O peixe-boi já teve uma grande importância econômica fornecendo couro, que já foi exportado para a Europa e Estados Unidos, carne e gordura, porém, hoje os pesquisadores lutam contra a extinção da espécie.
O peixe-boi da Amazônia é um mamífero aquático endêmico dos rios da Bacia Amazônica. Pertence à Ordem Sirenia, que recebeu esse nome por causa da lenda das sereias. Seu nome científico é Trichechus inunguis, originado das palavras gregas trichos (cabelo, pelos) e ekh_ (ter) referente à presença de pelos esparsos pelo seu corpo, e inunguis devido à ausência de unhas nas nadadeiras peitorais, diferentemente das outras duas espécies de peixes-bois que possuem unhas. O peixe-boi é popularmente assim chamado por viver na água(peixe) e por se alimentar somente de plantas(boi), além de seu focinho lembrar o de um bovino. A espécie possui pele lisa e escura, com coloração variando de cinza escuro a preto, e geralmente tem uma mancha branca na parte ventral, utilizada para identificar os indivíduos.
Seu corpo é adaptado para o ambiente aquático, sendo fusiforme e possuindo uma nadadeira caudal arredondada, importante para propulsão durante o deslocamento.
Na Amazônia ocorrem cinco espécies de mamíferos aquáticos, das quais duas são espécies de golfinhos (boto-vermelho e tucuxi), duas de mustelídeos (ariranha e lontra neotropical) e uma de sirênio (peixe-boi da Amazônia). O peixe-boi é o maior de todos, podendo medir até 2,75 metros e pesar até 420kg. Acredita-se que o peixe-boi da Amazônia pode viver cerca de 65 anos, atingir a maturidade sexual a partir dos 6 anos de idade, e aos 10 anos já ser considerado adulto.
O peixe-boi da Amazônia habita somente os rios e lagos da bacia Amazônica, e pode ser encontrado em quase todos os tributários do Rio Amazonas desde a Colômbia, Peru e Equador, na Amazônia brasileira (passando pelos estados do Acre, Amazonas, Roraima e Amapá), até a sua foz, no estado do Pará. Ocorre nos rios de águas brancas, pretas e claras e, por causa do forte ciclo sazonal dos rios da bacia Amazônica, permanece em áreas de várzea durante a cheia, migrando para lagos perenes e canais de rios durante a vazante.
O peixe-boi da Amazônia é um animal herbívoro e se alimenta de plantas aquáticas e semi-aquáticas, raízes e vegetação de áreas alagadas, reduzindo a quantidade de plantas e permitindo a entrada de luz na coluna d’água. Dessa forma, funciona como um grande adubador do ambiente aquático, excretando partículas vegetais e micronutrientes, favorecendo, assim, toda a cadeia trófica. Por causa do tipo de planta consumida, rica em sílica, seus dentes sofrem um intenso desgaste. Como solução, os dentes do peixe-boi são continuamente renovados; nascem na parte posterior da mandíbula e maxila, e vão migrando, de maneira horizontal, para a parte anterior até serem desgastados e cair.
Seu metabolismo é muito lento, equivalente a um terço do metabolismo de um mamífero terrestre do mesmo porte. Dessa forma, o peixe-boi consegue ficar embaixo d’água em média por cinco minutos, e em situações de fuga ele é capaz de reduzir seus batimentos cardíacos e permanecer submerso por mais de 15 minutos. É uma espécie muito discreta e difícil de ser vista na natureza, pois quando sobe à superfície para respirar somente expõe a ponta do focinho, e quando mergulha não expõe o dorso ou a cauda como fazemos golfinhos.
Assim como sua migração, a sua reprodução também está intimamente relacionada com a variação no nível dos rios da bacia Amazônica. O período reprodutivo do peixe-boi ocorre entre dezembro e junho, época de enchente e cheia dos rios da região e consequentemente de maior disponibilidade de ali mento para a espécie. A gestação é de aproximadamente 12 meses e as fêmeas normalmente geram um filhote a cada gestação, o qual é amamentado por aproximadamente dois anos. Os peixes-bois possuem uma assinatura vocal (um som característico) que identifica cada indivíduo; dessa forma, durante todo o período de cuidado materno, há uma constante comunicação vocal entre a mãe e seu filhote, possibilitando, assim, que a fêmea reconheça o seu filhote.
