Introdução

A importância relacionada aos cascos de bovinos vêm aumentando nas últimas décadas após produtores e veterinários observarem que patologias relacionadas aos dígitos são um dos principais entraves econômicos em fazendas. Juntamente a problemas reprodutivos e problemas da glândula mamária, as afecções podais constituem as principais causas de perdas econômicas em produções leiteiras, uma vez que problemas como a claudicação influenciam diretamente na produção de leite, além de causar também maior incidência de mastite, aumento do número de descartes do rebanho e perda de valor genético de animais de alta produção. Dessa forma, como ainda é observado em muitas propriedades, os sistemas de “free-stall” ou “compost barn”, locais onde os animais não conseguem desgastar apropriadamente seus cascos, vê-se a necessidade do casqueamento funcional como um agente de bem-estar para ruminantes.

Desenvolvimento

Apesar dessas afecções claramente se mostrarem tópico essencial quando se fala de qualidade de vida de bovinos, ainda é escasso o número de estudos para desenvolvimento de novos tratamentos ou aprimoramento de tratamentos pré-existentes. Para correta profilaxia no Brasil, então, é necessário conhecer a anatomia e fisiologia dos cascos de animais criados nas condições do país.
Segundo Raven (apud PLAUTZ, 2013), “O casco bovino é constituído por uma cápsula, formada de tecido epidérmico queratinizado e dividido de acordo com sua função, localização e constituição. Tais partes são a muralha, o talão, a sola, bulbo do talão, linha branca e pinça” .

Fonte: Aula de Morfologia externa de vacas leiteiras da Universidade Federal do Pampa

Em relação à prevalência das patologias no país, a literatura considera 7 a 10% de animais acometidos por doenças de cascos um valor aceitável, com autores indicando que esse número muitas vezes é superado pelas características de criação do país, variando em diferentes regiões. Em geral, apesar da porcentagem desses distúrbios variar em até 55% em algumas regiões, a prevalência desses acometimentos também varia conforme o autor principal das pesquisas. Segundo os estudos Molina (apud PLAUTZ, 2013), as enfermidades mais encontradas foram erosão de talão (48,5%), seguido por dermatite interdigital (13,48%), pododermatite séptica (9,55%) e úlcera de sola (4,87%).  Já, segundo Cruz et al. (apud PLAUTZ, 2013), cita em primeiro lugar a dermatite digital (29,9%), seguido pelo segundo e terceiro lugar com úlcera de sola (18,3%) e dermatite interdigital (17,8%); o autor também cita corte de sola, abscesso e hiperplasia interdigital como achados com percentuais não tão altos. Por último, Souza (apud PLAUTZ, 2013) em seu estudo cita erosão de talão sendo o achado mais prevalente (59,8%), seguido por dermatite digital (30,3%) e casco em tesoura (24,1%); apesar dos autores encontrarem percentuais diferentes em acometimentos em membros torácicos e pélvicos, é consenso entre os tês de que lesões em membros pélvicos são as mais frequentes, e em membros pélvicos as lesões ocorrem em maior quantidade nas unhas laterais e nos membros torácicos nas unhas mediais.

Diversos fatores têm sido relatados como fatores de risco para desenvolvimento de afecções dos cascos, muitos autores se referem como sendo de causa multifatorial (SILVA, 2001). Entre esses fatores podemos citar os fatores genéticos, ambientais, nutricionais e individuais. Sobre o fator genético pode-se dizer que o desenvolvimento dos cascos não acompanhou o melhoramento genético das demais características desses animais, acentuando os problemas nos mesmos. De acordo Nicoletti et al. (apud PLAUTZ, 2013), o manejo inadequado, higiene mal feita, acúmulo de fezes e urina, umidade, tipo de piso, clima, podem ser citados como fatores ambientais no estímulo dessas doenças visto que comprometem a barreira física do casco, favorecendo o estabelecimento dos agentes envolvidos nas patologias.  Em confinamentos e sistemas semi-intensivos, os animais têm maior tendência a possuírem pododermatite circunscrita, doença da linha branca e erosão de talão devido ao piso duro. Em contrapartida, os animais que permanecem a pasto possuem maior tendência a desenvolver dermatite interdigital e flegmão interdigital, devido ao contato intenso com a umidade das fezes e da urina. Existe umidade em pastos de várias regiões, mas nos confinamentos essa tendência é maior. O crescimento excessivo das unhas pode ser causado pelos pisos de concreto que são duros e ásperos, levando a uma má distribuição de peso sobre os dedos e pode causar alguma das doenças supracitadas.

