Não é novidade que a carne sempre foi um dos alimentos prediletos da humanidade. Do tempo das cavernas até os dias de hoje, o consumo dessa proteína faz parte da dieta diária de praticamente 90% da população mundial. Mas, além de alimento, cada carne tem uma história em particular. E uma delas é destacada pelo pesquisador do Instituto de Zootecnia (IZ-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Mauro Sartori Bueno, como uma ancestralidade, e que já tem a versão à moda brasileira.
“Desde os primórdios, o ser humano, em alguns períodos do ano, dedica-se à reflexão, gratidão e orações, sempre acompanhadas de uma refeição familiar especial, em que o protagonista é a carne de cordeiro”, conta Bueno, lembrando que o hábito de comer carne de cordeiro remete à ancestralidade dos povos semitas, nômades criadores de ovelhas e cabras, no Oriente Médio, além de ser, historicamente, consumida em datas comemorativas, como Páscoa, Natal e a Festa do Sacrifício (festival que antecipa a peregrinação à Meca).
Além disso, a expressão “Cordeiro de Deus” é muito conhecida nas três principais religiões do mundo – a Cristã, a Judaica e a Islamita –, que se utilizam desse animal para simbolizar a purificação de seus males para com Deus. “Independentemente da crença, o cordeiro carrega consigo todo o momento histórico, representando os sofrimentos e as vitórias dos antepassados e que apontam para um futuro melhor e vitorioso”, diz Bueno.
Os ovinos – ovelhas, carneiros, borregos e cordeiros – não sobrevivem sem os cuidados e proteção de seus pastores, que os apascentam e os protegem dos predadores. Assim, a carne de cordeiro é uma das heranças abundantes dos povos da antiguidade, e esses animais são simbologia de mansidão e resignação, sendo uma metáfora referenciada pelo Salmo 23 (O Senhor é meu Pastor, e nada me faltará).
Outro fato histórico citado por Bueno é a chegada dos imigrantes ao Brasil, principalmente, os originários do Mediterrâneo Europeu (portugueses, espanhóis e italianos) e do Oriente Médio (sírios e libaneses), que trouxeram a tradição do consumo da carne de cordeiro.
E, também, nas caravelas do desbravador Pedro Álvarez Cabral, já tinham animais da espécie ovina, provavelmente para servir de alimento aos marujos na sua longa jornada às Índias, o que foi narrado na famosa carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal.
Pesquisa
De acordo com o pesquisador, o produto já foi alvo de diversos estudos científicos, por parte do IZ, para atender a demanda da cadeia produtiva, por cortes com tamanho, peso e qualidade requeridos pelo consumidor final. Ao longo do tempo, vem se aprimorando nas pesquisas e no desenvolvimento de tecnologias de produção de carne de cordeiros de alta qualidade, para atender o pequeno e médio produtor rural paulista e, assim, colocar no mercado um produto que atinja as expectativas do consumidor.
“A carne do cordeiro é saborosa, macia e a diversidade de cortes propiciam interessantes experiências gastronômicas”, Observa Bueno. “O consumidor também procura por carnes mais saudáveis, com moderada quantidade gordura, com sabor e maciez, produzida dentro de padrões de bem-estar no sistema criatório.”
Nesse viés, as pesquisas realizadas no IZ buscam incentivar a produção ovina, com novas alternativas de técnicas criatórias que resultem na sustentabilidade do sistema produtivo e bem-estar animal, sem deixar de lado a lucratividade do negócio, de formas a assegurar a sobrevivência dos pequenos e médios produtores. “Além disso, as pesquisas já mostraram que a carne de cordeiro tem boa qualidade nutricional, pois sua gordura apresenta perfil dos ácidos graxos favoráveis à saúde humana”, ressalta Mauro.
Tecnologia
O IZ desenvolveu tecnologia para a produção de carne de cordeiro precoce, que garante as características procuradas pelo consumidor, com cortes menores, com sabor agradável, maciez e suculência, além de moderada quantidade de gordura. “O cordeiro é a denominação para animais jovens, antes da puberdade e o nome genérico da espécie é ovino. Carneiros são animais machos adultos usados para reprodução e ovelhas são as fêmeas que produzem os cordeiros”, explica.
O pesquisador informa que técnicas criatórias, pastagens, alimentação, raças e cruzamentos, assim como agregação de valor por meio da produção de carne de alta qualidade e derivados processados artesanalmente, são apropriadas para criação, terminação e abate dos animais, assim como para se obter cortes comerciais e processamento da carne para fabricação dos defumados e preparação de salame, hambúrguer, linguiça e kafta.
O trabalho com o desenvolvimento de tecnologia para abate de animais jovens, superprecoce, também já é estudada no IZ há cerca de 20 anos, por meio de pesquisas com o cruzamento de raças nacionais com reprodutores especializados para a produção de carne, originários de outros países, e a utilização da terminação dos cordeiros em confinamento com dietas ricas em energia e proteína, para atingir o peso de abate comercial de 35 kg.
