A agricultura e a pecuária familiares têm dinâmica e características distintas da não familiar. Nela, a gestão da propriedade é compartilhada pela família e a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte geradora de renda.

A Declaração de Roma sobre a segurança alimentar mundial e plano de ação da cúpula mundial da alimentação, apresenta como compromisso o estimulo às famílias e comunidades rurais à adaptarem tecnologias baratas e práticas inovadoras aliado à promoção e distribuição de investimentos públicos e privados, para promoção dos recursos humanos, dos sistemas alimentares, agrícolas, pesqueiros e florestais sustentáveis, e o desenvolvimento rural em áreas de baixo e alto potencial.

No artigo “Agricultura familiar: evolução favorável em anos recentes” a autora Elvin Maria Fauthde considera a agricultura familiar como uma das melhores formas de ocupação do espaço rural, favorece o cumprimento de exigências sociais, como a geração de emprego e renda, e ambientais como a conservação da biodiversidade. Mostrando processos produtivos multivariados de cultura, os agricultores familiares ao mesmo tempo que são produtores de alimentos e de outros produtos agrícolas e pecuários, podem desempenhar a função de guardiões do meio ambiente através da denominada economia sustentável, com papel fundamental nas metas de segurança alimentar e nutricional, que já começam a ser percebidas pela sociedade.

Além disto, os agricultores familiares situam-se num contexto de grandes transformações do meio rural através de novas atividades econômicas (indústrias, turismo, lazer, comércio, artesanato, serviços profissionais especializados, etc…) exigindo que sejam cada vez mais “empresários” a agregarem valor à produção por meio do beneficiamento e da transformação caseira ou artesanal, com a visão da cadeia de valor do produto.

Os autores Andréia Savoldi e Luiz Alexandre Cunha no artigo “Uma Abordagem sobre a Agricultura Familiar, Pronaf e a Modernização da Agricultura no Sudoeste do Paraná na Década de 1970”, tipificam a agricultura familiar em: Família agrícola de caráter empresarial e conhecido como o “verdadeiro agricultor”, que possui uma estrutura econômica, social, técnica e patrimonial que lhe garante investir em uma produção rentável e voltada, sobretudo, para o mercado; Família camponesa, que tem como principal objetivo a manutenção da produção agropecuária e da propriedade familiar, sem orientar sua prática pelos padrões produtivistas de mercado; e Família agrícola urbana, que tem sistema de valores próprios que orientam a produção com foco na qualidade de vida, sem desmerecer, de um lado, a realidade de mercado, e de outro, os valores da família camponesa.

Para Lauro Mattei “O Papel e a Importância da Agricultura Familiar no Desenvolvimento Rural Brasileiro Contemporâneo” a agricultura familiar está inserida no processo produtivo desde o início do processo de ocupação do território brasileiro, então chamada de agricultura de subsistência, inicialmente com as monoculturas e posteriormente, após o fracasso destas, como subsistência de baixa capacidade produtiva inserida no histórico-estrutural do processo produtivo. É uma forma de produção que procura estabelecer sistemas produtivos focados na biodiversidade, na valorização do trabalho familiar, na inclusão de jovens e de mulheres, na produção de alimentos destinados à segurança alimentar e nutricional da população brasileira e na promoção da democratização do acesso à terra e aos demais meios de produção, como estratégia de construção do desenvolvimento rural sustentável.

Na publicação de Sandro Pereira Silva do Instituto de Pesquisa Econômica aplicada, Ipea, intitulada “Agricultura Familiar e suas Múltiplas Interações com o Território: Uma análise de suas Características Multifuncionais e Pluriativas” a agricultura familiar exerce um papel central no desenvolvimento de diversos municípios e microrregiões brasileiras, sobretudo quando se leva em conta a conservação dos recursos naturais e ambientais, e a oferta de produtos e serviços que são essenciais para a sobrevivência de famílias que não residem em áreas rurais.

Unidade Familiar de Produção Agrária

O Decreto nº 9.064, de 31 de maio de 2017 define como Unidade Familiar de Produção Agrária, UFPA, o conjunto de indivíduos composto por família, que explore uma combinação de fatores de produção, com a finalidade de atender à própria subsistência e à demanda da sociedade por alimentos e por outros bens e serviços, e que resida no estabelecimento ou em local próximo a ele.

Se caracteriza por ser a gestão do estabelecimento ou do empreendimento estritamente familiar, possuir área de até quatro módulos fiscais, utilizar predominantemente mão de obra familiar nas atividades econômicas e auferir no mínimo metade da renda familiar através desta atividade.

