Histórico

Segundo os registros históricos, a primeira intervenção humana no processo reprodutivo natural animal, aconteceu no ano de 1332, pelos árabes, que empiricamente coletaram sêmen de um garanhão da vagina de uma égua (chumaço de algodão) e depositaram no trato vaginal de uma outra égua em cio, obtendo a fecundação da mesma e a geração de um potro semelhante ao pai (WEBB,1992).

Essa tentativa empírica e experimental com objetivo de melhoramento animal de equinos, cavalos utilizados na guerra tribal arábica, artesanal e sem fundamentação cientifica, foi o marco inicial para o desenvolvimento de uma nova ciência animal, a zootecnia. Decorridos quase sete séculos (1332 -2022) dessa fantástica descoberta que mudou para sempre o processo de reprodução animal, monta natural, e graças ao desenvolvimento tecnológico e científico, principalmente o descobrimento do microscópio óptico (Leeuwenkoek, 1675) e trabalhos incansáveis de pesquisadores, naturalistas, biólogos e veterinários sobre o assunto, a nova ciência caminhou e progrediu através dos séculos com os seguintes avanços científicos e tecnológicos:

Anton Van Leeuwenkoek (1675) – naturalista holandês que primeiramente observou o espermatozoide em um microscópio óptico, dando o nome de “animálculos” aos pequenos seres vivos, tornando visível o mundo dos seres invisíveis até então.

Lazzaro Spallanzani (1779) – sacerdote italiano, biólogo da Universidade de Pávia (IT), inseminou uma cadela e obteve com seu experimento três filhotes.

1890 – Veterinários da Universidade de Lyon, liderados por Repique, analisaram o espermatozoide equino e fizeram uma inseminação em éguas com total êxito.

1897 – Na Universidade de Cambridge (UK), o cientista Walter Heape & Col. relatou investigações e inseminação artificial em coelhos, cães, macacos e cavalos.

1899 – O professor russo Ylia Ivanovich Ivanov foi o líder pioneiro na prática da inseminação artificial, aplicando em bovinos, equinos, cães, coelhos e aves.

1914 – O professor fisiologista Giuseppe Amantea desenvolveu a primeira vagina artificial para coleta de sêmen canino.

1922 – O professor Ivanov realiza a inseminação em bovinos com sêmen refrigerado, dando início à tecnologia de conservação do sêmen. Graças a esse processo que permitia a utilização viável do sêmen por mais tempo e condução à lugares mais distantes, na Rússia, em 1928, foram inseminadas 1.200 mil vacas e 15 milhões de ovelhas em todo o território (COSTA,1990; ASBIA, 2010).

1936 – O médico veterinário dinamarquês Dr. Eduard Sorensen, discípulo de Ivanov, funda na Dinamarca a primeira cooperativa de inseminação artificial e estabelece o método de fixação retovaginal da cérvice do útero, permitindo que o sêmen fosse depositado profundamente no interior do órgão reprodutivo. Para isso, utilizavam canudos (hastes de aveia), mais tarde substituídas por palhetas de celofane.

1938 – A inseminação artificial chega ao Brasil, em caráter demonstrativo, na Estação Experimental de Pindamonhangaba (SP), no Posto de Inseminação Artificial do Vale do Paraíba, primeiro da América do Sul, através dos médicos veterinários Drs. Leovegildo Jordão e José G. Vieira, pioneiros dessa moderna biociência de reprodução animal no país (MIES FILHO, 1987).     

Foto: Microscópio artesanal rústico de Anaton Van Leeuwenhoek (1683)

Observações históricas notáveis 

A primeira reprodução artificial humana assistida foi realizada no ano de 1799 pelo médico inglês John Hunter, que baseado nos conhecimentos da medicina veterinária na reprodução animal bovina, de então, conseguiu a fecundação intra-uterina de uma mulher com sêmen de um doador (marido).

Em 1958, John Rock e Mirian Menkin, médico e fisiologista americanos, foram responsáveis pela primeira fertilização extracorporal de um óvulo humano, a fertilização “in vitro”.

Em 1978 nasce o primeiro bebê de proveta, Louise Brown, resultante da fertilização “in vitro”, em trabalhos realizados pelos cientistas médicos Patrick Steptoe e Robert Edwards (AVELAR, op.cit,p18).

No Brasil e América Latina, o primeiro bebê de proveta nasceu em 1984, Ana Paula Caldeira, em Curitiba (PR), graças aos trabalhos do médico ginecologista Milton Nakamura e sua equipe.

