Estudo mostra que as características do pelo influenciam a capacidade do animal em ganhar ou perder calor para o ambiente

Cientistas brasileiros e estrangeiros pesquisaram a influência das características da pelagem de bovinos no bem-estar animal e na adaptação a temperaturas extremas, por meio de avaliações da termorregulação corporal em diferentes condições ambientais.

O estudo aborda as respostas termorregulatórias e a estrutura dos pelos de touros das raças Nelore e Canchim criados em sistemas sombreados de integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e em sistemas com menor disponibilidade de sombreamento natural (NS).

Foto: Gisele Rosso

O papel da ciência, diante das mudanças climáticas, é identificar e propor possíveis soluções e formas de reduzir os problemas causados pelo desequilíbrio no clima. O mundo vem sofrendo com eventos climáticos extremos nos últimos anos, de maneira mais frequente, causando danos sem precedentes aos humanos e aos animais.

De acordo com o pesquisador e coordenador do trabalho, Alexandre Rossetto Garcia, da Embrapa Pecuária Sudeste (SP), as características do pelo influenciam a capacidade do animal em ganhar ou perder calor para o meio. Esses aspectos são relevantes do ponto de vista de adaptação aos desafios climáticos.

Segundo ele, os bovinos mantidos em ambientes que promovem conforto térmico expressam melhor seu potencial genético, aprimorando, assim, o seu desempenho produtivo. Os dados indicam que a temperatura média do ar e a radiação incidente na Integração Lavoura Pecuária Floresta(ILPF) foram menores, principalmente no verão, demonstrando o efeito favorável do componente arbóreo nas estações quentes.

A copa das árvores atua como uma barreira física, reduzindo a carga de calor e proporcionando um ambiente mais ameno para os animais. Já a estrutura dos pelos, incluindo o número de fios por unidade de área, influencia a quantidade de calor transmitida pela pelagem para o ambiente externo, bem como a radiação absorvida pelo animal.

Os pelos servem de escudo para o animal contra choques mecânicos, além de ser uma proteção importante da pele. A pele e os pelos funcionam como uma barreira física para retenção de calor em casos de frio intenso, mas também auxiliam na perda de calor quando está muito quente.

“Por isso, temos interesse em estudar a pele e seus anexos e, assim, entender como as raças criadas em regiões tropicais usam essas características morfológicas para se adaptar ao ambiente em que vivem”, observa o pesquisador.

Ele lembra ainda que, em um país tropical, como o Brasil, com elevadas temperaturas, umidade relativa do ar alta em boa parte do ano e significativa intensidade de radiação solar, os animais são postos à prova constantemente, principalmente quando criados a pasto.

Foto: Alexandre Rossetto Garcia

Adaptação define critérios de seleção genética

Esse cenário exige a adoção de estratégias para melhorar a eficiência dos sistemas de produção por meio de intervenções positivas nos seus componentes bióticos e abióticos. “Entender como os bovinos se adaptaram ao longo do tempo e identificar aqueles que têm características desejáveis e que possam ser transmitidas geneticamente, é fundamental para trabalhar critérios de seleção, visando à construção de gerações futuras de animais mais resilientes”, complementa.

O cientista explica que o estresse térmico é um dos principais fatores envolvidos na redução do desempenho e produtividade animal. Sob condições de desconforto pelo calor, os bovinos tentam dissipá-lo, ativando mecanismos tegumentares (da pele e estruturas anexas a ela), cardiorrespiratórios e endócrinos, essenciais para a adaptabilidade.

“Dessa maneira, algumas características morfológicas são cruciais para a adaptação térmica, afetando diretamente os mecanismos de troca de calor entre o animal e o ambiente”, acrescenta.

O primeiro aspecto importante é a coloração do pelo, conforme explica o pesquisador, Quanto mais escura, menor é a capacidade de reflexão da luz solar, ou seja, mais radiação é absorvida. A maior parte do rebanho brasileiro é criado a pasto, sujeito a todas as variações e intempéries climáticas. Mas não basta ter o pelo claro, a densidade também é relevante. Quanto maior a cobertura de pelos, mais protegida a pele.