Distúrbios nutricionais causam uma diminuição do aporte de nutrientes ao casco, seja por alteração circulatória ou alimentar, provocando uma diminuição da qualidade do estojo córneo, favorecendo o aparecimento de doenças (TÚLIO, 2006). Dentre as afecções mais comuns ligadas a nutrição, a laminite entra como a mais comum, causada pela acidose ruminal, distúrbio da fermentação ruminal causado pela ingestão de altas quantidades de concentrados e quantidade inadequada de fibras. Idade e estágio de lactação também podem ser exemplos de causas individuais para problemas de casco. Quanto mais velho o animal, maiores são as chances de desenvolver problemas de casco. Vacas e novilhas em estágios iniciais de lactação, são suscetíveis por estarem em um momento de maior aporte energético e também balanço energético negativo (NICOLETTI, 2003 apud PLAUTZ, 2013).

Dessa forma, temos como ferramenta de profilaxia desses distúrbios a “apara funcional”, mais conhecida como “casqueamento funcional”, que visa restabelecer a forma e proporções corretas aos dígitos, levando a correta distribuição do peso e equilíbrio aos membros do animal. Tal prática se torna indispensável pelo fato de reduzir lesões podais que consequentemente levam à claudicação, sendo recomendado ao animal passar pela técnica ao menos uma vez ao ano como tratamento corretivo; como já citado, cada distúrbio irá prevalecer dependendo da região e do sistema implantado em cada propriedade, porém a técnica de apara funcional deve ser aplicada com maior intensidade em animais confinados, uma vez que sua nutrição proporciona maior crescimento dos cascos.

Apara funcional sendo feita pela primeira vez na fazenda Santa Cruz – Queluz. Fonte: Arquivo pessoal

Conclusão

Para Raven, Acuna e Tol (apud VIÉGAS et al., 2021), a correta manutenção dos cascos e consequente bem-estar dos bovinos, a técnica de apara deve ser feita rotineiramente em fazendas, com os principais objetivos de reconhecimento precoce de lesões comuns a cada região, tratamento das lesões, regulação da distribuição de peso para todo o dígito e entre os dígitos em cada membro, e claro, a higiene e modelagem do talão e espaço interdigital, evitando acúmulo de matéria orgânica e agentes infecciosos no local . A correção dos cascos deve ser feita conforme a necessidade de cada propriedade, para assim, favorecer a distribuição correta de peso do animal para os membros. Além disso, a manutenção dos pisos também deve ser prioridade, pois como já citado, é um dos fatores ambientais que mais prejudica os cascos dos animais de confinamento, além de sempre estar observando a alimentação dos animais. Dessa forma, grande seriam as chances da queda do número de animais com problemas de casco, e consequentemente menor a perda econômica das propriedades.

Referência

PLAUTZ, G. R. Podologia Bovina. UFRGS, Porto Alegre. 2013.

VIÉGAS. J. et al. O papel da inovação no enfrentamento das incertezas da bovinocultura leiteira contemporânea. Canoas, 2021. p. 89-100.

 

Por:  Alice Andrade Nóbrega Ferreira, Mylena Santana Coelho – – LIBOVIS – Liga de Bovinos da UFRRJ
Sob a supervisão de Prof. Clayton B, Gitti – Coordenador da LIBOVIS