A leptospirose é uma zoonose que possui distribuição cosmopolita e potencial infeccioso para diversos mamíferos. Nesse sentido, quando é abordada geralmente o seu foco se volta para animais de companhia que atuam fazendo a manutenção do agente no ambiente por conta da liberação de leptospiras em suas excretas e por apresentar manifestações clínicas renais e hepáticas de acordo com o sorovar envolvido. Contudo, em animais de produção, a patogenia é diferente: as leptospiras apresentam predileção pelo sistema reprodutor impactando diretamente na produção, principalmente, a de suínos. São observados nas fêmeas abortamentos no terço final da gestação; aumento no número de natimortos; nascimento de poucos leitões fracos e inviáveis (Figura 1); mumificações fetais (Figura 2); descarte precoce das marrãs por infertilidade; mastites focais com diminuição da produção de leite e consequente queda do ganho de peso dos leitões lactantes; repetições de cio; anestro e condenação de carcaças em frigorífico.

Figura 1: Diferenças no tamanho e desenvolvimento entre leitões ao nascimento. Fonte: 3tres3

Figura 2: Leitões mumificados. Fonte: 3tres3; UAB

Dentro da suinocultura, a ocorrência da doença pode estar relacionada a falhas sanitárias e de vacinação dos animais e não observação de sinais clínicos suspeitos. Sabe-se que na produção de suínos, a pressão microbiológica é muito alta e a ausência de manejo sanitário vai impactar diretamente na ocorrência dos casos, visto que, a transmissão da doença se dá pelo contato com o agente que geralmente está presente em águas e ração contaminada com excretas e secreções do trato reprodutivo de animais infectados. Em granjas menos tecnificadas, é possível observar a existência de ambientes onde os suínos estão em contato direto com outras espécies de mamíferos, como estábulos mistos que tenham a presença de gatos, cachorros e rações expostas que favorece o aparecimento de roedores que são portadores naturais de diversos sorovares infecciosos da leptospira, fazendo com que haja a presença do agente no ambiente. Importante também é a entrada de animais de reposição sem a quarentena adequada e condições de solo ruins que permitem a formação de poças de urina e umidade também são fatores para a introdução da doença na granja.

A doença é caracterizada por dois períodos clínicos, sendo o primeiro denominado leptospiremia e o segundo leptospirúria. Na leptospiremia, ocorre a proliferação do agente na corrente sanguíneo-linfática e, consequentemente, atinge os órgãos parenquimatosos como rins, fígado e baço. Em suínos, esse processo pode ocorrer por período de tempo variável sem ou com poucos sinais clínicos observados no animal. Em animais jovens como leitões da creche ou engorda, podem ser observados quadros de anemia, icterícia, febre e septicemia enquanto em suínos mais velhos como marrãs em gestação, a tendência é ter um processo subclínico cronificado como nefrite. Enquanto na leptospirúria, ocorre a persistência da leptospirose em locais onde a atividade de anticorpos é mínima como nos túbulos renais, olhos e nos órgãos reprodutores. Nessa fase da doença, o animal começa a eliminar a bactéria pelos fluidos corporais obtidos nos tecidos em que o agente está alojado, como urina, descargas uterinas e sêmen por até 12 meses de maneira intermitente. Tornando importante o conhecimento do curso da patogênese no suíno e possibilitando o entendimento dos aspectos epidemiológicos e seu impacto tanto no âmbito econômico quanto no da saúde pública, visto que, a baixa manifestação de sinais clínicos acaba retardando a identificação da doença dentro da granja e como consequência, impede a quebra do ciclo de contaminação animal-homem ou animal-animal.

Diante disso, observa-se que a prevenção e o controle da leptospirose na suinocultura estão vinculados diretamente ao manejo sanitário e à vacinação, com o objetivo de reduzir as perdas na produção. Logo, programas de desinfecção na granja, realização de vazio sanitário, manutenção dos níveis de umidade com drenagem das áreas alagadiças, utilização de bebedouro automático, dedetização intensa e o fornecimento de água potável e livre de agentes aos animais, são ferramentas que colaboram para a diminuição da entrada de agentes infecciosos, impactando diretamente na pressão microbiológica que é alta na suinocultura. No que diz respeito à vacinação, sua eficácia já foi constatada ao atuar na redução das taxas de abortamento e de mortalidade fetal que são frequentes na leptospirose suína. Logo, o esquema de vacinação preconizado baseia-se na aplicação de duas doses nas marrãs ou primíparas, sendo a primeira aos 28 e, a segunda, 14 dias da cobertura, respectivamente. Para matrizes acima de um parto, a vacinação deve ocorrer durante a lactação, aproximadamente 14 dias antes da cobertura ou na primeira semana de lactação. Para os machos, a vacinação deve ser semestral após a aplicação das duas doses iniciais da vacina.

Referências

Figueiredo, Í. L et al (2013). Leptospirose suína: uma importante causa de falhas e perdas reprodutivas. Revista brasileira de reprodução animal, 37(4), 344-353.

GONÇALVES, L. M. F & COSTA, F. A. L. (2011). Leptospirose em suínos no Brasil. Revista de Patologia Tropical, 40 (1), 1-14.

LEPTOSPIROSE: Guia de Doenças. [S. l.], 2022. Disponível em: <https://www.3tres3.com.br/enfermedades/leptospirose_60.> Acesso em: 15 jun. 2023.

OLIVEIRA, S. J & LIMA, P. C. R. (1996). Leptospirose em suínos: etiologia, diagnóstico e controle (revisão). Pesquisa Agropecuária Gaúcha, 2(1), 119-128.

Soto, F.R.M et al. LEPTOSPIROSE SUÍNA (2007). Arquivos do Instituto Biológico, 74 (4).

Linda Inês Fernandes Machado e Thaina Aparecida Pereira Moura Cerqueira são discentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ, Texto elaborado sob a supervisão de Clayton B. Gitti – Professor da UFRRJ