“Também há que se observar o comprimento e a espessura dos fios. Pelos mais longos podem dificultar a perda de calor, o que é prejudicial no calor, mas positivo no inverno. Os fios ainda têm uma inclinação e esse ângulo tem influência na altura do pelame, que varia no inverno e no verão. Os pelos mais grossos asseguram maior proteção contra a radiação solar direta, protegendo a pele”, comenta.

Foto: Alexandre Rossetto Garcia

O estudo

Para chegar ao resultado, o experimento avaliou cerca de 40 mil amostras de pelos de 64 touros adultos, durante 12 meses, aproximadamente, com medições repetidas no inverno e no verão. Foram acompanhados 32 animais da raça Nelore (Bos indicus) e 32 touros Canchim (composição: 5/8 Bos taurus × 3/8 Bos indicus), distribuídos igualmente entre dois sistemas de pastejo rotativo intensivo.

O estudo mostrou que a pelagem do Canchim, que é uma raça formada a partir de animais zebuínos e animais taurinos da raça Charolês, tende a ser menos densa do que a do Nelore, resultando em uma menor quantidade de pelos por unidade de área. Os fios do Canchim são geralmente mais finos em comparação aos do Nelore.

“Essa menor espessura permite uma adequada troca de calor com o ambiente, sendo benéfica em climas mais temperados. Sua cor creme em várias tonalidades, até o amarelo claro, ajuda a refletir a radiação solar, reduzindo a absorção de calor”, explica Garcia.

Além disso, o comprimento dos pelos da raça Canchim é intermediário, proporcionando uma cobertura suficiente para proteção contra insetos e fatores ambientais. Devido à menor densidade e menor espessura dos fios, a pelagem facilita a dissipação de calor, o que é vantajoso em ambientes onde a temperatura pode variar significativamente. Isso contribui para a capacidade dos animais de se adaptarem a diferentes condições climáticas.

Já na raça Nelore, conhecida por sua excelente adaptação a climas tropicais, a pelagem é densa, com grande número de pelos por unidade de área. Essa densidade oferece uma barreira física significativa contra a radiação solar. Os fios são grossos, o que proporciona maior proteção contra a radiação direta e reduz a penetração de calor na pele. A coloração geralmente varia do branco ao cinza claro.

A cor clara ajuda a refletir a radiação solar, minimizando a absorção de calor e ajudando a manter a temperatura corporal. “O pelo curto facilita a dissipação de calor e evita o acúmulo de umidade e sujeira, contribuindo para a manutenção da saúde da pele”, observa o coordenador do estudo.

A conclusão foi que as características na pelagem das duas raças são importantes para a termorregulação e desempenho. O Canchim, que possui alta capacidade de dissipação de calor, pode se adaptar melhor a variações climáticas. Enquanto isso, o Nelore, com uma pelagem que oferece proteção contra a radiação solar, é mais eficiente em manter a temperatura corporal estável em ambientes quentes.

Impactos

Os resultados dessa pesquisa destacam a importância de considerar o conforto térmico e as características físicas da pelagem dos bovinos para otimizar o desempenho produtivo em diferentes sistemas de criação. O estudo reforça a necessidade de integrar práticas agropecuárias sustentáveis para garantir a saúde e o bem-estar dos animais.

A adoção de sistemas integrados, como a ILPF, pode ser uma estratégia eficaz para melhorar o conforto e a produtividade dos bovinos, beneficiando tanto os produtores, com ganho em produtividade, quanto o meio ambiente.

Os esforços dos pesquisadores para a mitigação e a adaptação, envolvendo tecnologias, intervenções e melhores práticas de manejo que equilibrem prioridades ambientais, sociais e econômicas, estão vinculados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),  principalmente a meta 13, de ação contra a mudança global do clima. O trabalho determina novos caminhos para responder aos impactos da crise climática a que o planeta está submetido.

Os resultados estão publicados no artigo Adaptive integumentary features of beef cattle raised on afforested or non-shaded tropical pastures, da revista Nature Scientific Reports.

Por André Casagrande com informações da Embrapa Pecuária Sudeste
Foto: Juliana Sussai