara-azul-de-lear.html>.

LIMA, D. M.; TENÓRIO, S.; GOMES, K. 2014. Dieta por Anodorhynchus leari Bonaparte, 1856 (Aves: Psittacidae) em palmeira de licuri na caatinga baiana. Atualidades Ornitológicas, 178, 50-54p.

LUGARINI, C; BARBOSA, A. E. A.; OLIVEIRA, C. G. de. (orgs.). 2012. Plano de Ação Nacional para a Conservação da Arara-azul-de-Lear. 2 ed. Série espécies ameaçadas n˚ 4. Brasília: ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

MENEZES, A. C. et al. 2006. Monitoramento da população de Anodorhynchus leari (Bonaparte, 1856), Psittacidae, na natureza. Ornithologia, 1, 109-113p.

MUNN, C. A.; THOMSEN, J. B.; YAMASHITA, C. 1987. The distribuition and status of the hyacinth macaw (Anodorhynchus hyacinthinus) in Brazil, Bolívia and Paraguay. Report to the Secretariart of the Convention International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora. Trade in Endangered Species of Wildlife Conservation Internacional, Washington, D. C. and New York, 70p.

PACÍFICO, E. 2011. Biologia reprodutiva da arara-azul-de-lear Anodorhynchus leari (Aves: Psittacidae) na Estação Biológica de Canudos, BA. Dissertação (Mestrado em Zoologia) – Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. São Paulo. 130p.

SICK, H.; GONZAGA, L. P.; TEIXEIRA, D. M. 1987. A Arara-azul-de-lear, Anodorynchus leari Bonaparte, 1856.  Revista brasileira de zoologia, 3, (7), 441-463.

SILVA NETO, G. F.; SOUSA, A. E. B. A.; SANTOS NETO, J. R. S. 2012. Novas informações sobre a dieta da arara-azul-de-lear, Anodorhynchus leari Bonaparte, 1856 (Aves, Psittacidae). Ornithologia, 5, (1), 1-5p.

SNYDER, N. F. R. et al. 2000. Parrots: status survey and conservation action plan 2000–2004. Gland, Switzerland and Cambridge, IUCN, UK.

WIKIAVES. 2021. Arara-azul-de-lear. Disponível em: https://www.wikiaves.com.br/wiki/arara-azul-de-lear.

YAMASHITA, C.; 1987. Field observations and comments on the Índigo Macaw Anodorhynchus leari, a highly endangered species from northeastern Brazil. Wilson Bulletin, Orbelin, 99 (2):280-282p.

YAMASHITA, C.; VALLE, M.P. 1993. On linkage between Anodorhynchus macaws and palm nuts, and the extinction of the Glaucous Macaw. Bull. B.O.C. Oxford 113(1), 53-60p.

Sávio Freire Bruno é Professor Titular do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense; Professor Colaborador do Curso de Ciências Biológicas e do Curso de Ciência Ambiental (UFF)
Gabriella da Silva Pereira: Acadêmica do Curso de Ciências Biológicas, Universidade Federal Fluminense
Revisão de texto: Clarice Villac
Foto de capa: Sávio Freire Bruno – Arara-azul-de-lear