Bueno informa que, atualmente a raça Dorper, de origem sul-africana, e outras específicas para corte (Ile de France, Sulffolk, Hampishire, Texel) são muito utilizadas para cruzamento com a raça deslanada nacional Santa Inês, para aumentar o ganho de peso e melhorar as características de carcaça. “Temos projetos em sistemas integrados de produção agropecuária, como os sistemas silvipastoris, com tecnologias que colaboram expressivamente com toda a cadeia produtiva de ovinos”, ressalta, acrescentando que as tecnologias geradas pelo IZ são transferidas aos produtores rurais, técnicos e estudantes por meio de cursos e palestras, além da publicação de artigos científicos em revistas especializadas em divulgação científica.
Mercado
Além do aporte tecnológico e acadêmico, as pesquisas realizadas pelo Instituto têm instruído vários produtores e técnicos, com a elaboração de diversos cortes para atender à demanda do mercado, agregando valor ao produto e beneficiando os pequenos e médios produtores envolvidos na cadeia produtiva.
Há vários cortes com preços diferenciados e qualidades gastronômicas como opção de consumo. De acordo com Bueno, a moderada quantidade de gordura, a suculência e a maciez colocaram a carne de cordeiro de volta às prateleiras de supermercados e açougues e a levaram aos restaurantes de alta gastronomia. Teve seu caminho de volta às churrascarias, para diversificar o consumo das carnes tradicionais de bovino, suíno e frango.
O zootecnista destaca que as novas opções foram introduzidas no mercado de carnes para deleite dos apreciadores de um bom produto e que os cortes mais tradicionais e de maior tamanho são a perna ou pernil, com peso médio entre 1,3 kg a 2 kg, encontrado inteiro ou fatiado. “A paleta inteira (braço do animal) é o segundo corte em tamanho, com peso entre 1,0 kg a 1,5 kg, possui ossos e é uma carne macia. Pode ser encontrada inteira ou em bifes. Já o carré, antes conhecida pelo nome de costeletas, é atualmente fracionado, o osso é limpo e fica com a aparência de um palito de pirulito. O lombo ou contrafilé ganhou novas apresentações como o lombo desossado ou com osso na forma de T-bone”, lista o especialista.
Ele explica ainda que o filé-mignon de cordeiro é uma porção muito pequena da carcaça do animal, e, por ser muito macio, tenro, saboroso, sem osso e de facílima preparação (grelhado, assado ou em churrasco), é muito valorizado e tem preço mais elevado que os demais cortes. “É uma raridade, uma preciosidade entre os cortes de carne de cordeiro”, diz Bueno. Para incrementar o sabor, a carne pode ser acompanhada de molho com azeite e ervas aromáticas, como hortelã e alecrim.
Ainda na flexibilidade de preparo, a paleta, membro anterior do cordeiro, é comercializada inteira ou fatiada e tem preço acessível. É caracterizada por ossos grandes e carne de preparo diverso, de cozida a assada. A paleta de cordeiro indicada àqueles que desejam ter uma experiência gourmet e um sabor único. “Esse corte é de uma flexibilidade enorme, permitindo acompanhamentos mais diversos, e está disponível a quem desejar degustar uma carne macia e saborosa, seja qual for o período do ano e o motivo”, avalia.
O pesquisador lembra que, em nossa tradição, o assado, o churrasco e os grelhados são os preparos mais utilizados para a carne de cordeiro. Segundo ele, a qualidade da carne, a ser observada no momento da aquisição, deve ter uma quantidade de gordura que não seja excessiva. Também se deve dar importância para a procedência. “Carnes que passaram por abatedouros e frigoríficos com certificação de origem via serviços de fiscalização, como Serviço de Inspeção Municipal (SIM), Serviço de Inspeção Estadual (SISP) e Serviço de Inspeção Federal (SIF), garantem o atendimento de alimentos seguro.
Os selos de inspeções sanitárias, estadual ou federal, estampados nas embalagens, são garantias de estar levando para casa uma carne de boa qualidade, produzidas de acordo com a legislação e protocolos sanitários e de bem-estar animal. “Evite carnes de origem desconhecida e de abate clandestino, pois, provavelmente, os protocolos sanitários e de bem-estar animal não foram atendidos”, recomenda.
Produção Nacional
No Brasil, atualmente, são cerca de 16 milhões de cabeças de ovinos, com maior rebanho nas regiões Sul e Nordeste, por apresentarem características edafoclimática mais propicias para a espécie. No Sul, há os ovinos lanados e produção mistas de lã e carne. Já no Nordeste, os ovinos são na maioria deslanados, de raças brasileiras com cruzamento de raças exóticas para a produção de carne.
Bueno destaca que, nos últimos tempos, o número de ovinos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste vem crescendo, e que, apesar do consumo de carne de ovinos ainda ser pequeno no Brasil, uma porção do mercado nacional é atendida por carnes importadas, especialmente do Uruguai.
“A produção de carne de cordeiro precoce atende a um nicho especial de consumo, ligado ‘boutiques de carne’ e restaurantes de alta gastronomia, em grandes centros urbanos, por se tratar de produto diferenciado e elevado valor agregado”, arremata o zootecnista.