Chelonoidis carbonaria em vida livre na Chapada dos Veadeiros, GO. Foto: Sávio Freire Bruno.

No Brasil existem duas espécies de jabutis pertencentes ao gênero Chelonoidis: Chelonoidis carbonaria (jabuti-piranga) e Chelonoidis denticulata (jabuti-tinga). Os jabutis da espécie Chelonoidis carbonaria são conhecidos popularmente no Brasil por jabuti-piranga, jabuti-vermelho e jabuti-de-patas-vermelhas. O nome “piranga” é originário do Tupi-Guarani e significa “vermelho”. Pertencem à ordem Testudines, que reúne além dos jabutis, animais como cágados e tartarugas marinhas, estes dois de hábitos aquáticos, enquanto que os jabutis são terrestres.

O jabuti-piranga está distribuído amplamente na América do Sul, ocorrendo além do Brasil, na Argentina, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Guiana e também na América Central, nas Antilhas e Ilha de Trinidad. No Brasil, ocorre nas regiões sudeste, centro-oeste, norte e nordeste, nos biomas Cerrado, Pantanal, Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica.

Em relação à lista de espécies ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a espécie está categorizada atualmente como pouco preocupante (LC), por ser considerada uma espécie de ampla distribuição. No entanto, está citada no Apêndice II da Convenção Sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (CITES), considerando o atual cenário dos biomas brasileiros, no qual as populações de vida-livre estão cada vez mais ameaçadas.

Jabutis são adaptados à locomoção terrestre e também à escavação. A carapaça destes animais é intensamente queratinizada, apresentando uma curvatura típica, de ampla convexidade em ambos os sexos e em todas as idades. A coloração desta carapaça é escura, revelando tons de preto, contendo anéis de crescimento bem demarcados em cada um dos escudos vertebrais e pleurais. Os escudos são poligonais, em relevo, de centro amarelo, com anéis de crescimento bem definidos. Como nos demais quelônios, a carapaça é uma estrutura óssea composta especialmente, por vértebras e costelas fusionadas e, como uma caixa óssea protetora, oferece resistência aos indivíduos e permitem que recolham sua cabeça e boa parte dos seus membros ao se sentirem ameaçados. A convexidade ampla da carapaça fornece uma vantagem adicional a esses animais na defesa contra predação, uma vez que a abertura bucal de seus predadores possui geralmente ângulo menor que o comprimento da carapaça dos jabutis. O plastrão, que está localizado na parte ventral do corpo do corpo dos jabutis em geral, é bem desenvolvido no jabuti-piranga, de coloração amarelada e marrom, com pigmentação negra nas regiões de suturas. A espécie exibe características físicas diferenciadas entre machos e fêmeas (dimorfismo sexual), sendo os machos maiores que as fêmeas, com aproximadamente 30,4cm e as fêmeas com aproximadamente 28,9 cm. Além do tamanho, os machos ainda apresentam um plastrão com concavidade característica, além da cauda maior e mais robusta.

A cabeça do jabuti-piranga é composta por escamas pré-frontais de pequeno tamanho, enquanto a frontal é única, o que favorece enormemente diferenciá-lo do seu parente próximo, o jabuti-tinga. Como os demais testudines, os jabutis não possuem dentes e em seu lugar exibem uma placa óssea que funciona de forma semelhante a uma lâmina. A pele é de tonalidade enegrecida, com manchas na região da cabeça e mandíbula, variando do amarelo ao vermelho.

Seus membros pélvicos exibem formato cilíndrico e os torácicos são robustos e levemente achatados no sentido ântero-posterior, possuindo grandes placas queratinizadas na sua face anterior. Essas características aliadas ao formato do casco permitem que o animal retraia a cabeça e os membros. A face anterior dos membros torácicos e a cauda são revestidas por escamas pequenas e avermelhadas, com coloração de maior intensidade nos adultos.

Na natureza, são encontrados em áreas abertas e de gramíneas, a exemplo do cerrado e da caatinga, mas também habitam áreas de florestas. Por vezes, em áreas de florestas densas e úmidas, o jabuti-piranga ocorre conjuntamente ao jabuti-tinga (ocorrência simpátrica). Apresentam hábitos diurnos e durante a temporada de chuvas, frequentemente se enterram nos locais lodosos.
Apresentam dieta predominantemente herbívora, com itens bastante variados, incluindo folhas, frutos, sementes e fungos, mas também alimentam-se de proteínas de origem animal ocasionalmente, como gastrópodes, minhocas, cupins e até animais em decomposição. Por consumirem considerável quantidade de espécies vegetais, são considerados importantes animais dispersores de sementes e o hábito de se alimentarem de restos orgânicos os colocam como animais de importância na ciclagem de nutrientes nos ecossistemas.