2 – atuais métodos de reprodução animal assistida

Com o domínio científico e tecnológico da inseminação artificial (IA) na França, EUA, Rússia e Dinamarca, essa última considerada a meca da IA, e o conhecimento de toda a cadeia produtiva laboratorial dos gametas masculino e feminino, outros métodos e técnicas de reprodução animal assistida se sucederam no mundo da biotecnia, melhoradas e aperfeiçoadas, assim descritas:

2.1 – inseminação artificial em tempo fixo (IATF)

Fundamentalmente, o que difere a IATF da inseminação artificial tradicional (IA) é um protocolo terapêutico veterinário (hormônios) a que são submetidos as fêmeas em condições férteis para fisiologicamente atuar no aparelho reprodutor feminino, ovário e útero, principalmente a fim de possibilitar condições para a fecundação.

Assim, são utilizados a progesterona em implantes auricular, ou intravaginal, junto com o Benzoato de Estradiol (BE) os quais têm a função de estimular a onda folicular dos óvulos e a sincronização. No protocolo da IA e tabela de inseminação, esse dia de implantação é referenciado como (DO). Segue-se a aplicação da prostaglandina sintética, o hormônio folículo estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH) com as funções de regenerar o corpo lúteo e estimular o amadurecimento do óvulo e ovulação. Após esse preparo hormonal, se tudo correr bem, a IATF pode ocorrer entre o 11º ou 12º dia da preparação animal.

Cada vez aperfeiçoando-se mais, um novo equipamento para a IATF foi lançado na França em 2020, pela empresa francesa AXCE. Trata-se do Eye Breed, equipamento que dispensa a palpação retal e torna mais fácil, segura e eficiente o processo de inseminação. Semelhante a um vaginoscópio, porém maior e mais comprido, o aparelho possui uma câmara na sua extremidade distal que, unido ao smartphone do inseminador, permite uma visão do colo do útero e a passagem do cateter com o sêmen pelo interior do cérvix do colo uterino, a inseminação intrauterina dirigida.

Foto: Compre Rural – Inseminação artificial (Eye breed)

Mais utilizada na pecuária de corte e leite e também em equinos, em regimes intensivo e extensivo de criação, a IATF, bem orientada e manejada nas fazendas com instrumentos modernos e equipes experientes, trás as seguintes vantagens e benefícios de manejo aos produtores e criadores:

– Dispensa o emprego do rufião para a sinalização das fêmeas em cio.

– Dispensa, nos casos de grandes animais domésticos e selvagens, a palpação retal.

– Possibilita melhoria genética do plantel de animais com maior rapidez.

– Maior aproveitamento do potencial reprodutivo de machos e fêmeas de um plantel.

– Melhoramento zootécnico animal com cruzamentos entre raças diferentes.

– Permite a utilização dos gametas masculino e feminino por longos tempos, entre outras vantagens de reprodução e preservação animal.

2.2 – Fertilização in vitro (FIV)

Uma biotecnologia que começou por volta do ano de 1879 com a observação da fecundação de um oócito de estrela do mar, equinoderma, e a formação posterior de uma primeira célula do futuro embrião (MELLO.R, UFRRJ, 2016). Foi o primeiro acontecimento histórico dessa nova ciência chamada embriologia. Pesquisas e experimentos de aperfeiçoamentos em fertilização artificial realizadas em animais mamíferos, desde aquela época aos dias atuais, no mundo, como: década de 1950 o médico veterinário australiano Wesley Witten, diretor do Centro de Pesquisa de Reprodução Animal John Curtis, da Universidade Nacional da Austrália, desenvolveu um meio de cultura que permitiu melhor desenvolvimento embrionário e coleta do embrião; em 1959, o biólogo chinês naturalizado americano, Min Chueh Changn, na Universidade de Cambridge (USA), anunciou o nascimento de filhotes de coelhos negros gerados de óvulos de uma coelha negra por uma receptora branca; em 1968, David Gordon Wittinghan & Col., da Universidade de Londres, obteve sucessos trabalhando com ovelhas, ratos e camundongos.

