A cobra-de-vidro, na verdade, é um lagarto (Ophiodes striatus), apesar de ser facilmente confundida com as serpentes. É também conhecida popularmente como quebra-quebra, licranço, fura-mato ou lagarto-de-vidro.

Distribuição Geográfica

Essa espécie tem uma ampla distribuição geográfica, do sudeste da América do Sul até os Andes, estando presente na Bolívia, Uruguai, Paraguai, Argentina, e do sul ao nordeste do Brasil.

Características anatômicas

Após dias de chuva, quando o sol reaparece, esses lagartos costumam se expor nas estradas do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Esse comportamento está relacionado à termorregulação. Dezembro de 2021. Foto: Sávio Freire Bruno

Possuem escamas muito lisas e brilhantes, sendo uma das origens de seu nome, cobra-de-vidro. Entretanto, o nome também faz referência à capacidade de partir sua cauda em situações de perigo (autotomia), se mostrando “frágil” como vidro. Caracterizam-se por seu corpo cilíndrico e alongado, com ausência de membros anteriores e com membros posteriores presentes, porém vestigiais, que podem ser utilizados para sua locomoção em superfícies lisas. Têm dorso de cor creme, pardo ou castanho, possuindo listras longitudinais que variam entre tons mais claros e mais escuros. Além disso, seus flancos podem ser de coloração mais escura, com uma região ventral podendo ser vista com coloração castanha escura, clara ou verde.

Sua cauda é longa, chegando até uma vez e meia seu comprimento corporal, com capacidade de romper-se em um processo denominado autotomia, o qual é utilizado como forma de defesa. Ao deixar a porção mais distal da cauda, por uma ruptura que ocorre em momentos nos quais certos lagartos se veem ameaçados ou perseguidos, aumenta a possibilidade de que escapem, pelo fator surpresa e pelos movimentos involuntários da cauda desprendida, principalmente.

A cobra-de-vidro tem seu corpo cilíndrico e alongado, possuindo listras longitudinais que variam entre tons mais claros e mais escuros. Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, maio de 2017. Foto: Sávio Freire Bruno.

Os machos e as fêmeas não apresentam distinção aparente, entretanto, ocorre dimorfismo sexual, que consiste na diferença de tamanho corpóreo total: as fêmeas se apresentam maiores que os machos; por sua vez, os machos têm cauda e membros posteriores vestigiais maiores. Assim como todos os répteis, a cobra-de-vidro também faz ecdise, ou seja, a troca de pele.


Este exemplar da cobra-de-vidro (Ophiodes striatus) apresenta escamação na parte superior da cabeça, mostrando que está passando por um período de troca de pele, processo chamado de ecdise. Na região mencionada uma fração desta pele ainda não se desprendeu. Parque Nacional da Serra da Canastra, dezembro de 2021. Foto: Sávio Freire Bruno.

Hábitos e Dieta

Uma de suas características interessantes é ter hábitos fossoriais, o que consiste em passar boa parte do tempo no subsolo. A cobra-de-vidro é bastante encontrada na borda de matas e serapilheiras, habitando campos úmidos na vegetação profunda e até mesmo em touceira de gramíneas. Apresenta predileção por áreas campestres com grande densidade de gramíneas, habitando preferencialmente locais de fisionomia savânica e campestre, exclusivamente em zonas neotropicais. Dessa forma, é encontrada em alguns biomas brasileiros como Cerrado, Caatinga, Pampa e Mata Atlântica.

Tem hábitos diurnos, momento do dia em que irá caçar suas presas, que encontrar na vegetação gramínea e herbácea, devido ao seu hábito terrestre. Sua alimentação consiste principalmente em invertebrados, mas dentro disso possui um grande nicho alimentar, sendo chamada de generalista e oportunista. Alimenta-se majoritariamente de artrópodes, os quais são constituídos por indivíduos das ordens Orthoptera, Isoptera, Blattodea e principalmente Araneae. Estudos relataram ainda situações raras, em que ocorreu canibalismo entre esses indivíduos.

Reprodução

Sua reprodução ocorre de forma sazonal, ou seja, somente em determinadas estações do ano. Tanto as fêmeas quanto os machos se tornam maduros sexualmente com cerca de 9 meses de idade. Sua reprodução é caracterizada como vivípara, na qual o desenvolvimento embrionário ocorre dentro do corpo da fêmea. No final da gestação o número médio da ninhada que nascerá é de 11 filhotes, sendo variável de acordo com disponibilidade de alimento, tamanho da fêmea e condições ambientais.

Ameaças e Conservação

A cobra-de-vidro não é uma espécie considerada em risco de extinção, sua categoria é de “Menos Preocupante”, entretanto não quer dizer que não sofra com ações antrópicas. Suas principais ameaças e impactos são dados pela agricultura e pecuária, pelas práticas de agricultura de corte e queima, extração de madeira e pastagem de gado. Isso gera uma grande perda de habitat para esses indivíduos, além de impor grande pressão sobre ecossistemas abertos, removendo micro-habitats e abrigos, aumentando a exposição do solo, reduzindo disponibilidade de alimentos e fragmentando o habitat, dificultando, assim, suas chances de sobrevivência e reprodução.

A destruição ambiental é no Brasil a maior ameaça à conservação dos répteis, mesmo para espécies como a Ophiodes striatus, que ocupam ambientes abertos, em vez de florestas. De acordo com estudos, certas espécies de répteis, como a cobra-de-vidro, se mostram mais sensíveis a mudanças ambientais que outras, devido a sua mobilidade, comparativamente, inferior. Logo, são necessárias medidas de conservação, que incluem o melhor conhecimento sobre a biologia e ecologia desta espécie.

Curiosidades

Algumas curiosidades sobre a cobra-de-vidro: os machos apresentam caudas maiores que as fêmeas, devido à acomodação de seu hemipênis e seus músculos retratores. Ademais, machos possuem os membros posteriores vestigiais relativamente maiores, o que pode ser uma característica relacionada a estímulos sexuais ou uso em combate contra outros machos.
Apesar de ser um animal superinteressante, de uma beleza rara e ter uma ampla distribuição geográfica, habitando diversos países, o Ophiodes striatus é pouco estudado, possuindo muitas lacunas em sua ecologia e biologia a serem completadas.

Referências

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Sávio Freire Bruno: Professor Titular do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense; Professor Colaborador do Curso de Ciências Biológicas e do Curso de Ciência Ambiental (UFF).
Tarik Taddeo O. Teperino: acadêmico do Curso de Ciências Biológicas, Universidade Federal Fluminense.
Revisão de texto: Clarice Villac.