Por Sávio Freire Bruno e Mylena Heckert Kinupp

Introdução

O tico-tico-de-máscara-negra (Coryphaspiza melanotis) é uma ave passeriforme que pertence à família Thraupidae, como as saíras, sanhaços, papa-capins, caboclinhos, trinca-ferros entre outros. Embora pertença a uma das maiores famílias de aves do planeta, contendo centenas de espécies, é a única ave pertencente ao gênero Coryphaspiza. Este belo passarinho consta na lista oficial de animais ameaçados de extinção. Áreas de Cerrado são prioritárias para a sua conservação.

Distribuição geográfica e ambiente específico

As populações de tico-tico-de-máscara-negra estão mais concentradas no sudeste brasileiro, mais especificamente em Minas Gerais, em sua porção meridional. Entretanto, conforme Jaramillo (2020), este passarinho tem sua população dispersa de forma fragmentada em alguns outros pontos do nosso país, como uma população isolada perto da foz do rio Amazonas, na ilha de Marajó (PA), assim como no sudeste do Estado do Amazonas (Humaitá), provavelmente relacionada às populações da Amazônia boliviana e peruana. Tratando-se de populações de países circunvizinhos, somam-se também regiões do Paraguai. Ainda no Brasil, outras populações estão localizadas nos campos sulinos, além do Sul e Centro-Oeste brasileiros (DF, GO, MG, SP, MT, MS, PR). Uma população mais recente foi estudada no extremo norte do Rio Grande do Norte (Pichorim et al., 2014). O tico-tico-de-máscara-negra tem preferência por áreas campestres com gramíneas nativas, forrageando no solo ou próximo dele. É possível também ser encontrado nas bordas de campos limpos e campos sujos sazonalmente inundados. Ocasionalmente, sobe ao topo de uma haste de capim para entoar seu canto fraco e melancólico, com timbre semelhante ao do Ammodramus, que em dadas regiões, estão presentes. Em Beni, Bolívia, ocupa áreas com gramíneas de 50 a 125 cm de altura. No Paraguai, é observado em campos sujos compostos por gramíneas intocadas, com pequenas áreas de solo livre, arbustos espalhados e palmeiras Butia, a 1200 m de altitude. (Jaramillo, 2020).

Características anatômicas

O tico-tico-de-máscara-negra possui um bico grosso e robusto bicolor, laranja e preto, sendo tais características um pouco mais marcantes no macho (Fig.1). Este possui testa, coroa e bochechas negras, com uma faixa superciliar branca que se estende até a região dos ouvidos, e íris escura, formando uma máscara preta completa. A região da garganta e peito é branca, contrastando fortemente, e a nuca é cinzenta, cedendo lugar ao marrom no dorso. As asas são esverdeadas, com cobertura amarelada na região carpal. A cauda é longa, em tons variando entre preto e cinza, com as pontas das retrizes brancas.

Fig. 1 – Repare no bico bicolor do tico-tico-de-máscara-negra e a coloração marcante na região dos olhos, bem caracterizada no macho. Foto: Sávio Freire Bruno, Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, 2016.

 
A fêmea se distingue pela ausência da máscara negra, sendo mais parda no corpo e com asas mais esverdeadas.

O juvenil é marrom acinzentado na parte superior e listrado por todo o corpo, com asas apenas um pouco mais esverdeadas do que as costas e bordas marrons. Não apresenta a máscara preta e, em vez do supercílio branco, exibe um tom mais amarelado. Quanto à vocalização, seu canto é agudo, podendo, conforme Sick (1997), se assemelhar aos sons emitidos por insetos. Traduz-se em um conjunto de notas emparelhadas tão próximas que soam como uma nota modulada em frequência “TZiieeep”, repetida em intervalos de aproximadamente dois segundos.

Hábitos alimentares

O tico-tico-de-máscara-negra é uma ave predominantemente granívora, mas também insetívora, com alimentação bastante diversificada e adaptada ao seu habitat, incluindo frutos. O bico grosso e robusto da ave é particularmente eficiente para quebrar e triturar sementes duras. Durante a maior parte do ano, especialmente nas estações secas, se alimenta de uma variedade de sementes de gramíneas e outras plantas herbáceas. Essas sementes fornecem uma fonte constante de energia e nutrientes, essenciais para a sua sobrevivência. Já na estação chuvosa, quando os insetos e outros invertebrados são mais abundantes, a dieta do tico-tico-de-máscara-negra torna-se mais rica em proteínas. Nesta época, a ave forrageia no solo e na vegetação baixa, capturando pequenos insetos como formigas, besouros e larvas, além de aranhas e outros pequenos invertebrados. Essa dieta proteica é especialmente importante durante o período de reprodução, quando a demanda nutricional é maior tanto para os adultos quanto para os filhotes em crescimento (Jaramillo, 2020). Sua habilidade de aproveitar diferentes fontes alimentares em seu habitat demonstra uma adaptabilidade que contribui para a sua sobrevivência em diversos ambientes, desde campos secos até áreas sazonalmente inundadas (Jaramillo, 2020).

