A Fazenda São João True Type, de Inhaúma, Minas Gerais, é uma das maiores do país certificada em bem-estar animal e conta, atualmente, com um rebanho de 1350 vacas holandesas, que produzem hoje cerca de 45 mil litros de leite por dia. Essa performance é apenas um dos fatores que fazem da propriedade um sucesso em diversos segmentos.

Para falar sobre a evolução dos negócios e as atividades da fazenda, a Animal Business Brasil entrevistou Huguette Guarani, fundadora da True Type, que, juntamente com seu filho Rafael Collin, administram a décima segunda maior fazenda produtora de leite do país, de acordo com a consultoria MilkPoint, com capacidade instalada para uma produção de 18 milhões de litros por ano.

Animal Business Brasil: Como tudo começou?

Huguette Guarani: Tudo iniciou com a ideia de transformar uma fazenda de fim de semana em algo realmente profissional e produtivo. Como a propriedade que tínhamos anteriormente era pequena e com pouca área para a produção de alimento, saímos à procura de uma propriedade com as características ideais para desenvolvermos um projeto de leite que, na verdade, não se inicia basicamente com a presença das vacas, vai muito além disso.

Começa, primeiro, por ser um bom agricultor para garantir a comida que o rebanho precisa, pois a parte das forrageiras não é fácil e economicamente viável comprarmos de terceiros, com algumas exceções. Além disso, ainda temos que pensar nas instalações para os animais e nos processos ambientais, formação de equipe, etc… Enfim, ser produtor de leite passa por um conjunto de ações que antecedem a chegada das vacas até o 1º litro de leite ordenhado.

Foto: True Type

Animal Business Brasil: Quais recursos técnicos e financeiros necessários para a evolução dos negócios?

Huguette Guarani: Os recursos técnicos foram e são imprescindíveis para iniciar qualquer negócio, especialmente numa área com tantos desafios e complexidade. A questão financeira, nem se fala, afinal não se faz nada sem dinheiro, não é? Mas é muito importante um bom planejamento e avaliação se a atividade tem capacidade de remunerar o capital investido e a que tempo. Se você falha ao planejar, você planeja falhar.

Inicialmente, utilizamos recursos próprios, mas logo tivemos que recorrer à empréstimos bancários e linhas de incentivo ao agronegócio, pois os investimentos somam quantias enormes.

Animal Business Brasil: Quais as dimensões atuais do negócio e quais as atividades principais?

Huguette Guarani: O projeto continua praticamente o mesmo desde o início. Nosso foco é sempre melhorar a produtividade e os indicadores. Iniciamos com uma área de 600 ha, mas logo fomos adquirindo mais aéreas e, atualmente, a fazenda se estabilizou em 1170 ha. Nossas principais atividades são produção de leite, de feno de tifton e capim vaquero e pré-secado de gramíneas.

O feno, outra de nossas atividades, é produzido para comercialização, atendendo o mercado de equinos, na grande maioria, além de bovinos e caprinos. Produzimos para consumo interno de nosso rebanho e atualmente estamos também, além do feno, trabalhando a comercialização do pré-secado das gramíneas.

Atualmente, contamos com 250 ha destinados à produção de feno e 200 ha destinados à produção de alimento para o rebanho leiteiro. Além disso, contamos com 1.350 vacas da raça holandesa em lactação e estamos em um momento crescente com a questão dos subprodutos, pois essa é uma agenda mundial.

Animal Business Brasil: Que dificuldades enfrentou durante o processo de evolução das atividades?

Huguette Guarani: As dificuldades encontradas não são poucas, especialmente por não sermos ou termos formação no agro (leite). Foi preciso aprender com quem já sabe e produz, conhecer os desafios da atividade, que são inúmeros e que dependem muitas vezes de detalhes ligados à região, microclima, condições particulares de cada propriedade, região e plantel.

Além disso, foi fundamental pesquisar, viajar para conhecer fazendas referências, tanto no Brasil como no exterior, conectar-se hoje principalmente ao mundo virtual assistindo palestras, workshops e, acima de tudo, contar com o apoio de assessoria técnica.

Outro fator inerente à atividade é a dificuldade com a mão de obra, que é escassa e não especializada. Isso é um desafio geral para todo produtor. Também é preciso conhecer o processo produtivo que acontece da porteira para dentro, assim como entender também as questões políticas e econômicas do mercado de leite. Tudo isso é essencial para escolha do foco do negócio e do nicho de mercado ao qual pretende fazer parte.

