Introdução

A brucelose é uma doença bacteriana, infectocontagiosa, originária de animais e transmitida de forma acidental para humanos. Ela afeta principalmente o sistema reprodutivo de animais domésticos causando problemas como aborto, principalmente no terço final da gestação, nascimento de natimortos e cria fraca, orquite em machos, infertilidade, entre outros (POESTER et al., 2009). Requer atenção das autoridades sanitárias por conta do seu aspecto zoonótico, com transmissão podendo ocorrer pela ingestão de produtos de origem animal proveniente de animais infectados e por se tratar de uma doença ocupacional, acometendo indivíduos que trabalhem manipulando material contaminado pelo agente infeccioso (GENOVEZ). Além disso ocasiona intensas perdas econômicas tanto na bovinocultura leite quanto na de carne levando a uma queda de até 25% da produção pelo descarte e morte de animais, aumento no intervalo entre partos, redução na produção de bezerros em 15 % e gastos com medicamentos e intervenções clínicas por médicos veterinários e desvalorização da propriedade, entre outros fatores (BATAIER NETO et al., 2009; SANTOS et al., 2013). Por conta disso é necessário entender o curso da doença e trabalhar as medidas de prevenção, controle e erradicação da doença nos animais por meio da execução das ações previstas no Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e exigindo trabalho conjunto entre médicos veterinários e médicos humanos envolvendo os conceitos de saúde única.

Agente etiológico e fontes de infecção

Esse gênero é composto por sete espécies, sendo a Brucella abortus, Brucella ovis, Brucella suis e a Brucella melitensis (ainda exótica no Brasil) as espécies de importância para a agropecuária. Das espécies de Brucella spp. apenas a Brucella abortus será transmitida ao homem por bovinos (PESSEGUEIRO, BARATA, CORREIA, 2003).

A Brucella abortus entra no organismo dos animais normalmente pelas vias oral, respiratória e pela mucosa dos olhos, sendo transmitida pelo contato do animal com materiais de aborto e descargas uterinas do parto com alta carga bacteriana que provocam a contaminação do ambiente. Pelo fato de os bovinos possuírem o hábito de lamber e cheirar os bezerros e fetos abortados por outros animais ocorre então a infecção pela bactéria (ZAGO, M. M.). Além disso, esse agente pode ser disseminado por fômites, principalmente comedouros e bebedouros onde a bactéria se mantém viva, porém sem multiplicação.

Nota-se um risco entre profissões como tratadores de animais, funcionários de frigoríficos e médicos veterinários onde a transmissão se dá através do contato de escoriações ou feridas na pele com tecidos animais, urina, sangue, secreções vaginais, fetos abortados e, principalmente, placentas além da ingestão de leite cru e produtos lácteos (não pasteurizados) provenientes de animais infectados. É comum casos por auto inoculação acidental da vacina contra Brucella da cepa B19. (LAWINSKY et. al., 2010). É rara a contaminação de humano para humano, contudo, já foi identificada essa transmissão via intrauterina, amamentação e via sexual, com um período de incubação que pode variar de 5 a 60 dias, e pode durar vários meses.

Sintomatologia e tratamento

A Brucelose pode ter quatro formas de apresentação em humanos: doença aguda, subaguda ou crônica e arbitrária e ocorre de forma endêmica em nossa país a incidência da doença pode variar de < 0,01 a > 200 por 100 mil habitantes (LAWINSKY et. al., 2010). Nos humanos a doença tem um curso inespecífico, sendo difícil a classificação da gravidade da doença, e para que o médico possa ter a suspeita clínica dessa doença faz-se necessário um detalhado histórico do paciente, com atenção para áreas endêmicas, ingestão de alimentos suspeitos, ocupação do indivíduo e contato com animais. Contudo, em geral os indivíduos podem apresentar: febre, dor de cabeça, artralgia, mialgia, fadiga e perda de peso, e ainda em casos mais graves os sistemas cardiovascular, gastrointestinal e neurológico também podem ser afetados. (LAWINSKY et. al., 2010)

Já nos animais a doença se apresenta de forma crônica, e manifesta-se principalmente no sistema reprodutor, promovendo esterilidade e aborto. O rebanho deve ser testado pelo médico veterinário habilitado no seu estado para executar as ações do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal e, em caso de resultado positivo para os testes, os animais deverão ser encaminhados para o abate sanitário.

O tratamento em humanos é feito por meio de antibioticoterapia com as tetraciclinas, os aminoglicosídeos, a rifampicina, o cotrimoxazol, as quinolonases e as cefalosporinas de terceira geração, e vai variar de acordo com a idade do paciente, casos de gravidez, sexo e forma de apresentação da doença.

Como é o curso da Brucella spp na fazenda?

A principal porta de entrada da doença na propriedade é a partir da compra de animais infectados, sendo importante atentar-se a origem do animal na hora da compra ou até mesmo com a apresentação do teste para Brucelose (ZAGO, M. M.). Também é importante a realização do período de quarentena dos animais novos na propriedade para que novo teste diagnóstico seja realizado afim de detectar animais que estavam incubando a doença e não foram detectados em testes realizados antes da introdução dos animais no rebanho.