Hábitos reprodutivos

O tico-tico-de-máscara-negra se reproduz entre setembro e dezembro. Os ninhos da maioria das aves da família Emberizidae consistem em uma taça tecida com matéria vegetal seca, como capim e raízes. Esses ninhos são geralmente fixados nos galhos ou em meio ao capim próximo ao solo. Fujikawa (2011), ao estudar o tico-tico-de-máscara-negra no Brasil Central, descreveu um ninho em formato de cesta profunda sobre o solo, bastante escondido entre as gramíneas. O ovo “tinha um fundo branco fosco com salpicos pardo-avermelhados”, a nosso ver, mais pigmentados em sua base.

Principais ameaças

De acordo com Sick (1997), o tico-tico-de-máscara-negra foi ao longo do tempo bastante perseguido e, em suas palavras “… almejado como ave de cativeiro, sendo literalmente extirpado da natureza por aficionados”. Neste sentido, o tráfico de animais silvestres foi uma das principais ameaças às populações desta ave, hoje tão rara. A ocupação do Cerrado brasileiro, especialmente a partir das décadas de 1950/60, tem alterado significativamente as características naturais desse valioso bioma. As áreas naturais de distribuição do tico-tico-de-máscara-negra têm sido progressivamente descaracterizadas, e porque não dizer, destruídas, devido à pecuária intensiva, agricultura mecanizada, a expansão de gramíneas invasoras e de monoculturas como as plantações de eucalipto, entre outros. O uso excessivo de pesticidas, queimadas e incêndios nos campos nativos são, igualmente, fatores que ameaçam a sobrevivência da espécie. O tico-tico-de-máscara-negra está classificado como “Vulnerável”, tanto na lista oficial de espécies ameaçadas de extinção no Brasil (ICMBio, 2022), quanto na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 2018), o que já é um grau alarmante de ameaça. Esta condição remete a necessidades urgentes de ações voltadas à conservação deste passeriforme, particularmente na recuperação e preservação de habitats naturais.

Fig. 2 – O tico-tico-de-máscara-negra enfrenta risco de extinção no grau “vulnerável”. Foto: Sávio Freire Bruno, Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, 2016.

Referências bibliográficas:

BirdLife International. 2018. Coryphaspiza melanotis. The IUCN Red List of Threatened Species 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2018-2.RLTS.T22723039A132020897.en. Acesso em: 25 jul. 2024. FIEKER, Caroline Z.; REIS, Matheus G.; BRUNO, Sávio F. Guia de bolso: 100 aves do Parque Nacional da Serra da Canastra – MG. ICMBio, 2014. 110 p. Fujikawa, Aline. Área de vida de Coryphaspiza melanotis e Cistothorus platensis no Brasil central e uma revisão sobre áreas de vida e territórios de aves na região Neotropical. Diss. Universidade de São Paulo, 2011. Acesso em: 25 jul. 2024. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Portaria nº 148, de 7 de junho de 2022. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/cepsul/images/stories/legislacao/Portaria/2020/ P_mma_148_2022_altera_anexos_P_mma_443_444_445_2014_atualiza_especies_ameacadas_ext incao. Acesso em: 25 jul. 2024. JARAMILLO, A.; C.J. Sharpe (2020). Black-masked Finch (Coryphaspiza melanotis), version 1.0. In Birds of the World (J. del Hoyo, A. Elliott, J. Sargatal, D.A. Christie, and E. de Juana, Editors). Cornell Lab of Ornithology, Ithaca, NY, USA. Disponível em: https://doi.org/10.2173/bow.blmfin1.01. Acesso em: 25 jul. 2024. Pichorim, M., da Silva, M., França, B.R.D., de Oliveira, T.M.; Rodrigues, M.C. A Cerrado bird community in the northernmost portion of northeastern Brazil – recommendations for conservation. Rev. Bras. Ornitol, 2014. 345-360 p. SICK, Helmut. Ornitologia Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 779 p. SIGRIST, Tomas. Aves do Brasil: uma visão artística. 2. ed. São Paulo: Avis Brasilis, 2006. 492 p. SIGRIST, Tomas. Guia de campo: avifauna brasileira. 3. ed. São Paulo: Avis Brasilis, 2013. 102 p. WIKIAVES.  Tico-tico-de-máscara-negra  (Coryphaspiza  melanotis).  Disponível  em:  https:// www.wikiaves.com.br/wiki/tico-tico-de-mascara-negra. Acesso em 6 de junho. 2024.  

Sávio Freire Bruno é Professor Titular do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense e colaborador do Curso de Ciências Biológicas e do Curso de Ciência Ambiental (UFF). Professor do Programa de Pós- graduação em Engenharia de Biossistemas (PGEB/UFF).
Mylena Heckert Kinupp: Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal Fluminense.
Revisão de texto: Eduardo Sánchez.
Foto de capa: Sávio Freire Bruno. Tico-tico-de-máscara-negra (Coryphaspiza melanotis), Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, 2008.