Visando minimizar os desperdícios e aproveitar ao máximo os recursos em uso, o Instituto de Zootecnia (IZ/APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, tem desenvolvido pesquisas para o reuso da água do sistema de criação de suínos, com o objetivo de tornar esse passivo ambiental em ativo financeiro.

Os trabalhos de Produção de Proteína Animal Integrada (PPAI) – conduzidos pela equipe do programa “Suíno Pata Verde”, com o sistema Flotub JLTec-IZ, que oferece tecnologia inédita e inovadora à suinocultura paulista –, envolvem a recuperação da água no sistema de produção de suínos. Os resultados apresentaram diminuição do desperdício de nutrientes da ração, redução da ingestão de água pelos animais e recuperação da água pelo tratamento dos efluentes da suinocultura.

De acordo com projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2050, o Brasil atingirá cerca de 260 milhões de habitantes, o que pode acarretar disputas por alimentos, solos de melhor qualidade, clima, insumos agropecuários e, principalmente, água potável. “É necessário promover cada vez mais a gestão inteligente do esgoto, já que alguns números apontam para a escassez dos recursos hídricos”, explica a pesquisadora e coordenadora do Programa “Suíno Pata Verde”, Simone Raymundo de Oliveira.

Estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) prevê que, com a crescente demanda de água no Brasil, até 2030, a média atual de consumo por segundo, que é de cerca de 2,5 milhões de litros, tenha um aumento de 24%, superando a marca de 3 milhões de litros de água por segundo. “Diante disso, é fundamental que os sistemas de produção agropecuários revejam, imediatamente, seus manejos tecnológicos nos diferentes sistemas de produção animal relacionados à gestão do uso da água e dos resíduos produzidos”, alerta a pesquisadora.

Ela acrescenta ainda que, embora as reduções na disponibilidade de recursos hídricos já estejam ocorrendo, a sociedade passará a exigir produtos oriundos de sistemas ambientalmente corretos e as mudanças na escolha dos produtos pelos consumidores serão cada vez mais vinculadas ao consumo consciente. “Esse comportamento levará à valorização dos sistemas produtivos que contemplem o menor uso de água na produção de alimentos, aliados aos tratamentos adequados dos efluentes e resíduos gerados”, aponta Simone.

A coordenadora do programa alerta também que, no mundo, há uma tendência irreversível para que se revejam os conceitos e concepções do sistema de produção de suínos, uma vez que realidades diferentes exigem atitudes diferentes. “Estamos falando em água de reuso, energia comburente (biogás) e biofertilizante para tornar o passivo ambiental em ativo financeiro”, diz ela. “Juntos, vamos mudar o atual cenário produtivo, tornando a produção de proteína animal integrada em uma geradora de outros coprodutos, além da proteína animal.”

O sistema

Para desenvolver o sistema, o IZ realizou uma pesquisa com 80 suínos, entre machos castrados e fêmeas, com idade de 63 dias aos 150 dias, e peso vivo médio de 25 kg na fase inicial e 110 kg na fase final. Pelo resultado, 28,11% da Proteína Bruta (PB) e 41,32% do Extrato Etéreo (EE) consumidos foram excretados pelos animais nos dejetos. “Essa ineficiência alimentar desencadeia perdas consideráveis de água potável, além de desperdiçar alimento e recursos financeiros”, destaca a pesquisadora.

Aliados à técnica de manejo e melhoria da qualidade da dieta pela biodisponibilidade dos nutrientes, o sistema Flotub JLTEC-IZ recupera, no mínimo, 70% da água contida nos dejetos dos animais, que poderá ser reutilizada após sua desinfecção, na lavagem das instalações, por exemplo. De acordo com o engenheiro da JLTec, João Luciano da Silva, o funcionamento do sistema se dá em várias etapas. “A primeira consiste na retirada do material sólido do efluente, e a parte líquida vai para o biodigestor com permanência de no mínimo 30 dias”, descreve o especialista. Segundo Silva, nas etapas seguintes do processo, o material passa por digestão aeróbica, floculação e clarificação (retirada do lodo da fase líquida). “Por fim, a água de reuso que provém da clarificação do efluente, seguida de desinfecção e posterior avaliação microbiológica e físico-química, é armazenada para reuso”.

Para a coordenadora do projeto, as pesquisas necessitam sempre estar à frente para avançar no conhecimento para que haja a elucidação dos desafios e dos fatores que impactam negativamente o metabolismo animal (digestão, absorção e excreção). “Estamos preparados para os desafios dentro dessa linha de pesquisa inovadora e diferenciada que iniciamos”, destaca Simone, que conta com uma equipe formada por pesquisadores do IZ, além de profissionais de outras entidades do setor.

O estudo

Segundo a pesquisadora, para compreender o estudo foram adotados os cálculos da média global de consumo de água para a produção da carne suína da Water Footprint Network (WFN). O cálculo indica que, do total do volume utilizado para produzir uma tonelada de carne suína, são necessários cerca de cinco mil litros provenientes da precipitação (para a produção dos alimentos que compõem a ração). Cerca de 480 litros são dos corpos hídricos e para tratar os efluentes são gastos 600 litros de água.