Após o primeiro aborto as vacas se tornam portadoras da doença em sua forma crônica e vão eliminar a bactéria no leite, urina e no próximo parto. Depois de infectada, a partir da terceira gestação a vaca para de abortar por já possuir imunidade celular.

Em propriedades que diluem o sêmen coletado de touros para inseminação artificial, a realização da inseminação artificial representa uma das principais formas de transmissão, uma vez que as fêmeas possuem barreiras naturais na vagina que impedem a infecção por monta natural, enquanto no caso da inseminação, o sêmen contendo a bactéria é implantado direto no útero, facilitando a infecção. Os cães presentes na propriedade podem ser considerados reservatórios, apesar de não serem os principais, sendo responsáveis por manter a bactéria em circulação (BATAIER NETO, 2009).

Medidas de prevenção e diagnósticos

O diagnóstico da Brucelose é realizado através da identificação do agente por meio de métodos diretos (identificação do agente) ou por métodos indiretos (detecção de imunoglobulinas) e atualmente, para o diagnóstico oficial de Brucelose na bovinocultura, se faz uso dos testes de triagem do Antígeno Acidificado Tamponado (AAT) e Teste do Anel em Leite (TAL), e dos testes confirmatórios do 2-Mercaptoetanol (2-ME) e Aglutinação Lenta (TAL) (BRASIL, 2006).

A vacinação é um dos principais métodos de prevenção contra Brucelose, sendo a vacina B19 a vacina oficial do PNCEBT do Ministério da Agricultura. Deve ser usada em bezerras entre 3 e 8 meses de idade, podem causar orquite quando usada em machos e provocar aborto em fêmeas gestantes, além de causar a doença em humanos quando injetada de forma acidental em seu corpo. Ao serem usadas em fêmeas acima de 8 meses de idade, há chances de produção de anticorpos que perduram e interferem no diagnóstico da doença após os 24 meses de idade do animal, enquanto que usadas em animais com idade abaixo de 8 meses os anticorpos sumirão e apresentarão resultado negativo em testes sorológicos. Outra opção é a vacina RB51, que é não indutora de anticorpos aglutinantes, sendo utilizada em animais de todas as idades em propriedades que nunca vacinaram para a Brucelose (BRASIL, 2006).

Conclusão

Sendo assim, é importante chamar atenção para Brucelose como “zoonose” e que a única forma de não se ter a doença no rebanho é por meio da sua erradicação na propriedade e a manutenção de ações preventivas. A conscientização de médicos veterinários e criadores para executar as ações previstas no PNCEBT é fundamental para sua erradicação do rebanho. Além disso, são fundamentais a fabricação de produtos lácteos provenientes de propriedades controladas, o reforço dos serviços de inspeção de alimentos de origem animal, a exigência dos selos de inspeção nesses produtos que garantem que passaram por todos os processos de fabricação que garantem a segurança alimentar e a eliminação do consumo de alimentos “in natura” que ainda ocorre em algumas regiões com o consumo de leite-cru não pasteurizado. A responsabilidade para a eliminação da doença, prevenindo a sua transmissão para pessoas, deve ser dividida entre produtores, indústria, órgãos de defesa agropecuária e consumidor.

Referências

BATAIER NETO, M.; SANTOS, W. R. M. dos; INFORZATO, G.R.; TOZZETTI, D.S. Brucelose Bovina. Revista científica eletrônica de medicina veterinária, Ano VII – Número 12. Janeiro de 2009.
BRASIL. Manual Técnico do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal – PNCEBT. MAPA/SDA/DSA – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Brasília: 2006.
GENOVEZ, M. E. BRUCELOSE HUMANA X BRUCELOSE ANIMAL. Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo. São Paulo.
PESSEGUEIRO, P.; BARATA, C.; CORREIA, J. Brucelose – uma revisão sistematizada. Medicina Interna, vol. 10, N. 2, 2003.
POESTER, F.; FIGUEIREDO, V.C.F.; LÔBO, J.R.; GONÇALVEZ, V.S.P.; LAGE, A.P.; ROXO, E.; MOTA, P.M.P.C.; MÜLLER, E.E.; FERREIRA NETO, J.S. Estudos de prevalência da brucelose bovina no âmbito do Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose: Introdução. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. vol.61. Belo Horizonte, novembro de 2009. Suplemento 1.
SANTOS, R.L.; MARTINS, T.M.; BORGES, Á.M.; PAIXAO, T.A. Perdas econômicas devidas à brucelose bovina no Brasil. Pesq. Vet. Bras. vol.33 no.6. Rio de Janeiro, junho de 2013.
SOLA, M. C.; FREITAS, F.A. de; SENA, E.L.S. BRUCELOSE BOVINA: REVISÃO. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer – Goiânia, v.10, n.18; p. 2014. Goiânia, junho de 2014.
ZAGO, M. M. LEVANTAMENTO SOBRE BRUCELOSE BOVINA NO ESTADO DO PARANÁ. Monografia – Gestão em Defesa Agropecuária, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, p.33, 2011.
LAWINSKY, M. L. DE J. et al. Estado da arte da brucelose em humanos. Revista Pan-Amazônica de Saúde, v. 1, n. 4, p. 75–84, dez. 2010.

 

Discentes e Orientadores, Grupo de Estudos Liga de Bovinos – LiBovis
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