Javali (Sus scrofa). Foto: Deposit Photos

Introdução

Exótico à fauna sul-americana e brasileira, o javali europeu (Sus scrofa – Linnaeus, 1758) considerado espécie invasora, adentrou o território brasileiro provavelmente através da fronteira com a Argentina, visto que esse animal foi introduzido pela primeira vez no Continente e naquele país, no início do século XX (1904), a pedido do rei espanhol Afonso VIII, para fins de caça esportiva. (Daciuk,1978; Gipson et al 1998).

Tendo sua criação para o esporte negligenciada pelo governo argentino, além do desinteresse pela caça esportiva pelos portenhos, esporte inovador e pouco praticado na época, o javali importado fugiu do controle do governo federal migrando para os campos abertos (pampas) da República Platina. Livre na natureza, o javali, encontrando condições ambientais favoráveis, semelhante a europeia, de onde veio, proliferou e se reproduziu aleatoriamente cruzando com o porco doméstico dando origem a híbridos asselvajados, o javaporco.

Participação Dep. Fed. Eduardo Bolsonaro. Caça ao Javali – Município de São Francisco de Assis – RS, 2021

Os primeiros javalis em território brasileiro foram notificados no ano de 1990 nas fazendas do município de Herval (Rio Grande do Sul), a 380 km ao sul de Porto Alegre. Em 1993, os javalis em grande número, no mesmo município e vizinhanças, mataram cerca de 200 ovinos e destruíram 30% das lavouras de milho e sorgo causando grande prejuízo econômico aos fazendeiros e cabanheiros da região (Silva, 2007). Em 2002, os prejuízos alçaram a cifra de 4.3 milhões de reais e atingiram a 1.850 propriedades rurais municipais. Em 2005, foram registrados 2.000 javalis em todo o Estado do Rio Grande do Sul (Gerchman, 2005). 

As primeiras criações oficiais do javali para fins industriais, comerciais e zootécnicos no Brasil datam de 1990, sendo autorizados pelo governo federal, os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Nesse período, foram importados reprodutores e matrizes certificadas da Europa e processaram-se cruzamentos dirigidos com o porco doméstico para melhoramento animal, dando origem ao javaporco, porcoli ou porco feral (Paiva, 1996).

Atualmente, dos 5.570 municípios brasileiros, 30% apresentam a presença do javali na forma selvagem, sendo os estados com maior população os das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Para regularizar e controlar a população do javali em todo o território nacional, o Governo Federal, através dos Ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, elaborou em 2016, e aprovou e publicou em 2017, o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali, especialmente para conter a expansão territorial e demográfica do animal e reduzir seus impactos negativos de interesse ambiental, econômico e social (Portaria Interministerial nº 232, 2017).

Javali (Sus scrofa). Foto: IBAMA/Divulgação

Características zootécnicas do javali

Alienígeno a fauna brasileira, o javali, híbridos e asselvajados se apresentam e são identificados na natureza ou cativeiro pelas seguintes características zootécnicas e raciais:

Classificação científica

– Reino – Animalia; Filo Chordata; Classe Mamalia; Ordem Artiodactyla; Familia Suidae; Gênero Sus

– Espécie – Sus scrofa

– Nome científico – Sus scrofa; Nome vulgar – javali europeu

– Tamanho – macho 1.3 m a 2.0 m; fêmeas menores

– Peso – 80 a 100kg

– Altura – machos na cernelha 1.0 m; nos posteriores 0.90 m; fêmeas menores

– Coloração – pelagem preta amarronzada com cerdas compridas na cabeça e pescoço

– Cabeça – Pesada, musculosa e com chanfro comprido. Focinho grande e musculoso em forma de disco. Boca apresentando, nos machos, os caninos grandes, curvos e voltados para fora

– Maturidade sexual – machos  5 a 7 meses; fêmeas 10 meses

– Leiteigada – 5 a 6 bácoros, marrons com listra horizontais pelo corpo

– Tempo de Gestação – Em torno de 110 a 115 dias

– Varas – de 20 a 50 javalinas, lideradas por fêmea alfa; machos 2 a 3 indivíduos

– Hábito alimentar – Onívoro: 80% vegetal e 20% outros alimentos cárnicos

Definição de espécies

– Javali – (Sus scrofa) Porco exótico importada da Europa, 80 a 100kg. 4 a 5 filhotes por gestação

– Javaporco – (Sus s. scrofa) Porco resultante do acasalamento do javali e do porco doméstico. Gestação 4 a 12 meses. Peso 100 a 200kg

– Asselvajados – (Sus scrofa) Porco criado solto e com cruzamento aleatório. Peso 100kg; prole 6 a 9 filhote

Foto: N. M. Dalbosco. Lavoura de milho destruída pelo Javali. Laguna Carapã – MS.

