Introdução

O lobo-marinho sul-americano é um mamífero aquático de hábitos diurnos. Pertence à Ordem Carnivora, Subordem Pinnipedia, que além de incluir os lobos-marinhos, inclui os leões-marinhos, focas, elefantes-marinhos e morsas. Os Pinípedes (Pinnipedia) apesar de passarem a maior parte do tempo na água, também desfrutam de momentos em terra, bem como no gelo, para reprodução, troca de pelagem e descanso.

Um de seus traços marcantes é a presença de algo que funciona como se fossem “bigodes sensoriais”, e que na verdade são prolongamentos queratinosos em seus focinhos, denominados vibrissas, que são usados para função tátil, olfativa, quando estão em meio terrestre, além de serem preciosos para o reconhecimento entre mãe e filhote.

O  lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis) é um representante  da Família Otariidae, que possui pequenas orelhas. Na família Otariidae também está o leão-marinho (Otaria flavescens). Os lobos-marinhos, no entanto, apresentam o focinho longo, menor porte e uma pelagem mais macia do que este seu parente próximo. Para se locomover em terra, apoia os seus quatro membros sobre o solo, rotacionando os membros posteriores para a frente. Isso diferencia os otarídeos (Otariidae) como o lobo-marinho-sul-americano, das focas e demais membros da família (Phocidae) e das morsas (Odobenidae).

O lobo-marinho-sul-americano, assim como as demais espécies de seu gênero (Arctocephalus), possui duas camadas de pelos, sendo a camada próxima da pele  mais densa e composta por pelos finos e curtos, e a camada externa com pelos em duas cores, sendo grossos e menos densos. Esta qualidade anatômica permite melhor adaptação às variações de temperatura tanto em terra, quanto no oceano.

A espécie possui dimorfismo sexual, sendo estas distinções relacionadas às cores dos pelos e porte dos machos e fêmeas. Quanto à pelagem, os filhotes nascem na tonalidade preta e aos poucos seus pelos clareiam. Nos machos adultos variam de marrom escuro ao preto e, a partir da puberdade, os pelos se alongam em seu pescoço e áreas adjacentes, com seus tons variando entre cinza claro e amarelo. No entanto, nas fêmeas e juvenis a coloração varia entre cinza escuro ao marrom escuro, com o pescoço, focinho e peito em tons mais claros de marrom.

Com respeito ao porte dos animais, os machos adultos pesam em média 200 kg, com até 1,9 metros de altura; enquanto que a massa corporal das fêmeas chega a apenas 50 kg com até 1,4m de altura. Já os filhotes possuem seu peso entre 3,5 kg e 5,5 kg, podendo medir entre 60 cm e 65 cm.

 

Detalhe da cabeça de Lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis), mostrando suas pequenas orelhas e longas vibrissas. Foto Sávio Freire Bruno, Maricá (RJ), 2013.

Adaptações morfológicas e hábitos alimentares

Sua dieta consiste principalmente de peixes, cefalópodes e lagostas.

Possui nadadeiras compridas e delgadas, com a presença de membranas interdigitais unindo seus dedos. Desta forma, auxiliam seus longos mergulhos na apneia, que duram cerca de 5 minutos, podendo chegar a 170 m de profundidade para capturar suas presas.

Nos períodos de lactação, as fêmeas se tornam menos seletivas com relação às presas, possivelmente pelo aumento de seu gasto energético.

Distribuição Geográfica

Ele se distribui no continente latino-americano em suas regiões costeiras e certas ilhas presentes no Oceano Pacífico e Atlântico, tendo colônias reprodutivas em ambas as costas oceânicas, nas quais têm sido observadas diferenças morfológicas e genéticas. Tais constatações sugerem a existência de populações distintas desses lobos-marinhos: Arctocephalus australis australis e Arctocephalus australis gracilis.

Embora viva em águas que banham este continente, o lobo-marinho-sul-americano não forma colônias reprodutivas no Brasil. As colônias mais próximas se encontram no Uruguai. Devido a esta proximidade, é frequente a presença de indivíduos solitários na costa brasileira, considerando, também, a expressiva oferta de recursos alimentares nesta região.

