A lontra-neotropical (Lontra longicaudis) desce o rio São Francisco com sua cria. Parque Nacional da Serra da Canastra, 2008. Foto: Sávio Freire Bruno.

A lontra-neotropical é um mamífero semiaquático da ordem Carnivora e da família Mustelidae. Seu nome científico é Lontra longicaudis e, popularmente é chamada de lontra ou mesmo, lobinho-de-rio. Em outros países, é também conhecida como long-tailed otter, south american river otter, nutria verdadera, lobito e lobito de río. Além da lontra, outros mustelídeos também vivem em território brasileiro, como a ameaçada ariranha também habitante das águas continentais, e outros, como a irara (Eira barbara), considerada semiarborícola e o furão terrestre.

Como características principais da espécie, a Lontra longicaudis possui uma pelagem densa e curta de coloração geral marrom-pardacenta, levemente mais clara na região ventral, especialmente na garganta. Sobre dimorfismos, sabe-se que possui dimorfismo entre os sexos, sendo o macho 20 a 25% maior que a fêmea. Devido a um processo de adaptação e evolução para o ambiente aquático, desenvolveu algumas características, tais como o corpo alongado e em formato hidrodinâmico, uma cabeça relativamente pequena, pernas curtas, pelagem densa e impermeável, cauda longa achatada (aproximadamente mais de um terço do seu comprimento total) e uma membrana interdigital para facilitar o deslocamento dentro da água. Geralmente mede de 55 a 120 cm de comprimento, pesando até 35 kg. Apresenta uma dentição forte e afiada, o que a ajuda a agarrar e cortar o alimento. Os mustelídeos em geral são animais de pequeno ou médio porte, patas curtas e cauda alongada.

Distribuição Geográfica

Sua distribuição é ampla, sendo encontrada desde o México até o norte da Argentina, passando por todos os países das Américas do Sul e Central, com exceção do Chile. Sobre os biomas que habita, pode ocorrer em ambientes aquáticos continentais e marinhos a até 3.000 m de altitude e, no Brasil, pode habitar os biomas Amazônico, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Campos Sulinos.

Com sua dentição forte e afiada, a lontra-neotropical consome um peixe. Canal de Itaipuaçu, Maricá, RJ, 2020. Foto: Sávio Freire Bruno

Dieta

Devido ao hábito semiaquático, sua dieta é composta preferencialmente por peixes (principalmente do grupo dos Ciclídeos, como Crenicichla punctata e Gymnogeophagus labiatus) e crustáceos, podendo incluir outros grupos de vertebrados e invertebrados, como anfíbios, moluscos e pequenos mamíferos, sendo que a lontra usa de sua dentição forte e afiada para agarrar e cortar o alimento.

Sabe-se que a lontra é um predador oportunista, uma vez que seleciona animais mais fáceis de serem capturados, como os mais velhos e doentes.

Geralmente, a captura da presa ocorre dentro do ambiente aquático e a alimentação no ambiente terrestre.

Hábitos

As lontras possuem hábitos tanto noturnos quanto diurnos. Vivem em rios, manguezais, córregos, lagos, igapós, estuários e enseadas marinhas, tendo como possível preferência águas claras com presença de corredeiras.

Além disso, podem viver em áreas de florestas úmidas e decíduas, com boas condições de vegetação ribeirinha e com abundância de locais potenciais para tocas e áreas de descanso.

As lontras são animais territorialistas e geralmente são visualizadas solitárias ou em grupos de dois ou três indivíduos, que normalmente são a fêmea e seus filhotes.

Reprodução

A maturidade sexual é atingida aproximadamente aos dois anos de idade. O período reprodutivo se inicia principalmente na primavera, mas também em outras estações em algumas localidades. A gestação dura de 56 a 86 dias, nascendo de um a cinco filhotes, que ficam sob os cuidados da mãe durante o primeiro ano de vida. Esse cuidado inicial maternal é muito importante para a sobrevivência da espécie, pois os filhotes ao nascerem não possuem visão, podendo enxergar e realizar suas atividades somente a partir de 74 dias de vida. Vale lembrar que a cópula e o parto ocorrem ambos no ambiente terrestre.

