Bem-estar e saúde da filha mudaram rotina de produtor de Goiás e hoje ajuda a transformar vidas
Uma palestra sobre benefícios do leite A2, promovida pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), na Fazenda Tabaju, no interior paulista, ministrada pelo dr. Juliano Teles – gastrocirurgião e especialista em propriedades do leite, seus benefícios e restrições –, em meados de 2017, mudou o rumo das atividades no criatório de Eduardo Henrique M. Oliveira e o colocou na prateleira de cima quando o assunto é produção de leite A2A2 e seus derivados.
Até então produtor de gado de corte, trabalhando atualmente com mais de mil matrizes Nelore, sendo 400 registradas, PO e PC, além de ovinos das raças Dorper e Santa Inês e caprinos da raça Boer, Oliveira se viu diante de um problema familiar que acabou mudando os rumos das atividades na Fazenda Asa Branca, localizada na Cidade Ocidental, em Goiás. “Após a palestra, retornando para casa junto com minha esposa Olívia, lembramos que nossa filha, Maria Eduarda, tinha uma alergia que já havia lhe causado nove otites por ser alérgica a proteína do leite de vaca (APLV). À época, Maria Eduarda tinha apenas um ano e dois meses”, diz o pecuarista.
Como tinha uma parte da fazenda dedicada à pecuária leiteira, mas que andava meio “desativada”, o produtor tomou uma iniciativa que transformou não só a vida de sua filha, como, atualmente, tem proporcionado bem-estar a outras crianças e pessoas que sofrem de APLV. “Resolvi fazer o teste de DNA de cinco animais da raça Sindi da fazenda para identificar quais as que continham alelos A2A2 e, ao mesmo tempo em que testava, ia levando o leite para casa. Nunca mais tivemos problemas de alergia com ingestão de lactase”, comemora Oliveira, salientando que a filha Maria Eduarda, atualmente com cinco anos de idade, não sofre mais com os sintomas alérgicos.
A produção do leite A2 não chega a ter um processo especial de produção, não recebe, por exemplo, a adição de enzimas. É leite de vaca como outro qualquer, inclusive, com lactose, o que faz dele seguro para alérgicos, mas não para intolerantes. O diferencial é que os leites de mercado, em sua maioria, contêm tanto a proteína beta-caseína A1, responsável pela maior parte das alergias ao leite de vaca, quanto a A2. A diferença está no DNA dos bovinos: há raças que produzem apenas A1, outras, têm ambas e há aqueles que produzem exclusivamente A2, caso dos animais da raça Sindi.
Diante dos resultados obtidos, Oliveira e a esposa resolveram divulgar o leite nos grupos de APLVs que ela participava. “Além disso, também compartilhamos a informação com outras pessoas que enfrentam o mesmo problema, sempre recebendo depoimentos das famílias relatando os bons resultados”, informa o pecuarista.
Ele acrescenta ainda que, a segunda filha, Maria Carolina, também apresentou alergia ao leite comum, mas consumindo leite A2, deixou de ter reações. “Para nossa família, foi uma paz saber que as meninas estavam se desenvolvendo com um produto 100% saudável”, comenta o produtor. “Estamos contentes com os depoimentos de outras mães que também tiveram bons resultados com os nossos produtos”, comemora, acrescentando que, atualmente, todos na família consomem o leite A2 e seus derivados.
Evolução
Como os resultados positivos, a procura pelo leite A2 da Fazenda Asa Branca foi aumentando gradativamente, e, com isso, veio a ideia de expandir os negócios. “Com o aumento das vendas do leite, resolvemos investir na produção de queijos, doces e derivados”, explica Oliveira, informando ainda que, atualmente, ele trabalha com cerca de 230 animais da raça Sindi.”
Ele conta que, na fazenda, já existia uma infraestrutura que permitia explorar o leite, como galpões e curral, mas que estava basicamente sem uso. “Ao lado da primeira sede da fazenda, montamos a ordenha mecanizada e, na “antiga sede”, continuou a fábrica para processar os produtos”, relata. Para especialização, solicitou, através do Sindicato de Luziânia, em Goiás, um curso, pelo Senar, de boas práticas e manejo e produção de leite e seus derivados. “As associações e federações têm, com a ajuda do Senai e do Sebrae, pessoas capacitadas a ajudar, e sempre disponibilizaram cursos que agregam muito, e que foi onde tudo começou com um foco mais comercial”, ressalta o produtor.
