Temperamento também interfere no metabolismo da fêmea, reduzindo a produtividade

Pesquisa desenvolvida pela Embrapa Gado de Leite (MG), em parceria com o Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), aponta que o temperamento interfere no metabolismo da vaca, influenciando a emissão do gás metano entérico, um dos principais causadores do efeito estufa.

Outro ponto observado pela pesquisa é que as vacas com comportamento mais reativo à presença de pessoas e à ordenha têm produtividade leiteira menor. “Mudanças climáticas e produtividade são dois grandes argumentos para a adoção do manejo racional, prática que começa a ser utilizada com sucesso entre produtores que têm vacas das raças Gir Leiteiro e Girolando em seus rebanhos”, informa Mariana Campos, pesquisadora da Embrapa.

Segundo Mariana, que coordenou a pesquisa no Complexo Multiusuário de Bioeficiência e Sustentabilidade da Pecuária, na Embrapa em Coronel Pacheco (MG), outro argumento conhecido na prática pelos produtores que adotam a técnica é a melhora no manejo dos animais, facilitando o trabalho de condução do gado, evitando acidentes e o descarte das vacas mais reativas.

Pesquisa

As emissões de gases de efeito estufa, juntamente com o aquecimento global, têm sido pauta recorrente e motivo de preocupação para quem trabalha no setor. Pesquisas da Embrapa e da UFJF feitas com 28 vacas Girolando (F1) de primeira cria mostram que os bovinos leiteiros mais reativos chegam a emitir quase 40% a mais de metano entérico por quilo de leite, quando comparado às vacas mais calmas.

Todos os animais foram submetidos ao treinamento para a ordenha no período pré-parto e observados tanto no curral quanto na ordenha. “Analisamos o temperamento de cada indivíduo, identificando os mais calmos e os mais reativos, por meio de comportamentos como passos, coices e a ocorrência de defecação e micção durante o processo de ordenha e, no curral de manejo, por meio indicadores como agitação dos animais no tronco de contenção, velocidade de saída do tronco e velocidade de fuga em relação a um observador desconhecido”, explica a doutoranda em Biodiversidade e Conservação da Natureza, Maria Guilhermina Pedroza.

Produtividade

Para avaliar a produtividade dos animais, durante a pesquisa, a produção de leite também foi medida e, ao se realizar ensaios de digestibilidade e respirometria (em câmaras respirométricas), verificou-se que as vacas mais reativas destinaram 25,24% menos energia líquida para a lactação, enquanto as mais calmas, que ruminam mais na sala de ordenha, alocaram 57,93% mais energia líquida para a produção de leite.

“Este experimento é fundamental para a pecuária de leite brasileira, devido à importância da raça Girolando para a produção nacional” avalia Mariana. Ela lembra que o Girolando é uma raça sintética, desenvolvida para as condições tropicais, unindo duas raças de temperamentos diferentes: Gir Leiteiro e Holandês.

“O resultado do cruzamento dessas raças trouxe, como consequência, um animal rústico e com boa produção de leite, no entanto, mais ariscos à ordenha. O treinamento de novilhas para a primeira ordenha é uma técnica bastante adequada aos rebanhos de leite no Brasil, por causa da utilização de animais mestiços ou zebuínos”, acrescenta.

Para a professora e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Etologia e Bem-Estar Animal da UFJF, Aline Sant´Anna, o temperamento dos animais possui um componente herdável, mas as condições ambientais também interferem no caráter das vacas. “Embora os programas de melhoramento genético bovino tenham obtido conquistas nesse aspecto, o manejo racional, aliado a um ambiente calmo no momento da ordenha, deve ser adotado”, analisa. “A seleção de vacas mais calmas e a adoção de boas práticas de manejo favorecem o bem-estar tanto das vacas quanto dos trabalhadores”, completa Aline.

Manejo

A pesquisa mostra que, após parir, algumas novilhas demonstram maior reatividade do que outras e a energia desperdiçada resulta em menor produção de leite e maior produção de metano entérico, além de elevar o risco de acidentes. Algumas características foram observadas em uma vaca ou novilha reativa na sala de ordenha: elas urinam e defecam com maior freqüência, dão coices, sapateiam, mostram-se agitadas, derrubam o conjunto de teteiras, além de apresentar menor velocidade de ordenha.

Na contramão, quando mais calmas, as vacas mais facilitam o manejo e diminuem o tempo de ordenha. Além disso, ficam mais tranquilas durante o procedimento de ordenha, passam mais tempo ruminando, raramente urinam e defecam na sala na ordenha e permanecem mais tempo no cocho.

Por conta desse cenário, as empresas do setor lácteo estão trabalhando para neutralizar as emissões de carbono do setor. A pesquisa comprova que a adoção de protocolos de doma racional e o melhoramento animal focado na busca por indivíduos mais dóceis podem ser importantes estratégias para que as metas de descarbonização sejam atingidas. “Animais com temperamento mais reativo são indesejáveis para uma pecuária eficiente e sustentável,” conclui a pesquisadora da Embrapa.

Com informações da Embrapa Gado de Leite.