Sozinha, a lontra sobe o rio São Francisco vasculhando cada pedra e cada canto desse rio. Parque Nacional da Serra da Canastra, 2008. Foto: Sávio Freire Bruno.

Conservação – Ameaças

A Lontra longicaudis encontra-se classificada pela lista oficial de espécies ameaçadas de extinção no Brasil e pela International Union for Conservation of Nature (IUCN) como Quase Ameaçadas (NT).

Dentre os predadores naturais das lontras-neotropicais, destacam-se as onças-pintadas, as sucuris, os cachorros domésticos e algumas aves de rapina. Entretanto, sua principal ameaça é a ação antrópica, pois são comuns a perseguição e morte de indivíduos como forma de minimizar os constantes conflitos com piscicultores e proprietários de pesque-pague.

Além disso, a poluição da água, fragmentação de habitat, bioacumulação de mercúrio e outros metais pesados na cadeia alimentar da espécie, redução dos estoques pesqueiros, e construção de usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), são ameaças potenciais da atualidade.

É fundamental a preservação desta espécie. Como medidas de conservação, é possível citar a manutenção das áreas onde o animal habita, o estabelecimento de novas áreas protegidas, a educação ambiental para a população e o planejamento de meios que reduzam os conflitos das lontras-neotropicais com piscicultores. Assim, será possível reverter esse quadro de QUASE ameaçada para NÃO ameaçada, proporcionando um futuro mais otimista para esta espécie e para o ecossistema.

Obras consultadas

BERTONATTI C and PARERA A (1994) Lobito de rio. Revista Vida Silvestre, nuestro Libro Rojo. Fundación Vida Silvestre Argentina, Ficha n°34.
CHEHEBAR, C. 1990. Action plan for Latin American otters. Pp. 64-73, in Otters: an action plan for their conservation (P. Foster-Turley, S. Macdonald, and C. Mason, eds.). Proceedings of the International Union for the Conservation of Nature, Otter Specialist Group Meeting, Gland, Switzerland, 126 pp.
CHEIDA, C.C.; NAKANO-OLIVEIRA, E.; FUSCO-COSTA, R.; ROCHA-MENDES, F.; QUADROS, J. 2006. Ordem Carnivora. In: N.R. REIS; A.L. PERACCHI; W.A. PEDRO; I.P. LIMA (eds.). Mamíferos do Brasil. Londrina, Editora da Universidade Estadual de Londrina, p. 231-275.
COSTA, M.T e COSTA, A.P.T. Levantamento bibliográfico sobre lontras (Lontra longicaudis) com ênfase às populações do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista da Biologia, 2016.
FOSTER-TURLEY, P.; MACDONALD, S. & MASON, C. F. 1990. Otters: an Action Plan for their Conservation. IUCN/SSC Otter Specialist Group. 126 p.
IUCN. 2015. The IUCN Red List of Threatened Species. Version 2015.2.
LARIVIÈRE, S. 1999. Lontra longicaudis. Mammal. Spec., 609: 1-5.
OLIVEIRA, R. de. Biologia e Genética de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) (Mammalia, Mustelidae): Uma revisão e ensaio a respeito do uso de marcadores moleculares. Universidade de São Carlos – Centro de Ciências e Saúde, 2014.
PARERA, A. 1996. Las “nutrias verdaderas” de la Argentina. Boletin Tecnico de la Fundacion Vida Silvestre Argentina, 21:1-38.
RODRIGUES, L. de A. Avaliação do risco de extinção da Lontra neotropical – Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no Brasil. Avaliação do Estado de Conservação dos Carnívoros, Instituto Chico Mendes de Conservação, 2011.

 

. Sávio Freire Bruno: Professor Titular do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense; Professor Colaborador do Curso de Ciências Biológicas e do Curso de Ciência Ambiental (UFF).
. Felipe de Abreu Appolinário: Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal Fluminense.

Revisão de texto: Clarice Villac