Autores: Breno Reis Corrêa Arigoni, Clarisse Barbi Lucchetti Caetano, Daniel Yusa Dominguez Freitas, Emmylyn Soares Lorosa, Jaqueline Lima de Miranda e Mariana Oliveira Lourenço – Discentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Sob a supervisão de Prof. Clayton Bernardinelli Gitti e Prof. Edson Jesus de Souza – Docentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

  1. A doença

A cinomose é uma doença infectocontagiosa, causada pelo vírus da Cinomose Canina (CDV), da Família Paramyxoviridae e gênero Morbilivirus e que clinicamente apresenta-se de forma multissistêmica, cursando com quadros respiratórios, gastrintestinais e neurológicos (alterações no comportamento, crises epiléticas, mioclonias, ataxia, paraplegia, hipermetria, etc). Vale citar que a fase neurológica apresenta sinais clínicos graves e, por vezes, incompatíveis com a vida do animal, dependendo do grau de comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC), estirpe viral, idade e estado imunológico. A desmielinização pode ocorrer na fase inicial da doença, quando ainda não há inflamação ou na fase mais crônica em que normalmente a inflamação está frequentemente presente.

É considerada uma doença endêmica que apresenta altos índices de morbidade e mortalidade. Os canídeos são os principais animais afetados, podendo acometer indivíduos de todas as idades, em especial filhotes não vacinados. A transmissão ocorre via contato direto com animais sadios e infectados, além do contágio indireto por fômites e ambiente contaminado.

O diagnóstico é realizado com base nos sinais clínicos, anamnese, exames laboratoriais, pela visualização de corpúsculo de inclusão de Lentz em esfregaço sanguíneo e em impressões das mucosas nasais, vaginal e principalmente conjuntival, porém, a ausência deles (falso negativo), não exclui definitivamente a infecção pelo vírus da cinomose. Também é possível realizar exames sorológicos, como ELISA e Imunocromatografia e por biologia molecular com o RT-PCR.

O tratamento convencional se dá por meio de antibioticoterapia, fluidoterapia, anticonvulsivantes, antidiarreicos, antiperistálticos, antipiréticos, complexos vitamínicos e aplicação de soro hiperimune específico. A utilização de antivirais, como a ribavirina, ainda é controversa.

É válido ressaltar que a morte geralmente resulta do acentuado envolvimento do SNC ou da infecção bacteriana secundária. Com isso, quando o SNC for acometido, as drogas terão menos eficácia, porque apesar do SNC possuir células com potencial regenerativo, ele deixa de recrutar de forma efetiva as células para realizarem uma nova função.

Atualmente, estão surgindo novas perspectivas complementares ao tratamento alopático, como a acupuntura, eletroacupuntura, fisioterapia, canabidiol e a utilização de células-tronco, na tentativa de obter a melhora do prognóstico e evitar as sequelas neurológicas geradas pela doença, a fim de proporcionar o bem-estar aos animais.

  1. Terapia celular:

As células-tronco são células indiferenciadas, com grande capacidade de multiplicação e diferenciação, podendo ser classificadas:

– Quanto a natureza: embrionárias ou adultas (hematopoiéticas, mesenquimais, neurais, da pele, do cordão umbilical, entre outras).

– Quanto a potencialidade: unipotente, oligopotente, totipotente (origem a todos os tipos de células embrionárias e extra-embrionárias), pluripotentes (todos os tipos de células embrionárias) e multipotentes (originam células mesenquimais).

Atualmente, as células tronco mesenquimais vêm ganhando destaque para a utilização em terapias celulares, principalmente com o objetivo de reduzir sequelas neurológicas. De modo geral, os locais de eleição para extração das células tronco mesenquimais são: medula óssea, medula espinhal, vasos sanguíneos, cordão umbilical, músculos esqueléticos, tecido adiposo, entre outras. Dentre os quais destaca-se a medula óssea pelo fácil acesso e a presença de grande quantidade de células. Com relação aos modos de aplicação, é possível citar as vias intravenosa, intratecal, epidural, intra/perilesional.

A utilização de células-tronco autólogas, ou seja, provenientes do organismo do próprio paciente diminui a probabilidade de rejeição imunológica e a necessidade de estoque celular em bancos de tecidos.

As células-tronco mesenquimais possuem alta capacidade imunomoduladora: migram para áreas lesionadas (áreas de hipóxia, apoptóticas ou inflamadas) e produzem, principalmente, citocinas e fatores de crescimento. Essas substâncias possuem diversas ações no mecanismo de reparo tecidual: prevenção de apoptose; proteção de células viáveis; efeitos anti-inflamatórios; potencialização da angiogênese; indução e diferenciação das células tronco adjacentes.

A utilização da terapia celular com células-tronco busca minimizar os sinais e as sequelas neurológicas, manter a integridade celular e promover reparo tecidual, com objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Quanto à legislação vigente, o tratamento com células-tronco passou a ser regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) em outubro de 2020.

  1. Terapia celular em cães com cinomose:

Um dos benefícios do uso da terapia celular com célula tronco é a baixa rejeição imunológica e por serem supostamente intermináveis, sendo assim, sem necessidade de estoque celular (BRUNO et al., 2001; SOUZA et al., 2005).