Foto: True Type

Animal Business Brasil: O período mais intenso da pandemia trouxe problemas?

Huguette Guarani: Os impactos da pandemia durante o período crítico não foram tão grandes pro setor, a não ser conviver com pessoas da equipe faltantes nos casos positivos, mas tivemos poucos, por causa de várias medidas adotadas, inclusive testagem interna feita na nossa equipe com frequência.

Os grandes efeitos da pandemia têm aparecido mais recentemente, com as variações cambiais que estão impactando profundamente os insumos que compõem a dieta das vacas, fertilizantes e medicações. Tudo isso, aliado ao momento econômico que, como reflexo de todo processo que vem da pandemia, traz muitos desafios e instabilidade para todos e, consequentemente, para os negócios.

Nossa empresa custeou, durante 12 meses, 100 cestas básicas para famílias da cidade de Inhaúma em condições de risco, como forma de apoio e também para manter nossa atenção e importância nas pessoas.

Animal Business Brasil: Hoje, o que você destaca em relação às dimensões do negócio?

Huguette Guarani: Em 2006, a True Type já havia enxergado a necessidade de dar destino correto para seus dejetos e implantou uma fábrica de produtos orgânicos para jardinagem, que tornou-se a empresa Terral.

Além disso, a fazenda vem fazendo o aproveitamento de parte líquida dos dejetos para fertirrigação, processo que ajuda na correção de solo e na melhor eficiência de produção das culturas, representando economia na compra dos fertilizantes. A areia utilizada na cama das vacas é 100% reaproveitada e o reuso de água também são ações tomadas alinhando com a agenda ambiental.

Foto: True Type

Animal Business Brasil: O que a empresa tem feito para se destacar e inovar na cadeia produtiva do leite e outros produtos?

Huguette Guarani: Pensando também na questão ambiental, 80% do consumo de energia elétrica da True Type é de produção própria, fotovoltaica (solar). O objetivo é ampliar essa marca. Diretamente ligada ao leite, nosso maior objetivo é fornecer aos animais condições de conforto. Para isso, temos melhorado nossas instalações, que datam de 1990. Incluímos opções mais modernas que confirmam manejos com ganhos no aspecto de conforto. Construímos em 2020 um cross ventilation e estamos em fase de iniciar novas instalações. Neste ano, recebemos o selo de conforto animal. Com esse reconhecimento, somos a primeira fazenda a passar pelas quatro fases de aprovação de uma só vez.

Animal Business Brasil: Na parte administrativa, qual é a estrutura da fazenda?

Huguette Guarani: A fazenda conta com um gestor geral, um gerente de pecuária, um gerente de agricultura, uma gerente administrativa e subgerentes. Cada um desses desempenha um papel fundamental na gestão do dia a dia.

Animal Business Brasil: E em relação às instituições governamentais e associações de classe, o que poderia destacar?

Huguette Guarani: Infelizmente, nossa experiência não é boa com órgãos governamentais. Alguns, ainda são muito lentos para atender as demandas dos empreendimentos e podem atrapalhar o andamento do projeto. Já sobre as associações, algumas têm contribuído com o setor, em especial a Abraleite, que vem desenvolvendo um excelente trabalho para cadeia leiteira.

Foto: True Type

Animal Business Brasil: Se pudesse escolher, teria feito algo diferente durante o processo?

Huguette Guarani: Cometemos muitos erros no passado e, infelizmente, ainda continuamos cometendo alguns. Nossa atividade possui uma alta complexidade. Começaria menor e cresceria à medida que o negócio permitisse.

Animal Business Brasil: Qual conselho daria a um futuro investidor no segmento?

Huguette Guarani: Como recomendação, diria que é muito importante planejar bem o negócio, entender se há disposição e perfil dos empreendedores para participarem ativamente da atividade, observar se o projeto é compatível com a situação climática e geográfica, verificar se a região dispõe de mão de obra e aprofundar no conhecimento técnico e produtivo. Caso haja algum fator limitante em relação aos itens acima, é melhor reavaliar o projeto. Por fim, vale lembrar que toda atividade requer dedicação, e com a pecuária e a agricultura não é diferente.

Foto de capa: Valor Econômico