Em 2019, para a produção nacional de suínos, foram fabricadas 260,9 milhões de toneladas de ração. Nesse período, o Brasil foi o terceiro maior produtor mundial de rações, sendo que as rações para suínos representaram 25% do total produzido. Segundo a Pesquisa Global de Rações 2020, com base nos números de 2019, tanto no mundo quanto no Brasil, o segundo maior volume de ração produzida foi a de suínos. “Há uma grande importância das pesquisas científicas sobre o aumento da eficiência alimentar em suínos, observando os dados da produção mundial de ração”, salienta Simone.

Em 2019, de acordo com o IBGE 2020, foram abatidos 46 milhões de cabeças de suínos no Brasil. “Se considerarmos alguns cenários, um suíno consome em média 185 kg de ração dos 63 aos 147 dias de vida e terá 28,74 kg de proteína bruta excretada nesse período”, calcula a pesquisadora. De acordo com os resultados de pesquisa do Programa “Suíno Pata Verde” em função somente do número de cabeças abatidas em 2019, no Brasil, houve a excreção de 375 mil toneladas de proteína bruta e, no Estado de São Paulo, aproximadamente 22 mil toneladas de proteína bruta. Simone afirma que, considerando o montante ingerido, o desperdício de alimentos para um suíno, dos 63 aos 147 dias de idade, gira em torno de 11,30 kg de farelo de soja e 38,54 kg de milho, valores estimados com base no teor de proteína bruta excretado.

Se considerados o número de cabeças abatidas no Brasil e no Estado de São Paulo em 2019, a ineficiência alimentar acarretou perdas de mais de 1,8 milhão de toneladas de milho e mais de 500 mil toneladas de farelo de soja. Somente em São Paulo, as perdas foram de aproximadamente 104 mil toneladas de milho e 31 mil toneladas de farelo de soja. Dados da Water Footprint Network (WFN) indicam que para produzir uma tonelada de soja (grão) e uma tonelada de milho (grão) são necessários (pela média de produção anual mundial) 2.201 metros cúbicos de água por tonelada de soja e 1.222 metros cúbicos por tonelada de milho.

Aliado a isso está a relação de água pelo consumo de ração pelos suínos, que na fase de crescimento e terminação é de três litros de água ingerida para cada quilograma de ração por animal. “Levando em conta os animais abatidos no Brasil em 2019, a ingestão de água superou a marca de 25,7 bilhões de metros cúbicos”, calcula. “Somente no Estado de São Paulo, foram 1,5 bilhão de metros cúbicos”, diz. Ela acrescenta que, utilizando os dados do IBGE de 2019, relativos ao abate de suínos do Brasil e do Estado de São Paulo, aliados a uma estimativa de melhoria da eficiência alimentar dos suínos em 15%, dos 63 aos 144 dias de idade, a redução do desperdício seria de 270 milhões de toneladas de milho e 79 mil toneladas de farelo de soja.

No Brasil, seguindo dados da WFN (pegada hídrica), para a redução anual do uso da água em relação à produção de soja, esses valores equivaleriam a mais de 570 milhões de metros cúbicos de água para a produção de cerca de 112 mil toneladas de soja em grão. Já para o Estado de São Paulo, a redução anual do desperdício corresponderia a 88,5 mil toneladas de milho e 42 mil toneladas de soja (grão) ou 36 mil toneladas de farelo de soja. “Isso resultaria na redução de 33 milhões de metros cúbicos de água para a sua produção”, destaca.

Segundo o IBGE de 2020, com base em 2018 e o número de cabeças abatidas em 2019, foram abatidos aproximadamente 2,7 milhões no Estado de São Paulo e mais de 46 milhões, no Brasil. Conforme explica Simone, com a melhoria da eficiência alimentar, numa granja em que se vende mil animais terminados, o ganho seria equivalente a 149 animais de retorno – menor custo de produção e aumento na margem de lucro. “Há grande impacto gerado na recuperação de águas com os tratamentos de efluentes quando se considera o número de matrizes alojadas e suínos abatidos”, ressalta.

De acordo com a pesquisadora, considerando a fase de crescimento e de terminação e o aumento da eficiência alimentar, aliada à recuperação de água, no Estado de São Paulo, a economia seria de 1,4 milhões de metros cúbicos de água. “Além disso, geraria coprodutos com alto potencial de comercialização, como os biofertilizantes resultantes do sistema de tratamento de efluentes”, acrescenta.

Utilizando os dados já obtidos com o Sistema Flotub JLtec-IZ e considerando os números do IBGE e da WFN, a produção de água de reuso, no Brasil, corresponde a 19,7 milhões de metros cúbicos. E, no Estado de São Paulo, torno de 1,150 milhão de metros cúbicos, pois foram abatidos mais de 46 milhões de cabeças e utilizados 28 milhões de litros de água. “Para o alojamento de cerca de cinco milhões de matrizes, a recuperação superaria 183 milhões de metros cúbicos de água na produção nacional e mais de 6 milhões de metros cúbicos de água de reuso na produção paulista”, detalha Simone.

Do produtor à indústria, a cadeia produtiva de carne suína busca continuamente a excelência produtiva com altos investimentos em genética, nutrição, manejo ambiental, qualificação de mão de obra, gestão da produção e bem-estar animal. Para Simone, com a continuidade das pesquisas, é possível responder, por exemplo, quais os fatores que impossibilitam a utilização eficiente dos nutrientes da dieta para a produção de carne suína; porque tanto desperdício de nutrientes, uma vez que houve um avanço no potencial genético dos suínos; como melhorar a eficiência alimentar e aumentar a metabolização dos nutrientes da dieta e, consequentemente, a redução do consumo de ração e água na produção de suínos.