Foto: Cenatte Embriões – Fertilização in vitro (FIV)

No que concerne a animais domésticos de produção, somente na década de 1970 surgiram os primeiros relatos científicos sobre sucessos de nascimento de filhotes após fertilização “in vitro”. Em 1971, Crosby e sua equipe produziram filhotes saudáveis de ovelhas. Nesse mesmo ano, Leman e Dziuk obtiveram sucessos trabalhando com porcos, êxitos também comprovados em 1974 por Motik e Fulka. O primeiro relato da produção de um bezerro utilizando a FIV, ocorreu em 1970, e foi realizado por Sreenan e sua equipe. (GALUPPO,G.A.Biológico.sp.gov.br)

2.3 – Transferência de embrião em tempo fixo (TETF)

Biotecnologia que difere da (IATF) por inserir o embrião direto no útero feminino. Mais cara e sofisticada científica e tecnologicamente, necessita de um protocolo técnico com uma plataforma medicamentosa de preparação das doadora e receptora (barriga de aluguel) para o implante embrionário e desenvolvimento da gestação. Normalmente, a (TETF) se processa em etapas distintas, assim definidas:

– Escolha de doadoras e receptoras conforme objetivos da (TEFF ).

– Aplicação do protocolo medicamentoso para sincronização do cio e superovulação.

– Coleta dos oócitos e fecundação em laboratório para obter o embrião.

– Implantação do embrião selecionado no útero da receptora.

Obs. Protocolo desenvolvido principalmente em bovinos de corte e leite.

2.4 – Clonagem

Constitui o maior avanço biotecnológico da reprodução animal assistida no mundo até agora. Experimento com sucesso realizado pelo biólogo britânico John Gurdon, na Universidade de Oxford, prêmio Nobel de Fisiologia, 2012, na clonagem de um sapo usando núcleos intactos de células somáticas do intestino e um óvulo desnucleado de uma fêmea do girino Xenopus, em 1958, provou que é possível a reprodução animal assexuada, sem a concorrência dos gametas masculino e feminino. Esse fato inédito e assombroso para a humanidade, também foi anunciado pelos cientistas Robert Briggs e Thomas J.King, em 1952, que após muitas tentativas obtiveram clones de anfíbios utilizando-se da mesma técnica.

No planeta, o primeiro clone mamífero surgiu em 1996 no Instituto Roslin da Universidade de Edimburgo/Escócia, resultado das pesquisas realizadas pelos biólogos Keith Campbell e Ian Wilmut. Tratou-se da ovelha Dolly, resultado da transferência do material nuclear de uma célula somática do úbere de uma ovelha branca da raça Finn Dorset, de seis anos de idade, para um óvulo sem núcleo de uma ovelha escocesa da raça Black Face, muito comum na Escócia. Dolly nasceu após 148 dias de gestação, gerada por uma barriga de aluguel após 277 fusões nucleares e desenvolvimento de 29 embriões que se implantaram em 13 ovelhas, tendo êxito de desenvolvimentos embrionário e fetal apenas um (info@edinatours.com).

O Brasil foi o primeiro país emergente da América do Sul a dominar a tecnologia da clonagem. O nascimento da bezerra Vitória, em 17 de março de 2001, veio coroar o trabalho de pesquisadores da EMBRAPA, chefiados pelo médico veterinário Rodolfo Rumpf, e da universidade de Brasília. Vitória, da raça Simental, teve dois filhotes e dois netos, todos monitorados e acompanhados pelos médicos veterinários, das instituições citadas, que comprovaram a sanidade da progênie clonada.

2.4.1 – Vantagens da clonagem

Sendo uma biotecnologia inovadora ultramoderna, que dessacralizou a forma natural de reprodução animal, a clonagem tem as seguintes aplicabilidades:

– Formação de um banco genético de células ou embriões para a conservação das diferentes espécies.

– Obtenção de células tronco a fim de restaurar a função fisiológica de órgão ou tecido.

– Melhoramento animal com reprodução de cópias fieis de animais de alta performance zootécnica de produção de carne e leite.

– Associada a técnica de transgenia, produzir nos animais transgênicos substâncias terapêuticas que auxiliam no tratamento de doenças humanas.

– Salvamento de espécies de animais selvagens em vias de extinção.

2.4.2 – Desvantagens da clonagem

– Biotécnica de elevado custo operacional e baixa eficiência.

– Perda da variabilidade genômica numa população animal.

– Não utilizada na produção animal em grande escala.

– Alta taxa de mortalidade embrionária, fetal e pós-natal.

Dr. Edino Camoleze. méd vet mil. MS Tecnologia de Alimentos. Acadêmico Titular da ABRAMVET. Zoogeografia da América do Sul. Email: edino0644@gmail.com
Foto de capa: Revista Socientifica (Biólogo Ian Wimut e a ovelha Dolly)