Ovopostura de fêmea de Chelonoidis carbonaria. Local: Niterói/RJ. Foto: Daphnne Chelles Marins

No ambiente natural, os jabutis atingem a maturidade sexual entre os cinco e sete anos de idade, onde é possível distinguir o sexo nessa espécie pelas características morfológicas citadas anteriormente. O plastrão dos machos começa a ficar côncavo, e desta forma, encaixa-se sobre o casco da fêmea no momento da cópula, além de apresentar a cauda mais proeminente em tamanho. Nas fêmeas o plastrão permanece plano e sua porção final fica em formato de semi-círculo, permitindo, desta forma, espaço anatômico para que realize a postura de seus ovos. A reprodução ocorre no período de agosto a janeiro e as fêmeas desovam no mínimo duas vezes por ano cerca de seis a dez ovos por postura. Os ovos são esféricos e de coloração branca, possuindo casca fina. Seu interior apresenta membrana amniótica envolvendo o lado dorsal do embrião, quando em desenvolvimento.
Jabotas, como são conhecidas as fêmeas dos jabutis, ao atingirem a maturidade sexual realizam ovipostura independentemente de terem copulado com algum macho da espécie, porém, esses ovos serão inférteis.

Os jabutis machos realizam um ritual de cortejo pré-nupcial caracterizado por movimentos de cabeça e farejamento da fêmea, especialmente na região da cauda, que antecedem a monta enquanto ele, frequentemente, emite vocalizações durante este ato, que caracteriza o acasalamento. Minutos antes da ovipostura, a fêmea procura um local protegido que possua períodos com sombreamento e também com incidência solar. Escolhido o local adequado, ela cava um ninho raso na terra, com cerca de 30 centímetros de profundidade. Depois posiciona seu corpo de forma que a cloaca fique sobre o ninho e começa a postura dos ovos, durando cerca de 30 minutos à uma hora. O tempo de eclosão dos ovos é bem variável, entre cinco a oito meses e o sexo dos filhotes será determinado pela temperatura da incubação do ninho.

No Brasil, a espécie está exposta a diferentes ameaças, sendo as principais a caça excessiva, as atividades agropecuárias por destruição de ambientes naturais, uso do fogo precedendo as atividades agropecuárias e resultando em perda do habitat natural da espécie. O tráfico ilegal de animais silvestres com fins de comercialização para servirem como animais de companhia também contribuiu ao longo da história para a rarefação das populações deste jabuti, já tão difícil de ser encontrado na natureza.
Sabe-se que no Brasil, carne e ovos de jabutis e de outros quelônios estão entre os principais itens consumidos por indígenas na Região Amazônica. Pesquisas realizadas nesta região revelam que a captura com a finalidade de comercialização para consumo por populações das áreas urbanas e rurais culminou na caça excessiva e apontam o jabuti-piranga como uma das espécies que mais sofreu impacto em suas populações naturais diante do consumo exacerbado. Também é um hábito comum a coleta desses animais na natureza para a venda de seus cascos como lembranças aos turistas.

Sua resistência moderada a consideráveis períodos sem alimento ou água, faz com que estes animais sejam facilmente conduzidos por longas distâncias por traficantes.
Embora a inclusão da espécie no Apêndice II da CITES seja uma forma de restringir o comércio internacional, a medida não é suficiente para oferecer proteção em países onde o tráfico ilegal dos jabutis ainda ocorre em grande número.

A principal medida de conservação aos jabutis atualmente são a criação e a proteção de unidades de conservação, locais onde esses animais estão protegidos contra a caça e a perda de habitat pelo desmatamento, além da conscientização da população de que os jabutis são animais silvestres da fauna brasileira e que criá-los ou caçá-los, sem autorização do IBAMA, é configurado como crime ambiental com pena de detenção e multa.

Pessoas que possuam a espécie em domicílio sem a devida autorização, podem realizar uma entrega voluntária aos órgãos ambientais de suas respectivas cidades, desta forma, estarão isentas de punição perante a Lei. Ao serem encaminhados aos centros de reabilitação, estes animais poderão ser reabilitados e destinados, com a grande possibilidade de serem devolvidos à natureza da qual jamais deveriam ter sido retirados.

Bibliografia consultada:

CUBAS, Z. S.; SILVA, J. C. R.; CATÃO-DIAS, J. L. Tratado de Animais Selvagens: Medicina Veterinária. 2ª ed. São Paulo: Roca, 2014.

MMA. ICMBIO. Répteis – Chelonoidis carbonaria – Jabuti-piranga. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/estado-de-conservacao/7399-repteis-chelonoidis-carbonaria-jabuti-piranga. Acesso em: ago de 2020.
Oliveira M. N., da Costa E. N., Vasconcelos, V. S., de Matos, R. P., Moraes L. G. L., Correia M. J. , Lopes-Filho, I.I., da Silva M. I. A., da Silva, T. L. Consumo de quelônios no perímetro urbano de Cruzeiro do Sul, Acre, Brasil. Gaia Scientia (2019), Volume 13(4): 99-108.