Comportamento Reprodutivo

Para sua reprodução, que ocorre entre os meses de outubro a janeiro, o lobo-marinho-sul-americano estrutura um harém,  que pode ser composto por até 13 fêmeas, buscando estabelecer seus territórios em áreas próximas à orla que possuam sombra e poças d’água intermitentes.

A gestação é, em sua maioria, de apenas um filhote, tendo duração de 11 meses. Ainda no período gestacional é possível supor o sexo do filhote, levando em conta a expressiva diferença de tamanho entre machos e fêmeas.

Após o nascimento, a amamentação é realizada em terra e não diretamente no oceano. Os laços entre mães e filhotes são fortalecidos com interações entre os focinhos de ambos e também por vocalizações.

Estes laços podem se desfazer de forma precoce caso ocorram intervenções externas, que somam não só fenômenos naturais, mas também enfermidades e ações antrópicas. Portanto, tal ruptura pode acarretar em filhotes perdidos, sem o amparo materno.

É sabido que o aparecimento de A. australis no Brasil é, em geral, de indivíduos em fase juvenil, podendo ser advindos de perdas precoces de laço materno, como citado, ou de movimentações migratórias em busca de recursos alimentares, após o período de amamentação.

Posteriormente ao parto, a fêmea já demonstra receptividade sexual e pode acasalar-se logo quando inicia a amamentação de seu filhote, pois ocorre um veloz amadurecimento dos folículos, culminando em uma nova ovulação e estabelecimento do corpo lúteo. Neste período a fêmea torna-se, portanto, apta a uma nova gestação.

Região dorsal de Lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis), sendo possível observar suas robustas nadadeiras. Foto: Sávio Freire Bruno, Maricá (RJ), 2013.

Ameaças

Dentre os principais predadores naturais destacam-se o tubarão-branco (Carcharodon carcharias), o tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier), o tubarão-mako (Isurus oxyrinchus) e  a orca (Orcinus orca) que fazem parte da cadeia trófica ecossistêmica.

Quanto às ações antrópicas, podemos considerar o aumento de atividade humana em áreas costeiras próximas aos locais de proteção; a atividade portuária com seu trânsito de embarcações (poluição sonora); as modificações, poluição e destruição do habitat costeiro e marinho podem constituir um problema, ocasionando a perda de habitat. Apesar de não ser considerada uma ameaça, a prática de remoção indevida de espécimes no litoral brasileiro em momentos de descanso, é sim uma das adversidades enfrentadas pelos animais devido à aproximação de pessoas nas áreas litorâneas.

A exploração de recursos do petróleo (óleo e gás), também ameaça seriamente a conservação do A. australis, em razão da interação que pode ocorrer entre o elemento derramado e os indivíduos, ou por efeito da inalação da fração volátil que ao entrar em contato com a corrente sanguínea pode acometer diversos órgãos e sistemas.

A pesca industrial está associada tanto à captura acidental de indivíduos da espécie, quanto à sobrepesca, que simboliza uma preocupante ameaça para o lobo-marinho-sul-americano, pois resulta na falta de recursos alimentares para os indivíduos da espécie, além de efeitos sobre o ecossistema.

Outros fatores que podem interferir na disponibilidade de alimento são os fenômenos El Niño e La Niña, por estarem associados a alterações nas correntes marinhas. Estudos realizados em colônias reprodutivas no Uruguai apontam que a deficiência de alimento é a principal causa mortis do lobo-marinho-sul-americano até os seis meses de idade.

A caça deste pinípede é descrita a partir de 1515 no Uruguai, com a proibição vindo a ocorrer apenas em 1992, devido a grandes quedas populacionais da espécie. Vale ressaltar que no Brasil, o abate da espécie é ilegal.

Lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis) descansando na praia de Itaipuaçu, Maricá (RJ). Foto: Sávio Freire Bruno, 2013.

