A doença 

A leptospirose é uma doença infectocontagiosa bacteriana, endêmica no Brasil, causada por espiroquetas patogênicas do gênero Leptospira, cursa com um quadro clínico caracterizado por febre, icterícia e alterações hepáticas e renais, além de possíveis hemorragias pulmonares. Acomete todos os mamíferos, principalmente, canídeos, humanos e animais de produção, como bovinos, suínos, caprinos, ovinos e equinos. E tem como principais reservatórios os ratos e camundongos.

A contaminação dos animais se dá pelo contato direto com solo ou água contaminados pela urina de animais infectados. Enquanto nos humanos a transmissão ocorre através de lesões presentes na pele ou em casos de imersão em água contaminada por um longo período de tempo.

Foto: Espiroquetas da Leptospirose

Leptospirose humana e Saúde Pública

Em humanos a transmissão da leptospirose ocorre de forma acidental, através do contato com a urina de animais contaminados pela bactéria. Tem ocorrência comum em áreas carentes e negligenciadas pelo poder público, onde as condições higiênico-sanitárias e o saneamento básico são precários, favorecendo em épocas de chuva a ocorrência de alagamentos bem como a exposição ao esgoto, e consequentemente, o aumento do número de casos da doença no país. Como em 2022, onde houve um aumento de mais de 200% de casos de leptospirose no estado do Rio de Janeiro em comparação ao ano de 2021, segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.

Apesar de ser internacionalmente descrita e considerada no meio acadêmico como uma Doença Tropical Negligenciada (DTN), no Brasil não é considerada da mesma forma pelos governantes, permanecendo como uma doença com pouca visibilidade e com seus riscos subestimados. Através do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas ocorrem investimentos em editais que visam o combate destas doenças. Contudo, a leptospirose não é contemplada, devido não estar incluída nas prioridades do Ministério da Saúde, consequentemente, não sendo considerada negligenciada no país.

A leptospirose possui quadro clínico variável, desde um simples quadro gripal à quadros hemorrágicos graves. Em sua forma mais branda apresenta sinais comuns a diversas outras doenças, como influenza e dengue, dificultando significativamente o diagnóstico correto da doença. Somado a isso, os exames diagnósticos para leptospirose disponíveis atualmente não permitem um diagnóstico precoce, favorecendo a negligência que envolve o agravo. Deve-se acrescentar que a leptospirose, como já dito antes, é um agravo que acomete principalmente as populações economicamente vulneráveis e com acesso limitado ao sistema de saúde, e consequentemente, não havendo diagnóstico em tempo hábil para o tratamento, levando a ocorrência de óbitos que poderiam ser evitados.

Com os subdiagnósticos ocorrem, consequentemente, as subnotificações de casos. Tornam-se grandes os obstáculos para o conhecimento da real incidência da leptospirose no Brasil bem como sua magnitude e impactos possíveis de serem causados não apenas à saúde pública, mas também à economia nacional. Além disso, a ausência de dados fidedignos à realidade, leva a crer em uma ocorrência muito menor da doença no país, justificando a falta de consideração da leptospirose como uma doença relevante e negligenciada, assim como sua exclusão dos editais de financiamento ao combate das DTNs.

Com isso, é possível observar a ocorrência de um ciclo vicioso no que diz respeito à negligência e combate à leptospirose no Brasil. Com a falta de investimento em pesquisa e aperfeiçoamento diagnóstico a doença não é eficientemente diagnosticada e notificada e, na ausência de dados fidedignos sobre o acometimento da população pelo agravo, não ocorre o devido investimento para a adequada vigilância e intervenção da doença. Logo, perpetua-se o desconhecimento e falta de sensibilização da população bem como dos profissionais de saúde em relação à leptospirose, mantendo-se como uma afecção subestimada. Assim, torna-se imprescindível uma revisão dos agravos atualmente priorizados pelos gestores públicos de saúde.

Impactos na Produção Animal 

Nos animais de produção a doença se apresenta como uma enfermidade reprodutiva e de ocorrência aguda, sendo facilmente disseminada entre o rebanho através da contaminação das pastagens, fontes de água e bebedouros utilizados pelos animais do plantel. Outra complicação e facilitador dessa disseminação é o fato de animais clinicamente recuperados serem capazes de eliminar as Leptospiras por até 12 meses, alcançando ainda mais animais do rebanho.

Caracterizada como doença reprodutiva, ocasiona nesses animais quadros de abortamentos, infertilidade e até mesmo mastites, podendo levar a uma queda e ou interrupção da produção de leite e carne na região.

Em relação à produção de leite, além da redução no volume, pode haver interferência diretamente na qualidade do leite, que devido aos quadros de mastite pode ter sua coloração, aparência, sabor e composição também alterados.

Dentre esses prejuízos, ainda se acrescenta que animais jovens sobreviventes e recuperados tendem a apresentar atraso no crescimento e dificuldade no ganho de peso, além de poderem apresentar lesões renais responsáveis por condenação da carcaça, inviabilizando a venda e utilização desses animais na produção.

É importante ressaltar que no Brasil a prevalência de animais infectados com leptospirose varia entre 40% a 97% dos rebanhos estudados. Sendo assim, imagina-se o impacto à saúde pública bem como o prejuízo econômico que a perpetuação e ou aumento desses números seria capaz de causar à cadeia produtiva de carne e leite e à saúde humana e animal no país, caso a devida visibilidade e importância não sejam dadas à doença pelas autoridades brasileiras.

Referências

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Por: Giovana Côrtes Amorim e Júlia Moreira Bento Rocha – Discentes do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Sob a supervisão de Clayton Bernardinelli Gitti – Docente do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro