Desde 2016 casos da Peste Suína Africana (PSA) vêm sendo notificados exponencialmente ao redor do mundo, chegando em 2018 no maior produtor de carne suína do mundo, a China. O contágio elevado da doença vem sendo comprovado mediante a velocidade com que ela se disseminou para a Ásia e Leste europeu. Os impactos que a PSA impõe na produção de suínos são drásticos, dizimando produções inteiras por onde passa e causando enormes prejuízos econômicos para o setor. No final de 2020 a doença chegou pela primeira vez ao maior produtor de carne suína da Europa, a Alemanha, deixando o globo mais uma vez em estado de alerta. Atualmente, apenas as Américas e a Oceania não reportaram casos da doença. Esse cenário elucida o porquê a PSA é uma das mais preocupantes doenças animais da atualidade, se não a mais preocupante.

Apesar de hoje a PSA ser uma doença exótica no Brasil, outrora essa doença já esteve em solos nacionais e mesmo tendo sido rapidamente controlada, foram necessários anos para eliminá-la e recuperar mais uma vez o status de país livre de PSA. O primeiro caso da doença data de 1978 no município de Paracambi no estado do Rio de Janeiro. O caso ocorreu em uma produção de subsistência, onde o vírus havia sido introduzido através da oferta de restos de comida dos voos que chegavam do exterior ao Rio de Janeiro, o produtor coletava e oferecia aos suínos da criação como lavagem. Esse caso foi prontamente identificado e notificado pelo médico veterinário Carlos Maria Antônio Hubinger Tokarnia e mesmo com a rápida identificação e ação no foco, esse era o primeiro de muitos casos que ocorreram no país a partir de então. Segundo o MAPA, cerca de outros 223 casos ocorreram em todo o Brasil entre 1978 e 1979. Contudo, a implementação de intensas medidas sanitárias, buscando o controle e erradicação da doença, possibilitou que em 15 de novembro de 1981 fosse registrado o último caso de PSA no país. Não obstante, a declaração do Brasil como país livre só veio cinco anos após o primeiro caso, por meio do ato administrativo da Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária de 5 de dezembro de 1984.

É uma doença exclusiva de suídeos domésticos e selvagens, sendo os últimos menos sensíveis que os domesticados, o que os tornam importantes disseminadores do vírus. A PSA não apresenta um grupo de risco evidente, todo e qualquer suídeo é suscetível a doença e ao contrário de doenças como Aujeszky, o binômio idade-sinal clínico não é preponderante para o curso natural da doença.

A infecção ocorre por via oronasal e a transmissão ocorre por meio de contato direto ou indireto com secreções e excreções de animais infectados, com restos de carcaças, com tratadores, equipamentos, utensílios e veículos contaminados, pela ingestão de restos de alimentos produzidos com carne de porco infectado pela doença, vetorado por carrapatos e outros insetos, principalmente as moscas. Apesar de ser sensível a diferentes desinfetantes tais como os solventes orgânicos, hipoclorito de sódio e amônias quaternárias, o vírus da PSA pode resistir por longos período em matéria orgânica e em temperaturas de congelamento, por até 11 dias nas fezes, 15 semanas em carne refrigerada ou congelada e meses em embutidos o que facilita sua manutenção no ambiente e a transmissão para outros animais.

A PSA é uma doença sistêmica, mais conhecida por suas lesões hemorrágicas, e apresenta três formas de manifestação, a forma aguda, subaguda e crônica. A forma aguda cursa com febre severa e prostração, podendo ou não apresentar outros sinais clínicos a depender da progressão da doença, dessa forma o animal pode ir a óbito entre 2-10 dias.

Os demais sinais clínicos mais comuns nas formas subagudas e crônicas da PSA são lesões hemorrágicas no abdômen e nas extremidades, como cauda, focinho, patas e orelhas, hemorragias por orifícios naturais, disfunções respiratória, como dispneia e tosse, prostração, perda progressiva de peso, hiporexia ou anorexia e diarreia e vômito, apesar de menos frequentes, também podem ocorrer. Sinais neurológicos e reprodutivos comumente são manifestados, sendo que em alguns relatos, os sinais reprodutivos em fêmeas são os primeiros a serem manifestados nas granjas, por meio de abortamentos.

O Programa Nacional de Sanidade Suídea (PNSS) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) segue as recomendações da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) quanto aos métodos diagnósticos a serem empregados. O Manual de Testes Diagnósticos e Vacinas para Animais Terrestres da OIE elenca métodos diretos e indiretos para a detecção do vírus, entretanto, o método mais apropriado varia de acordo com a situação epidemiológica do país. Sendo que o diagnóstico rápido e correto é essencial pelo risco que a doença traz e por apresentar uma lista de diferenciais ampla tais como Peste Suína Clássica, Doença de Aujeszky, Síndrome da Dermatite e Nefropatia Suína (PDNS) e outras síndromes decorrentes da Circovirose, Síndrome Reprodutiva e Respiratória dos Suínos (PRSS), Erisipela, Encefalite por Streptococcus suis, Leptospirose, Parvovirose, Salmonelose, Doença de Glasser e Diarréia Viral Bovina (BVD).