Conservação

Segundo a IUCN (International Union for Conservation of Nature), o lobo-marinho-sul-americano se enquadra na categoria “Baixa Preocupação”; enquanto para o  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que trata da lista oficial no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, o Arctocephalus australis se encontra na categoria “Não aplicável”, ou seja, se enquadra na categoria de um táxon considerado inelegível para ser avaliado em nível regional.

Segundo a IUCN (International Union for Conservation of Nature), o lobo-marinho-sul-americano se enquadra na categoria “Pouco Preocupante” (Least Concern).

O Plano de Ação Nacional Para Conservação dos Mamíferos Aquáticos (2011), proposto pelo ICMBio, inclui  medidas para enumerar e atenuar as condutas antrópicas que vão de encontro à conservação da espécie. Dentre estas medidas, destacam-se estudos com marcação individual ao longo do litoral brasileiro para análise de colônias e deslocamentos na costa, além de outras pesquisas sobre biologia e comportamento da espécie, relacionadas a exemplos, para determinar as causas de mortalidades e as consequências das mudanças climáticas para a espécie.

Lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis) em postura lateral, Itaipuaçu, Maricá (RJ). Foto: Sávio Freire Bruno 2013.

Obras Consultadas

. AMORIM, D. B. Estudo de causa mortis de Arctocephalus Australis (ZIMMERMANN, 1783) (lobo-marinho-sul-americano) no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil. 2014. 28f. Dissertação (Mestrado em Biologia Animal) – Instituto de Biociências. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2014. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/131941/000978778.pdf?sequence=1> Acesso em: 01 de maio de 2021.

. CÁRDENAS, Alayza; S., Oliveira, L. & Crespo, E. 2016. Arctocephalus australis. The IUCN Red List of Threatened Species 2016. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2016-1.RLTS.T2055A45223529> Acesso em: 01 de maio de 2021.

. LOBO Marinho do Sul. Pinípedes do Sul. Disponível em: <https://www.pinipedesdosul.com.br/index.php?p=nossas_especies_lista&id=MjY=> Acesso em: 02 de junho de 2021.

. OCEANA, Lobo-marinho-sul- americano – Arctocephalus australis. Disponível em: <https://brasil.oceana.org/pt-br/marine-life/mamiferos/lobo-marinho-sul-americano> Acesso em: 01 de maio de 2021.

. REISFELD, L. C. Alterações anatomopatológicas em lobos-marinhos (Otariidae) encontrados na costa do Brasil. 2016. 113f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/10/10133/tde-28042016-104713/publico/LAURA_CHRISPIM_REISFELD_Original.pdf> Acesso em: 02 de junho de 2021.

. ROCHA-CAMPOS, Cláudia. C., I. B. Moreno, J. M. Rocha et al. Plano de Ação Nacional Para Conservação dos Mamíferos Aquáticos: Grandes Cetáceos e Pinípedes.: versão III. ICMBIO. Brasília, 2011. Disponível em: <https://www.icmbio.gov.br/cma/images/stories/pans_grandes_cetaceos_e_pinipedes/GradesCetaceospinipedes_PAN.pdf> Acesso em: 01 de maio de 2021.

.  SILVEIRA, Filipe. F., Mateus Z. Lobo-marinho-do-sul (Arctophoca australis). Fauna Digital do Rio Grande do Sul. 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/faunadigitalrs/mamiferos/ordem-carnivora/familia-otariidae/lobo-marinho-do-sul-arctophoca-australis/> Acesso em: 1 de maio de 2021.

 

Por:
Sávio Freire Bruno, Professor Titular do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense
Luana Lopes Souto Maior, Graduanda em Ciência Ambiental, Universidade Federal Fluminense
Aline Braga Moreno, MSc, Bióloga, Médica Veterinária e Mestre em Ciências Veterinárias, UFRRJ

Foto de capa:
Lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis) apoiado sobre suas nadadeiras torácicas, sendo possível notar a coloração em tom mais claro de sua pelagem ventral. Foto: Sávio Freire Bruno, Maricá (RJ), 2013.