Legalização
De acordo com Oliveira, uma das grandes preocupações para a continuidade da produção era agir dentro de todas as normas de sanidade e legislação. “Assim, começamos buscar mais avanços tecnológicos e, também, mais informações sobre as legislações sobre o leite A2A2, mas não encontramos muita coisa”, lembra produtor que também procurou orientação sobre fábricas que eram autorizadas pela legislação a produzirem em torno de 15.000 litros no dia.
O projeto era produzir entre mil a dois mil litros de leite por dia e produzir queijos, buscando obter selos de inspeção, entre outras premissas legais. “Conseguimos fechar o projeto com capacidade para dois mil litros por dia e, a cada dia que passava, mais crianças testaram o leite, obtendo resultados favoráveis”, comemora o produtor que pretende, num futuro próximo, lançar novos produtos derivados do leite A2, como sorvetes, coalhadas e queijos nobres.
Segundo o pecuarista, já foram realizadas na propriedade mais de 200 genotipagens e hoje ele trabalha com o rebanho 100% A2. “Mesmo assim, fazemos exame de DNA para ter a confirmação”, ressalta. Ele conta, no entanto, que, de fato, ainda existem muitos entraves para a comercialização do leite A2. “Há a questão de genética dos animais e os cruzamentos com outras raças para a comercialização dos bezerros e embriões, já que trabalhamos como a base da raça Sindi, mas acreditamos muito nesse novo nicho e estamos nos profissionalizando cada vez para conseguir resolver tudo”, salienta.
Entraves
Como todo projeto de caráter pioneiro, Oliveira lembra que existem muitos obstáculos a serem vencidos. “A primeira dificuldade foi acreditar que, quase sozinho, isso daria certo um dia. A segunda, foi o desafio da mão de obra. Hoje, estamos no vigésimo funcionário, que completou um ano de atividade, e estamos caminhando para que outro já tire suas férias”, destaca.
Outros entraves, na opinião do pecuarista, é que os órgãos do setor são pouco instruídos para auxiliar o produtor, com falha nas informações para direcionar, além de legislação para pequenos produtores, que é praticamente inexistente. “Os órgãos e secretarias municipais não me ajudaram em quase nada, principalmente na comercialização, o que não é nada fácil, até porque, para mostrar um produto novo, como no meu caso, que acabou se tornando uma cura, é mais difícil. Mas estamos evoluindo aos poucos”, enfatiza Oliveira.
Organização
O produtor lembra que cometeu alguns deslizes quando decidiu entrar no negócio. Segundo ele, se pudesse recomeçar, faria os processos numa ordem diferente, tanto em questão de alimentação quanto em relação aos cruzamentos. Para se ter o leite em grandes qualidades, ele mudaria a forma de organização, ou, talvez, buscasse mais assessorias. “Quatro anos após o início das atividades, começamos a nos encaixar e estabilizar. Mas, como experiência. foi tudo válido,” destaca.
É ele mesmo quem administra todo o negócio, buscando sempre os treinamentos do Senar, de sindicatos e de laboratórios parceiros sobre o acompanhamento de limpeza e utilização de novos materiais. ”A análise do leite é feita uma vez por semana, por uma cooperativa da região, e, uma vez ao mês, o produto é levado para a Universidade de São Paulo ou para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que acompanha a evolução e a produção do ‘Leite das Marias’”, conta.
Futuro
Ao futuro investidor nesse tipo de negócio, o pecuarista recomenda fazer muita pesquisa, além de visitar propriedades para se ter uma noção de maquinários e depender cada vez menos da mão de obra. “Para trabalhar com alimentação, é fundamental ter uma reserva de uns seis meses, além de buscar assessoria de laboratórios e empresas de nutrição e saneamento, assim como utilizar a melhor genética possível”, aconselha Oliveira.