“O INPA desenvolve trabalhos de pesquisa na Amazônia para preservar o peixe-boi”
Em risco de extinção
O peixe-boi da Amazônia é caçado desde antes do período de colonização. Sabe-se que a caça tradicional era realizada pelos índios para o consumo da carne e gordura, e também para a utilização de seu couro como escudo e seus ossos na fabricação de artefatos de pesca e artesanato. Com a colonização européia no Brasil, a comercialização da carne do peixe-boi, fresca, seca ou principalmente na forma de mixira (carne frita e conservada na própria gordura do animal), foi intensificada e exportada para os países europeus.
Por volta de 1934, com a crescente industrialização, o couro do peixe-boi passou a ser utilizado na confecção de polias e correias para os maquinários, aumentando expressivamente a caça deste animal. Durante 20 anos estima-se que entre 80.000 e 140.000 peixes-bois foram mortos nos lagos do estado do Amazonas e o couro exportado para todo Brasil, Estados Unidos e países da Europa. Porém, duas décadas depois, seu comércio cessou, possivelmente pela redução populacional e pelo aumento do uso de borracha e materiais sintéticos nas maquinarias.
Mesmo assim, o comércio da carne do peixe-boi retornou com força total, voltando a apresentar picos de quase 7.000 animais caçados por ano. Esta exploração continuou até o ano de 1973, ano em que foi publicada a primeira Lista das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção. Porém, a caça de subsistência por comunidades ribeirinhas amazônicas persiste até hoje, com certo grau comercial. Embora protegido, ainda é possível encontrar carne de peixe-boi sendo vendida ilegalmente em feiras e mercados populares em cidades da região amazônica.
O peixe-boi da Amazônia está citado no Apêndice I da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção – CITES (lista que consta as espécies ameaçadas de extinção, permitindo seu comércio somente em situações excepcionais) desde 1973. A espécie é protegida no Brasil desde 1967 pela Lei de Proteção à Fauna (nº 5.197, alterada para 7.653 em 1988), a partir de 1998 pela Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605), e consta na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da IUCN e no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. O peixe-boi também é protegido por lei na Colômbia e no Peru.
“O couro já foi exportado para todo Brasil, Estados Unidos e Europa, quando tinha um grande valor comercial”
O que tem sido feito para salvá-lo
Diante da grande ameaça de extinção do peixe-boi da Amazônia, esforços têm sido realizados para a recuperação populacional da espécie na natureza. No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA foi o pioneiro nas atividades conservacionistas relacionadas ao peixe-boi da Amazônia, iniciando em 1974 os primeiros resgates de filhotes de peixe-boi órfãos, vítimas da caça ilegal, e desenvolvendo técnicas de reabilitação destes animais em cativeiro. De lá para cá, várias pesquisas científicas foram realizadas, aumentando o conhecimento sobre a biologia da espécie e sua inserção no contexto ecológico da Amazônia. Outros centros especializados no resgate e reabilitação de peixes-bois órfãos foram criados, como o Centro de Preservação e Pesquisa dos Mamíferos Aquáticos da Amazônia – CPPMA, o Instituto Mariruá, e o Centro Mamíferos Aquáticos – CMA vinculado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), possibilitando um grande sucesso nessa etapa do processo de conservação desta espécie.
Além disso, diversas atividades de educação ambiental têm sido realizadas nas cidades e comunidades ribeirinhas da região amazônica com o intuito de informar a importância do peixe-boi da Amazônia para o ecossistema da região. Outro importante passo no processo de conservação começou a ser dado há alguns anos atrás, com a devolução dos animais reabilitados em cativeiro para a natureza. Porém, esta é uma etapa delicada e de aprendizado tanto para os pesquisadores quanto para o próprio peixe-boi, pois é necessário que os animais aprendam a sobreviver no ambiente natural, capazes de conseguir a sua própria comida, de entender o ciclo sazonal dos rios da bacia Amazônica, e principalmente evitar os caçadores.
As dificuldades em cada etapa são muitas e o processo para conservação do peixe-boi da Amazônia é lento, porém, os esforços para a sua realização são extremamente necessários para que as futuras gerações possam ter o prazer de conhecer e respeitar este gigante da Amazônia.