Prejuízos sociais, econômicos e ambientais

Presente no território brasileiro desde a década de 1990 (Rio Grande do Sul), portanto, há mais de 32 anos, esse animal alienígeno a nossa fauna, tem causado perturbações incomensuráveis aos segmentos sociais, econômicos e ambientais, assim registrados:

a) Sociais

Considerado uma das cem piores pragas biológicas da humanidade, presente em todo o mundo, menos na Antártida (IUCN, 2000), no Brasil já atinge 20 dos 27 estados da federação, com mais intensidade populacional nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Relatos, denúncias e registros informam que esse animal exótico e invasor já se tornou uma praga incontrolável, como na Argentina e Paraguai, de onde é egresso (Daciuk,1978). Socialmente, além dos prejuízos que causam aos sitiantes e pequenos fazendeiros dos municípios do interior do Sul, Sudeste e Sudoeste do Brasil que cultivam grãos, frutas, tubérculos e raízes, empobrecendo suas colheitas e economias rurais (agricultura familiar), epidemiologicamente, o javali e asselvajados podem transmitir doenças a vírus, bacterianas e parasitárias a humanos e aos animais domésticos, colocando em risco a sanidade das populações e rebanhos e o aparecimento de doenças reemergentes, já antes erradicadas.

No aspecto sanitário animal, chama atenção das autoridades sanitárias as pestes suína africana e clássica, Aujeszky e a febre aftosa, que podem ser transmitidas ao gado bovino e aos suínos domésticos, nas granjas e estábulos. Nas zoonoses, a febre maculosa, Lyme, raiva, tuberculose, gripe suína e triquinelose são as mais preocupantes.

b) Socioeconômicos

Desde que penetrou em território brasileiro, o javali e asselvajados encontraram condições favoráveis para sua sobrevivência, reprodução e disseminação territorial. Sem predadores naturais para predar e controlar os números nas varas, com uma velocidade reprodutivas alta (oito escudeiros/anualmente), as manadas formadas por até cem indivíduos, lideradas por fêmeas-alfa, invadem as pequenas e médias propriedades rurais destruindo as lavouras e matando os animais domésticos, assim relatados:

– Em 1993, no município de Herval (RS), a 360 km de Porto Alegre, no Sul do Estado, os asselvajados mataram cerca de 200 cordeiros e destruíram 30% das lavouras de milho e sorgo. Nove anos depois, 2002, os prejuízos alcançaram 4.3 milhões de reais e atingiu 1.850 propriedades rurais. (Silva, 2007). 

– Em Mato Grosso do Sul, município de Prudêncio Thomás, Fazenda Boa Esperança, de propriedade dos irmãos Luiz e Davi Vincensi que cultivam milho e criam suínos, o temor é que esses animais selvagens possam transmitir doenças a 9.000 cabeças de suínos Landrace, Large White e Camborough, mantidos em piquetes para melhoramento animal e cruzamento industrial. Essa ameaça zoonótica pode colocar em risco todo um trabalho genético que ali se faz há mais de 20 anos. (Albuquerque,V. Brangus)     

– Em Dourados (MS), a invasão aconteceu na Fazenda Abro Bonser, do agricultor José Boniatti, que cultiva o milho híbrido. A destruição alcançou 12 ha dos 450 ha cultivados, causando um prejuízo de 16.8 mil reais.