No caso da cinomose, que em fase neurológica afeta os nervos cranianos, as células-tronco mesenquimais atuam na minimização das sequelas decorrentes da sua degradação neurológica. Através de seu mecanismo de ação sobre as células do sistema nervoso atuando na diminuição da inflamação através da redução da infiltração de macrófagos, auxiliando na formação de novos vasos sanguíneos a partir dos já existentes e reduzindo a morte celular.

No caso de doenças que afetam o SNC, como a cinomose, as células-tronco mesenquimais conseguem ultrapassar a barreira hematoencefálica através do mecanismo de diapedese. Também se acredita em uma facilidade em alcançar o alvo no SNC devido à ruptura da barreira hematoencefálica, abrindo caminho para a passagem das células.

4. Resultados:

Diversos resultados foram demonstrados a partir dos seguintes estudos citados abaixo:

  • Brito et al. (2010): observaram melhora significativa entre a primeira e segunda aplicação das células-tronco mesenquimais em cães juvenis, porém em cães senescentes notou-se que o resultado ideal somente foi alcançado a partir da terceira aplicação das células-tronco mesenquimais, sendo indicada uma quarta aplicação. A possível explicação para a diferença na velocidade da resposta ao tratamento entre os animais de idades diferentes é a imunidade mais ativa e responsiva dos animais jovens, além da cronicidade nos animais mais velhos, provocando maior degeneração das estruturas atingidas.
  • Santos et al. (2015): relatam resultados positivos em quatro cães com sequelas neurológicas decorrentes da cinomose que foram tratados com células-tronco mesenquimais, obtidas de tecido adiposo subcutâneo. Como resultado, dois desses animais se recuperaram totalmente das mioclonias, e os quatro apresentaram melhora significativa na ataxia, sendo que um dos animais que apresentava tetraparesia recuperou todos os movimentos.
  • Monteiro (2017): Foi observado que a aplicação de células-tronco mesenquimais, via epidural em 30 animais com sequelas neurológicas relacionadas à cinomose, divididos segundo o grau da lesão (grau I ao grau V) permitiu a redução da lesão em 43,3% dos animais tratados.
  • Gonçalves et al. (2018): realizaram um estudo com 7 animais com sequelas neurológicas ocasionadas pela Cinomose, incluindo tetraplegia e convulsões, sendo observado que após 180 dias de tratamento com células-tronco, os animais obtiveram melhora significativa, inclusive os pacientes tetraplégicos voltaram com os movimentos dos membros.
  • Baldotto, Suelen Berger (2019): Foram extraídas células mononucleares de medula óssea alogeneicas de 5 cães doadores saudáveis e realizada a aplicação em 11 cães com sequelas neurológicas, sendo 7 desses animais com manifestações clínicas agudas e 4 com sinais clínicos crônicos. Dos 7 animais com sequelas agudas ou recentes, 5 apresentaram remissão completa dos sinais clínicos e 2 obtiveram melhora parcial e momentânea. Dos animais com sinais crônicos, 3 apresentaram melhora visível na primeira semana após o transplante, contudo, 2 deles, após curto período de estabilidade, apresentaram novamente os mesmos sinais clínicos vistos antes do transplante.

Pode-se concluir que o tratamento a base de células-tronco para sequelas neurológicas ocasionadas pela Cinomose apresenta resultados promissores na melhora clínica dos animais submetidos, além de representar uma ótima opção de tratamento complementar para doenças de caráter crônico-degenerativo. Porém, é preciso frisar que ainda são necessários mais estudos sobre diferentes aspectos do tratamento sobre os animais, além de fatores farmacocinéticos como a via de administração e dose mais adequada para a doença.

  1. Referências bibliográficas:

MACHADO, R. P… Células-tronco no tratamento de animais com sequelas neurológicas ocasionadas pela cinomose. Orientador: Tatiana Guerrero Marçola. 2019. 25f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Medicina Veterinária) – Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos, 2019.

PAIM, L. L. P., MARIANO, P. C.J.; MACHADO C.P. . (2022). Atualidades no uso de células-tronco para o tratamento de sequelas neurológicas decorrentes da cinomose canina. Pubvet, 16(05). Recuperado de http://ojs.pubvet.com.br/index.php/revista/article/view/32.

MENDES, Alicia Ferraz et al. USO DE CÉLULAS-TRONCO PARA O TRATAMENTO DE SEQUELAS NEUROLÓGICAS DECORRENTES DA CINOMOSE CANINA. REVISTA DE TRABALHOS ACADÊMICOS–CENTRO UNIVERSO JUIZ DE FORA, v. 1, n. 18, 2023.

BARALDI, G.G.; BENTO, N.P. U.; KOBAYASHI, P.E. Uso de células-tronco no tratamento de sequelas neurológicas causadas pela cinomose. Rev. cient. eletrônica med. vet, p. [1–7], 2022.

NASCIMENTO, D.N.S. Cinomose Canina – Revisão de Literatura. Orientador MSc. Alexandre de Rosário Casseb. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Belém-PA, 2009.

SANTOS, A. L., QUEIROZ, L. M. V, OLIVEIRA, L. G. A., MALARD, P. F., GEORGES, J. A. O.; XAVIER, M. C. (2015). Tratamento com células-tronco mesenquimais de cães apresentando sequela neurológica decorrente da cinomose – Relato de caso