A “ars veterinária”  começou milhares de anos antes como prova a importante descoberta do Papiro de Kahoun, no Egito, em 1890. Por ele os especialistas ficaram sabendo que  a arte de curar animais teve início há 4.000 anos antes de Cristo. O referido achado arqueológico dá conta de que em tempo tão remoto já havia métodos de sinais, diagnóstico, tratamento e prognóstico de doenças de diversas espécies animais.

Há indícios históricos de que na Ásia, na África, no Egito e na Índia Oriental, a medicina dos animais já era praticada 2.000 anos antes de Cristo.  E os códigos de Eshn Unna (1.900 aC) e de Hammurabi (1.700 aC), da Babilônia – onde hoje se situa o Iraque – indicam tanto as responsabilidades como os salários dos antigos “Médicos de Animais”.

Na metade do século VI, na antiga cidade de Bizâncio, atual Istambul, ex-Constantinopla (Turquia), foi encontrado o alentado tratado (“Hippiatrika) escrito por diversos autores e que tratava da criação de animais (zootecnia) e das suas doenças (medicina veterinária).

O tratado continha 420 artigos, 121 dos quais redigidos por Apsirtos. nascido em 300 dC, em Clazômenas, cidade banhada pelo mar Egeu.

Considerado, no Ocidente, a pai da medicina veterinária, estudou a profissão em Alexandria e foi o veterinário-chefe do exército de Constantino, o Grande.

Arma decisiva

É preciso recordar que, naquela época como em muitas posteriores, a cavalaria era uma arma decisiva de combate o que significa dizer que a saúde dos animais era questão estratégica.

Apsirtos exerceu a profissão nas cidades de Peruza e Nicomédia (Ásia Menor) fundando uma verdadeira escola de hipiatria. Em seus estudos, ele citou o mormo, o enfisema pulmonar, o tétano, as cólicas, as fraturas, as indicações da sangria as beberagens e os ungëntos que ele preparava. Em suma, ele era um eficiente e respeitado profissional em sua época.

O interesse dos intelectuais

Diversos intelectuais das letras greco-latinas tiverem interesse pelas doenças dos animais. Na Odisséia, de Homero e na Ilíada, e Virgílio, nas Geórgicas, estudaram a fauna.  Aristóteles (384 – 322 aC) que produziu uma verdadeira enciclopédia do conhecimento humano, deixa explícito sua condição de naturalista o que lhe valeu o crédito de fundador da zoologia. Foi ele quem concebeu a primeira classificação do reino animal de que sem tem notícia. É ele o autor  dos excelentes trabalhos Geração Animal, Partes dos Animais e História dos Animais.

Plínio-o-Antigo (23 – 79 dC) escreveu a Historia Naturalis e Varrão (116 – 27 aC), Rerurm Doctissimus Rusticarum.

Simultaneamente à hipologia, que tinha mais importância, começou a desenvolver-se o interesse por outras espécies. Foi quando começaram a atuar os especialistas: o “medicus pecuarius”, ou médico de gado; o “mulumedicus”, também conhecido como “equorum medicus”, que eram os médicos militares servindo nas unidades montadas de escol da legiões romanas.

Enquanto os gregos dedicaram-se mais a escrever sobre doenças de cavalos, os romanos produziram mais trabalhos relativos ao melhoramento das raças, ou seja, à zootecnia.

A decadência do  Império Romano teve reflexos negativos tanto na medicina humana como na medicina veterinária.

A conquista de Constantinopla, pelos turcos, em 1453, assinalou o fim da Idade Média e o desenvolvimento da medicina perdeu sua velocidade.  Para tanto, influíram a instabilidade política reinante na época e a cristandade para a qual era tabu preocupar-se em curar os corpos antes de cuidar das almas. O que importava, verdadeiramente, era cuidar da alma visto que o sofrimento era exaltado e a doença, sagrada. Amar o corpo era uma forma de idolatria e era somente através da supressão dos prazeres dos sentidos que era possível devolver à alma a sua pureza original.

O ensino da medicina foi, então, relegado a um segundo plano entre as prioridades do período medieval, estimulando as superstições. Isso, entretanto, não impediu que nos principais conventos, onde a caridade era cultivada, a preocupação com a cura das doenças fosse desenvolvida e os conhecimentos médicos preservados em suas bibliotecas. As abadias de Salerno e de Montecassino, na Itália, são dois bons exemplos, assim como os monastérios do lago de Constança. Mas, durante todo um período de mil anos, era mais importante cuidar da alma do que do corpo.

O ensino médico foi, em grande medida, transferido para as regiões dos mouros e os árabes foram os maiores beneficiários da fuga de cérebros, facilitando a imigração de teóricos e práticos das artes médicas e criando nas terras infiéis, notadamente, em Córdova,

Sevilha e Granada, escolas orientadas no sentido do progresso das ciência médicas, com ênfase para as médico-veterinárias. Os árabes – que gostavam tanto dos cavalos quanto das mulheres – foram os continuadores do pensamento greco-latino. Foi nas faculdades dos califados hispânicos que manteve-se acesa a chama do desenvolvimento da veterinária.

