No mês de novembro de 1996 Chefes de Estado e de Governo reunidos na Cúpula Mundial da Alimentação, em Roma na Itália, a convite da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reafirmaram o direito de todos os cidadãos a terem acesso a alimentos seguros e nutritivos, em consonância com o direito fundamental de uma alimentação adequada e não sofrerem de fome, o que se chamou de “Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar Mundial”.

A Cúpula teve como princípios orientadores identificar soluções e pressionar a tomada de ação dos líderes e demais integrantes do sistema alimentar, governos, empresas e cidadãos, de modo a gerar ações significativas e progressos que pudessem ser mensurados de alguma forma, propagar a conscientização e promover a discussão pública na sociedade sobre a importância de transformar os sistemas alimentares, desenvolver princípios orientadores que guiem as ações de forma a apoiar a implementação dos objetivos do desenvolvimento sustentável, para que todas as partes interessadas compreendessem a alimentação como fundamental para a construção de um mundo mais sustentável e por fim, criar um sistema de acompanhamento e revisão para medir e analisar o impacto da Reunião, trocar experiências, lições, conhecimentos e continuar a impulsionar novas ações e avanços.

Ao considerarem a pobreza como a maior causa de insegurança alimentar concluíram que o desenvolvimento sustentável capaz de erradica-la, é crucial para melhorar o acesso aos alimentos com a visão de que, conflitos, terrorismo, corrupção e degradação do meio ambiente também contribuem significativamente para a insegurança alimentar.

Esforços para o aumento da produção de alimentos, incluindo os de base, são estimulados dentro de um quadro sustentável de gestão dos recursos naturais, eliminando modelos de consumo e produção não sustentáveis, particularmente nos países industrializados.
O reconhecimento da prioridade da revitalização das zonas rurais com o objetivo de reforçar a estabilidade social e impedir o êxodo rural, reforçado pela contribuição fundamental da mulher como necessária para a promoção da igualdade entre homens e mulheres, foi outro tema considerado como necessário durante os debates.

Sistema Alimentar

O sistema alimentar engloba todos os indivíduos e processos envolvidos na produção, industrialização, abastecimento, distribuição e consumo de alimentos, ou seja, dos agricultores aos consumidores.

Fome é a sensação fisiológica desconfortável ou dolorosa pela qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter suas atividades inerentes à vida ou também termo comumente utilizado em sentido mais amplo para se referir a casos de desnutrição ou privação de comida entre as populações, que em casos crônicos, pode levar a um mal desenvolvimento e funcionamento do organismo.

Insegurança alimentar é um estado de incerteza sobre a capacidade de obter alimentos sendo forçado a comprometer a qualidade nutricional e/ou quantidade dos alimentos consumidos.

O Retrocesso

Em 2020 a fome no mundo disparou em termos absolutos e proporcionais, ultrapassando o crescimento populacional estimando-se que cerca de 9,9% de todas as pessoas tenham sido afetadas, ante 8,4% em 2019, com aumento acentuado na África onde a prevalência estimada em 21% da população foi mais do que o dobro de qualquer outra região. Mais da metade de todas as pessoas enfrentando a fome, 418 milhões, vive na Ásia, mais de um terço, 282 milhões, na África e uma proporção menor, 60 milhões, na América Latina e no Caribe.

Mais de 2,3 bilhões de pessoas (ou 30% da população global) não tiveram, em 2020, acesso a alimentação adequada caracterizando insegurança alimentar moderada ou grave aprofundando inclusive a desigualdade de gêneros por acometer 11 mulheres para cada 10 homens. Estima-se que mais de 149 milhões de crianças menores de 5 anos sofreram de desnutrição crônica ou eram muito baixas para sua idade, mais de 45 milhões tinham desnutrição aguda ou eram muito magras para sua altura e quase 39 milhões estavam acima do peso.

O relatório de 2021 sobre “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (SOFI)” concluiu que nos últimos anos, vários fatores importantes colocaram o mundo fora do caminho para acabar com a fome e a desnutrição em todas as suas formas até 2030, desafios que aumentaram com a pandemia COVID-19 e as medidas de contenção a ela relacionadas. Três dos principais fatores por trás das mudanças recentes na segurança alimentar e nutricional identificadas nas últimas quatro edições do relatório foram: conflito, variabilidade climática a extremos e desacelerações econômicas, exacerbadas pelas causas subjacentes da pobreza em níveis muito altos e persistentes de desigualdade.