Por estabelecimento agropecuário é entendida toda unidade de produção ou exploração dedicada, total ou parcialmente, às atividades agropecuárias, florestais ou aquícolas, independentemente de seu tamanho e de sua forma jurídica, se pertencente a um ou a vários produtores, a uma ou a um conjunto de empresas.

Como incentivo às agroindústrias de pequeno porte e aos princípios de inclusão social e razoabilidade, quanto às exigências necessárias para promoção da segurança sanitária dos alimentos de origem animal, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento as conceitua como estabelecimentos de agricultores familiares ou de produtor rural, de forma individual ou coletiva, com área útil construída de até 250m2, dispondo de instalações para abate ou industrialização de animais produtores de carnes, processamento de pescado ou seus derivados, processamento de leite ou seus derivados, processamento de ovos ou seus derivados e processamento de produtos das abelhas ou seus derivados.

Censo Agropecuário IBGE 2017

De acordo com o Censo Agropecuário, IBGE, 2017, existem no Brasil 5.073.324 estabelecimentos agropecuários com 15.105.125 pessoas ocupadas, o que corresponde a 76,8% de todos os estabelecimentos rurais do país. No quantitativo do valor, a produção da agricultura familiar gerou receita de 106,5 bilhões de reais (23% do total), enquanto a geração de receita da agricultura não familiar foi de 355,9 bilhões de reais (77% do total).

Apesar da relevância econômica e social da agricultura familiar, para o Professor Rodolfo Hoffmann, em artigo publicado na revista Segurança Alimentar e Nutricional, editada pela UNICAMP, não faz sentido a afirmação de que o percentual produzido no Brasil pode corresponder a 70% da agricultura familiar, uma vez que, a grande heterogeneidade dos alimentos não permite correlacionar as quantidades físicas entre eles. Para exemplificar cita, com base nos dados do Censo Agropecuário 2016-2017, que foi elaborada uma lista com uma cesta de 65 produtos agrícolas, abrangendo a produção de grãos, cana-de-açúcar, hortaliças e espécies frutíferas. No conjunto desses 65 produtos, a participação da agricultura familiar foi de apenas 5,7%, entretanto quando se exclui a soja, o milho, o trigo e a cana-de-açúcar, que são culturas industriais cultivadas em médias em grandes áreas, a participação da agricultura familiar alcançou 30% do total produzido em toneladas.

Atividade Familiar

Entretanto, não se pode deixar de considerar que a agricultura e pecuária familiar reúne o maior número de unidades produtivas no país e contribuem com parcela significativa de empregos associados às atividades agropecuárias, artesanais e agroindustriais, a ele vinculadas, seja no campo ou na cidade. Observando apenas esses aspectos básicos, pode-se depreender que possui um papel importante para a segurança alimentar nacional, ao colaborar com o consumo interno e alimentar das cadeias locais e regionais de produção e distribuição de alimentos e derivados.

Por oportuno é importante considerar que, em confronto com o censo agropecuário de 2016, os dados do censo 2017 referentes ao número de pessoas ocupadas, demonstram que aumentou muito o número de estabelecimentos em que o produtor está buscando trabalho fora, diminuindo em consequência a mão de obra da família e a média de pessoas ocupadas. Outro fator a considerar é o envelhecimento dos chefes das famílias, ao mesmo tempo em que os filhos optam por outras atividades fora do domicílio agrícola, acrescido do aumento da mecanização.

De grande relevância é o fato de ser a pecuária familiar baseada na produção extensiva, se caracterizando por respeitar o meio ambiente em que está inserida e pela forma de condução das práticas de manejo. Em todos os biomas brasileiros é possível encontrar produtos elaborados e comercializados pela pecuária familiar, com destaque para leite, carne suína, bovina e de aves. O Censo Agropecuário, IBGE 2017, mostra que 31% do número de cabeças de bovinos, 45,5% das aves, 51,4% dos suínos, e 70,2% de caprinos pertencem à pecuária familiar, sendo este segmento responsável por 64,2% da produção de leite.

Assim o Brasil, este país de dimensões continentais, que tem no agronegócio sua maior relevância no mundo, tem na agricultura e pecuária familiares, uma mola impulsionadora de tamanha grandeza, fruto do trabalho diuturno, muitas vezes desconhecido e mal recompensado financeiramente, de tantos quantos ainda acreditam que sem o trabalho no campo as cidades não sobreviveriam.