O papel da Espanha

A Espanha  teve um papel destacado na criação e no desenvolvimento da medicina veterinária racional, durante o reinado de Afonso V de Aragão, quando foi criado o cargo de “albeitar”.  Esse vocábulo deriva do nome árabe – Eb-Ebb-Beithar –  do famoso médico de animais espanhol. Os reis católicos Fernando e Isabel instituíram o Tribunal de Proto-albeiterado para examinar os candidatos e outorgar, aos aprovados, o título de “albeitar” com o cargo correspondente. Um antecessor do MSc ou do PhD.

Em 1564, o médico veterinário espanhol Francisco de La Reyna, que desenvolveu estudos básicos sobre a circulação sanguínea, publicou o Livro de Albeytaria.

Ao tempo do Brasil Colônia, o termo foi aportuguesado para “alveitar” e, a partir de 1810 serviu para designar os médicos veterinários práticos da cavalaria militar.

Apesar das restrições dos cristãos e paralelamente às organizações monásticas, houve uma certa rebeldia contra o marasmo em que haviam caído os estudos da medicina, principalmente na Sicília, durante o século XIII,  nos reinados de Rogério II e do imperador Frederico II.  Este, era conhecido como o “sultão cristão da Europa” por ser um apaixonado zoólogo.

Na Europa, ao tempo em que ainda não tinham sido fundadas as escolas de veterinária, os curiosos que atuavam de forma empírica, sem nenhuma base científica, nos países de língua latina eram denominados “marechais-ferradores”; na Alemanha, de “rossartz” e na Inglaterra, “ferries”.

O nascimento da palavra veterinário

A palavra “veterinário” nasceu em 1748, na Inglaterra (veterinary), traduzida do livro “Vegesius Renatus, romano do século V aC, autor do tratado “Artis Veterinariae”.

Um dos mais famosos veterinários do século XIII, que trabalhava basicamente como cirurgião, foi Jordanus Ruffus que, ao tempo de Frederico II,  revelou-se bom anatomista e patologista.

No século XVI havia grandes clínicas veterinárias na China, onde também foram publicados diversos tratados sobre doenças de animais, embora a hipoiatria (a medicina de cavalos) não tivesse atingido o mesmo grau de desenvolvimento entre persas e árabes.

O primeiro tratado de anatomia eqüina do Ocidente foi publicado por Carlo Ruini – nascido em Bolonha, Itália, filho de família rica – e publicado pouco depois da sua morte, em meados do século XVI.

O livro foi plagiado durante vários anos, inclusive com os erros.

No século XVIII, a situação da medicina animal era ainda muito precária.  Os centros de formação profissional embora prestigiados careciam de base científica.  Na Alemanha, os Marställe (cavalariços) formavam alunos para trabalhar na tropa, e na França, os Maréchaux-traitants (empregados de cavalariças que cuidavam do tratamento dos animais, eram organizados em instituições profissionais.  Na Inglaterra, não era raro que médicos cirurgiões humanos, mal pagos no interior, migrassem para os grandes centros onde se transformavam em médicos de grandes animais.  Mas, na grande maioria dos casos a saúde dos animais era entregue a gente sem preparo técnico algum.

O sentimento prevalente em relação aos animais era o de descaso o que redundava em grande mortalidade, mas, pessoas mais cultas e melhor informadas, reconheciam a importância, para o bem estar humano, dos animais de produção e lutavam em favor da fundação de escolas de veterinária.  Os opositores alegavam a diferença entre homens – que têm alma – e os animais – que não têm alma, como justificativa contra a criação das escolas para ensino da medicina dos animais. A isso acrescentava-se o desprezo vigente na época pelas pessoas que manipulavam cadáveres de animais. Para se ter uma idéia desse desprezo: na Alemanha, os magarefes não tinham direito à cidadania e não podiam testemunhar em juízo e, ao contrário do que recomendaria o mais elementar bom senso, seu prestígio ainda ficava menor porque cabia a eles sacrificar os cães acometidos de raiva. E o desprestígio ainda era maior quando os veterinários do interior também tinham a função de carrasco.

O próprio Goethe, intelectual, ícone da literatura alemã e do romantismo europeu, com incursões pela ciência, confessou a animosidade que enfrentou por ter defendido a criação de um instituto de veterinária na cidade de Jena (onde, em 14 de outubro de 1806 se enfrentaram o exército de Napoleão e as tropas prussianas comandadas por Frederico Guilherme III, que foram derrotadas).

Os eruditos da Academia de Berlim achavam indigno o trabalho de “vasculhar as entranhas animais”.  As associações comercias, entretanto, preocupadas com os prejuízos causados pelas epizootias, pensavam de modo diferente ao mesmo tempo em que na França os enciclopedistas trabalhavam no sentido de remover os obstáculos intelectuais que impediam o estudo científico das doenças dos animais. Foi nesse clima que surgiu a primeira escola de veterinária do mundo, na cidade francesa de Lyon.