Os avanços

O Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU) que trata da fome e promove a segurança alimentar ao fornecer em média a cada ano, alimentos para 90 milhões de pessoas em 80 países incluindo 58 milhões de crianças, foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz 2020 por suas ações no combate à fome no mundo através de esforços para prevenir o seu uso como arma de guerra e conflitos e consequente contribuição para a paz nas áreas atingidas.

Alimentar a população do planeta sem exaurir seus recursos é um desafio bem mais complexo do que simplesmente oferecer soluções inovadoras ao mercado, base de um artigo publicado pela Embrapa sob o título “Alimentar o planeta com sustentabilidade dependerá de inovação” que relata um estudo realizado por um grupo de 48 cientistas de 13 países publicado na revista Nature Food. Simples melhorias como pequenos aumentos nas produções de lavouras, criações e indústrias, não serão suficientes para tornar os sistemas alimentares globais capazes de alimentar a crescente população mundial de maneira sustentável, relata o pesquisador da Embrapa Maurício Antônio Lopes, único brasileiro a participar do estudo, complementando pela necessidade de uma transformação radical do sistema alimentar”,

O Futuro

O relatório especial das Nações Unidas para o direito à alimentação adequada definiu como inerente a todas as pessoas o acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, respeitando às tradições culturais de cada povo, a garantir uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva.

Na área da produção nota da Embrapa intitulada “ Segurança Alimentar Pós Covid 19, Megatendências dos Sistemas Alimentares Globais” de autoria do pesquisador Mario Alves Seixas da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas cita que as inovações que tem sustentado a evolução da produção agrícola, serão fundamentais para o enfrentamento do desafio de garantir a segurança alimentar do futuro, estimando que os principais avanços venham das novas tecnologias de automação e robótica, da hiperconectividade e acesso à internet, das novas tecnologias empregadas no melhoramento vegetal e animal, nos sistemas mais avançados de gestão de recursos e na melhor compreensão da relação alimentos-consumo-saúde humana.

Para o Relatório SOFI 2021 os formuladores de políticas devem delinear seis caminhos de transformações quais sejam: Integrar políticas humanitárias de desenvolvimento e de construção da paz em áreas de conflito; Ampliar a resiliência climática através do oferecimento aos pequenos agricultores de amplo acesso a seguro contra riscos climáticos e financiamento baseado em previsões; Fortalecer a recuperação dos mais vulneráveis à adversidade econômica; Intervir ao longo das cadeias de abastecimento para reduzir os custos de alimentos nutritivos; Combater a pobreza e as desigualdades estruturais estimulando cadeias de valor de alimentos em comunidades pobres por meio de transferências de tecnologia e de programas de certificação e fortalecer os ambientes alimentares mudando o comportamento do consumidor.

No artigo “ A produção de alimentos no futuro passará por processos de ruptura” a autora Stefhani Romanhuk cita que a forma tradicional de se produzir alimentos no futuro passará pelo emprego da biotecnologia, inteligência territorial, transformação digital, resultando em novas formas de monitoramento, gestão e prestação de serviços.

Pelo lado do consumidor a difusão de informações irá avançar no sentido de maior atenção destes para os aspectos inerentes a higiene e sanidade dos alimentos e maior compreensão sobre a importância dos conhecimentos para escolhas conscientes e apropriadas dos alimentos, seu armazenamento e manipulação durante o preparo culinário.

Na área da comercialização, o novo consumidor exigirá cada vez mais, qualidade sanitária e nutritiva, atendimento de forma individualizada, informações precisas sobre o que está comprando e responsabilidade socioambiental dos fornecedores.

Por certo muito há ainda o que fazer na busca pela igualdade para todos no sistema alimentar. Não se concebe como básico que em um mundo com 850 milhões de famintos ou subnutridos, o desperdício de alimentos chegue a 1,3 bilhões de toneladas anuais ou praticamente 25% de tudo o que é produzido. É necessário que os exemplos de união entre os povos estimulados na Declaração de Roma, possam ser traduzidos em ações concretas para uma humanidade que se avizinha em 9 bilhões de pessoas em pouco menos de 30 anos. O direito fundamental a uma alimentação adequada para todos, passará pelo esforço universal na compreensão de que somente será possível com o comprometimento daqueles que tem o poder político e social, amparado pelo maior conhecimento das pessoas sobre os seus direitos civis, a exigirem com serenidade e firmeza o que lhes é por justiça.