– No Triângulo Mineiro (MG), agricultores e fazendeiros dos municípios de Ituiutaba, Canápolis e Capinópolis denunciaram ao IBAMA e ao Sindicato Rural a invasão do javali e asselvajados em suas lavouras de milho e sorgo. Na fazenda Lajeado, que fica em Ituiutaba, o agricultor Carlos Domingues desistiu de plantar o cereal pela destruição de sua plantação. Disse: “Eu desisti de plantar porque vi que só tinha prejuízo e viver no prejuízo não tem condições”. Em Canápolis, o lavrador Tailson Carvalho da Fonseca, disse que os javalis apareceram há quatro anos (2016) e sempre que voltam surgem em número cada vez maior destruindo tudo. Disse: “Vai chegar a um ponto que não teremos mais como plantar e cultivar a terra”. Em Capinópolis, o agricultor Eride Fonseca, proprietário da fazenda Paiol, relata que os javalis comeram e destruíram 25% da plantação de milho, que contabiliza 1.200 sacas. Relata: “Eles estragaram mais de 120 ha da minha lavoura, seja comendo ou pisoteando “.  

c) Ambientais

Animal onívoro e de hábitos noturno, vivem em varas lideradas por fêmeas-alfa (mais de 5 anos de idade). As varas são constituídas de 50 a 100 animais com atividade maior durante o período noturno. Durante o dia, recolhem-se na mata, reservas florestais, para se protegerem e descansar. Os machos (barrões) vivem em grupo de 2 a 3 animais, isolados da manada, juntando-se a ela somente na época do acasalamento.

Vorazes, agressivos e nômades podem percorrer até 70km/dia na procura de alimentos. Na busca incessante e insaciável por comida, alimentam-se de produtos de origem animal e vegetal que encontram em sua andança errática. Sendo considerado um engenheiro de ecossistemas (BOUGHTON & BOUGHTON, 2014) pela capacidade de modulação, desagregação e modificação ambiental e seus recursos naturais, é considerado um grande agente modificador da natureza, podendo interferir na dinâmica populacional de diversas espécies vegetal e animal. (CUDDINGTON & HASTINGS, 2004)

O javali foi declarado, pela Instrução Normativa IBAMA nº 3, de 31 de janeiro de 2013, nocivo às espécies silvestres nativas, ao meio ambiente, à agricultura, à pecuária e à saúde pública. Estes animais causam danos à flora e à fauna nativa, desequilibram processos ecológicos e atuam no desencadeamento de processos erosivos e de assoreamento de corpos d’água. Os principais impactos ambientais causados pelos javalis, registrados na América do Sul, são: predação de animais nativos, competição com animais selvagens, predação de sementes e vermes terrestres, alteração da comunidade vegetal, danos ao solo e aos corpos d’água, alteração na qualidade da água, distúrbios na vegetação e no solo. (PNPCMJ, IBAMA,2017).

Percepção do Javali e asselvajados no Brasil.MAPA, 2019 – Divulgação

Controle e monitoramento do javali e asselvajados

a) Na América do Sul

Convivendo com os mesmos problemas ecológicos, sociais, sanitários e econômicos gerados pelos javalis e asselvajados, os cinco países do Cone Sul: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile estão elaborando um Plano Conjunto Regional e Integrado com metas e ações para controlar e monitorar os javalis. Segundo o médico veterinário Dr. Guilherme Marques, Diretor de Defesa Agropecuária do MAPA, os entendimentos para a elaboração do Plano já começaram com reunião dos técnicos dos países envolvidos em Brasília, (outubro de 2018) e espera concluí-lo em breve para efetivamente colocá-lo em evidência. É a primeira vez que isso acontece, desde que o javali foi introduzido na América do Sul. Problemas diplomáticos tem dificultado sua elaboração.

b) No Brasil

Com um crescimento exponencial incontrolável, 500% desde 2007 (FAESC, 2017), o Brasil enfrenta um problema biológico sem precedentes na área rural. Esforços do governo federal através do Ministério da Agricultura, Meio Ambiente e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade têm sido realizados para conter o avanço da “praga” que velozmente avança por todo o território nacional. Da mesma forma, Estados e Municípios vêm elaborando Programas e Ações isoladas ou coletivas para deter e controlar os animais.

Efetivamente, apesar de existir o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (IBAMA/MAPA, 2017), a mais robusta iniciativa governamental e a autorização da caça esportiva do javali, único animal cuja caça é permitida legalmente, essas medidas anunciadas ainda não surtiram o efeito desejado, sendo, até o momento, insuficientes para impedir o crescimento e invasão do javali e asselvajados em todo o Brasil.

Dr. Edino Camoleze. Cel R/1 EB méd vet mil. MS Tecnologia de Alimentos. Acadêmico Titular da ABRAMVET
Fonte: Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali – IBAMA/MAPA, 2017