Os métodos diretos são os mais indicados dado ao caráter emergencial da doença, visto que buscam constituintes do vírus. As técnicas de PCR ou qPCR, isolamento viral em cultivo de leucócitos ou de células da medula óssea de suínos, hemadsorção, Imunohistoquímica e o ELISA direto são os métodos mais indicados. O manual destaca a qPCR e o isolamento viral como métodos confirmatórios da doença, principalmente a qPCR por ser rápido, sensível e específico.

Os métodos indiretos só são interessantes em países endêmicos ou em suspeita da forma crônica da doença, uma vez que o organismo demanda de 7-10 dias para produção de anticorpos, que são os alvos desses métodos. O ELISA indireto, Western blot, Imunofluorescência e Imunoperoxidase indireta são indicados pelo manual em casos de vigilância epidemiológica da doença.

No Brasil, qualquer pessoa envolvida na criação de suínos, tais como o proprietário ou tratadores que observarem manchas avermelhadas ou outros sinais compatíveis com a Peste Suína, deve notificar à Unidade Veterinária Local da Defesa Agropecuária que fará um pronto atendimento iniciando a investigação sobre o caso. Será feito todo um levantamento de dados epidemiológicos e coleta de material para análise laboratorial que será encaminhado ao Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de Pedro Leopoldo – LFDA no estado de Minas Gerais.

Mesmo erradicada, a PSA não foi esquecida no Brasil, devido ao elevado risco biológico que a doença traz à suinocultura. O PNSS apresenta um plano de contingência já estabelecido para coibir possíveis focos da doença, semelhante aos planos para Febre Aftosa e PSC. Dentre as medidas do programa podem ser pontuadas, a criação de zonas foco, perifocal e tampão, o abate compulsório de todos os animais da zona foco e animais suspeitos das demais áreas, que devem ter as carcaças incineradas ou enterradas, restrição do tráfego de pessoas, produtos cárneos suínos, equipamentos e veículos da área do foco, criação de inquéritos epidemiológicos e afins. Em casos de importação de suínos vivos para o Brasil, esses são direcionados à Estação Quarentenária de Cananéia do MAPA, onde serão avaliados e testados, não apenas para PSA, como também para outras doenças de importância para a produção animal antes de serem levados ao destino final, visando impedir que essas doenças sejam (re)introduzidas no Brasil. O PNSS e o MAPA ainda reforçam a importância das práticas de biosseguridade, da obtenção de reprodutores de Granja de Reprodutores Suídeos Certificada (GRSC), uso de sentinelas, quarentenário nas granjas, proibição do uso de resíduos da alimentação humana para suínos, educação higiênico-sanitária de produtores, controle da população de suídeos asselvajados, vigilância epidemiológica, suspensão das importações de produtos cárneos suídeos de países com casos da doença, entre outras medidas preventivas. Vale pontuar que por ser uma doença hemorrágica e exótica, a Instrução Normativa nº 50/2013 impõe a notificação compulsória e imediata em casos de suspeita de PSA ao Serviço Veterinário Oficial.

Por ser reconhecido pela OIE como país livre da PSA, a suinocultura brasileira tem um forte poder comercial no mercado externo, o que o permite estar em 4º no ranking mundial de produtores e exportadores, mesmo não sendo a principal produção pecuária nacional. A carne suína brasileira tem um valor agregado elevado e amplo mercado para exportação, ainda em expansão. No ano de 2019, segundo a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), o Brasil produziu 4117 toneladas de produtos cárneos suínos, sendo que apenas 16% dessa produção foi exportada, 750 mil toneladas, cujo destino principal é disparado a China, que importa quase 54% do montante, seguido por Hong Kong, Singapura, Uruguai e Chile. Em meio a chegada da PSA na Alemanha em setembro de 2020 e registros de novos casos da doença na China e em Hong Kong em 2021, as expectativas do setor no Brasil aumentam, todavia, ao mesmo tempo devem impor um estado de alerta para que a PSA não se torne novamente realidade no país.

Referências

https://www.oie.int/doc/ged/D13953.PDF

TOKARNIA, Carlos Hubinger et al. O surto de peste suína africana ocorrido em 1978 no município de Paracambi, Rio de Janeiro. Pesq. Vet. Bras. [online]. 2004, vol.24, n.4, pp.223-238. ISSN 1678-5150. https://doi.org/10.1590/S0100-736X2004000400010.

http://www3.servicos.ms.gov.br/iagro_ged/pdf/2380_GED.pdf

http://abcs.org.br/wp-content/uploads/2020/11/novo-mercado_agosto.pdf

https://www.aged.ma.gov.br/files/2016/11/pestes-prevencao-controle.pdf

https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sanidade-animal-e-vegetal/saude-animal/programas-de-saude-animal/arquivos-programas-sanitarios/anexo14PNSSnormassanit.pdf

https://www.oie.int/fileadmin/Home/eng/Health_standards/tahm/3.08.01_ASF.pdf

https://www.oie.int/fileadmin/Home/eng/Animal_Health_in_the_World/docs/pdf/Disease_cards/ASF/Report_47_Global_situation_ASF.pdf