Artigo: Iniciativas para a redução da emissão de carbono pela bovinocultura de corte: Carne Carbono Neutro e Carne Baixo Carbono

É sabido que a maior parte da contribuição da bovinocultura de corte para o aquecimento global é proveniente das emissões animais, a exemplo do metano (CH4) entérico, liberado durante a eructação e decomposição das fezes, bem como o óxido nitroso (N2O), também liberado durante este processo. Ao redor do mundo vários países vêm implantando programas para a redução ou mesmo a neutralização destas emissões. A exemplo pode-se citar a Associação da Indústria da Carne Vermelha e Pecuária Australiana (Meat & Livestock Australia, MLA), a Beef+Lamb New Zeland (B+LNZ) e a iniciativa estadunidense Clarity and Leadership for Environmental Awareness and Research. Todas estas iniciativas contam com protocolos e certificações bem definidas para sua implementação, desde o uso de suplementos que diminuem a produção entérica destes gases até o estímulo à produção de espécies coleópteras de interesse pecuário, como o besouro rola-bosta (Digitonthophagus gazela). 

Em nosso País, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem desenvolvido diversas soluções para que estas emissões sejam mitigadas, a exemplo do lançamento da marca-conceito Carne Carbono Neutro (CCN) lançada em 2016, que preconiza a implementação de uma pecuária sustentável através da interação entre os componentes arbóreo e animal em sistemas silvipastoris (IPF) ou agrossilvipastoris (ILPF). A utilização de 250 a 350 árvores/ha se mostrou eficaz na neutralização da emissão anual 5t/ha de carbono, ou 12 bovinos adultos. É interessante ressaltar que a taxa de lotação média no país é de 1,2 UA/ha.

Para que o produtor possa obter o selo CCN o mesmo deve seguir exigências como realizar o manejo adequado do componente forrageiro, realizar análises periódicas que determinem a quantidade de carbono fixada pelo componente arbóreo, destinar a madeira proveniente destas árvores apenas para produtos que possuam maior vida útil e valor agregado, como móveis e materiais de construção, visando um maior tempo de imobilização deste carbono. Quanto ao componente animal, só serão aceitos para recebimento do selo os animais que tenham completado todo seu ciclo dentro do sistema (cria, recria e terminação). Seu manejo sanitário deve seguir a legislação vigente, bem como os preceitos do bem-estar animal.

Uma pastagem bem manejada significa uma boa alternativa para a proteção do solo, visto que a cobertura vegetal dificulta os processos de erosão e facilita o armazenamento de água no solo

O cálculo da emissão de CO2 é calculado a partir da emissão de metano pelos animais. Os valores são obtidos através de equações ou por índices pré-determinados. Segundo a Embrapa Gado de Corte, podemos tomar como referência, três valores: O valor fixo do Nível 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2006), para a América Latina: 56 kg de CH4animal-1ano-1; O valor estimado usando o Nível 2 do IPCC, para bovinos castrados de porte médio, consumindo forragem com diferentes digestibilidades (55% a 65%): 70 kg de CH4animal-1ano-1; O valor médio anual usando a equação empírica da Rede Pecus de pesquisa (obtido também nos sistemas de ILPF da Embrapa Gado de Corte): 66 kg de CH4animal-1ano-1.

Para o cálculo da neutralização, a prior, deve-se quantificar o carbono acumulado no tronco das árvores, a partir do desenvolvimento de um inventário florestal da área, afim de determinar o quanto as árvores cresceram e calcular o quanto de carbono ficou acumulado. Desenvolvidos pela Embrapa, softwares da série SIS (SisEucalipto, SisPinus, SisTeca, SisAcacia, SisAraucaria, SisBracatinga e SisCedro) possibilitam o cálculo do carbono sequestrado pela atmosfera e o cálculo de carbono imobilizado pelas árvores. O carbono do solo não entra para o cálculo da neutralização de metano, pois embora a sua fixação seja importante, sua dinâmica é bem complexa e influenciada por diversos fatores, não sendo fácil de mensurar e sendo algo que viabiliza muitos investimentos. 

É de suma importância a garantia que a entrada dos animais no sistema não irá causar danos as árvores, ou que afetará seu crescimento e/ou valor comercial. Ainda, deve-se atenção ao manejo do componente forrageiro, pois um manejo inadequado pode gerar a degradação da pastagem, o que impossibilita a utilização do selo.

No mesmo objetivo da CCN, a Embrapa elabora a “Carne Baixo Carbono (CBC)” ou “Low Carbon Brazilian Beef (LCBB)”, que também busca atenuar a emissão de metano pelo rebanho em pastagens tropicais e/ou sistemas de ILP pelo aumento de estoque de carbono no solo, sendo um processo reconhecido, certificado e auditável. Seguindo a mesma linha, seus objetivos contemplam um projeto de intensificação sustentável da pecuária, o cálculo da emissão de carbono, o cálculo do carbono fixado e o cálculo da mitigação das emissões de GEEs, em que deverão seguir as mesmas diretrizes e orientações da marca-conceito CCN.

Uma pastagem bem manejada significa uma boa alternativa para a proteção do solo, visto que a cobertura vegetal dificulta os processos de erosão e facilita o armazenamento de água no solo. Tem grande importância na captação de CO2 e a capacidade de estocá-lo no solo, através da produção e decomposição das raízes. Pesquisas apontam que em comparação a pastagens de baixa produtividade, essas pastagens emitem menos N2O, que é um gás importante para o efeito estufa, devido às gramíneas aportarem matéria orgânica e aprofundarem as raízes no perfil do solo. Assim, essas pastagens depositam matéria orgânica de mais difícil decomposição e com mais carbono e nitrogênio acumulados, a matéria orgânica fica protegida da decomposição da microbiota do solo. Dessa forma, o monitoramento da fertilidade do solo assim como os teores de matéria orgânica são condições indispensáveis para avaliar a efetividade do sistema em questão. Com isso, a partir da análise química do solo, adquire-se a interpretação da fertilidade do solo, os quais são obtidos na camada de 0 a 20cm e de 20 a 40cm. A textura do solo, teores de carbono e densidade do solo também vão complementar a interpretação.

Os animais podem ser introduzidos no sistema CBC até os 10 meses de vida, permanecendo até o abate. Para a certificação e permanência no sistema CBC, o animal deve ter adquirido 50% do peso vivo ao abate dentro do sistema, garantindo que a carne tenha sido produzida sob carbono fixado no solo na maior parte do tempo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem grande preocupação e muitos desafios para minimizar os GEEs, sendo tema de discussão mundial. Assim surgem as propostas de alternativas para a diminuição das emissões na agricultura. Diante disso, em síntese, temos a CCN e a CBC, cujo objetivo principal é garantir que a carne originada dos sistemas teve a emissão de metano minimizada e o carbono fixado, contribuindo com a diminuição do efeito estufa. Também, deve garantir que os animais estiveram mantidos sobre alto grau de bem-estar, sendo a sombra e o conforto térmico indispensáveis.

Referências

ALVES, F.V.; DE ALMEIDA, R. G.; LAURA, V. A. Carne carbono neutro: um novo conceito para carne sustentável produzida nos trópicos. Embrapa Gado de Corte-Documentos (INFOTECA-E), 2015.

MALAFAIA, G.C.; BISCOLA, P.H.N.; DIAS, F.R.T. Neutralização de carbono na produção de carne bovina no Brasil e no mundo. Embrapa Gado de Corte-Fôlder/Folheto/Cartilha (INFOTECA-E), 2020.

EMBRAPA. Marfrig lança linha de carne carbono neutro em parceria com a Embrapa. 27 ago. 2020. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/55338720/marfrig-lanca-linha-de-carne-carbono-neutro-em-parceria-com-a-embrapa >. Acesso em: 1 jul. 2021.

LVES, F. V.; ALMEIDA, R. G. de; LAURA, V. A.; PORFIRIO-DA-SILVA, V.; GOMES, R. da C.; MACEDO, M. C. M.; PEREIRA, M. de A.; FERREIRA, A. D.; BUNGENSTAB, D. J. 50 perguntas, 50 respostas sobre a Carne Carbono Neutro (CCN). Embrapa Gado de Corte – Documentos, 245, 2018.

ALMEIDA, R. G. de; ALVES, F. V. Diretrizes Técnicas para Produção de Carne com Baixa Emissão de Carbono Certificada em Pastagens Tropicais: Carne Baixo Carbono (CBC). Embrapa Gado de Corte. Documento, 280, 2020.

 

Por Gabrielle Araujo Rodrigues dos Santos1; Thaíne Lopes Bueno1; Ana Paula Lopes Marques2; Clayton Bernardinelli Gitti 2 (Discentes e Orientador, Grupo de Estudos Liga de Bovinos – LiBovis Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ)