A doença, suas causas e consequências:

Dentre as diversas patologias que afetam o rebanho leiteiro, a mastite é uma enfermidade de alta morbidade e de causa multifatorial. A doença cursa com uma inflamação da glândula mamária que leva à alterações físico-químicas indesejadas pelo produtor de leite e pelo consumidor de seus produtos e derivados. A doença quando provocada por Staphylococcus aureus está relacionada à mastite do tipo contagiosa, que comunmente, possui como vetores a mão do ordenhador, panos, esponjas e teteiras mal higienizadas, como também as moscas. As mastites contagiosas causadas por este agente bacteriano possuem alta incidência e os casos subclínicos correspondem à maioria das ocorrências, levando à perdas financeiras tanto pela qualidade prejudicada do leite, quanto pelo gasto necessário em antibióticos no  tratamento da doença, mão de obra médico-veterinária e perda do comercial do animal.

A importância da escolha do antibiótico correto:

O Staphylococcus aureus é uma bactéria, Gram positiva que além de ser um microrganismo frequente nas infecções intramamárias do gado de leite no Brasil, também apresenta variado perfil de resistência antimicrobiana, dificultando a terapêutica e apresentando alta reincidência do quadro de inflamação dos tetos. Por isso, ao iniciar o  tratamento, é importante que o médico veterinário lance mão de cultura e antibiograma, para que seja realizada a identificação do patógeno e a verificação da suscetibilidade antimicrobiana. Este procedimento é de baixo custo e permite o sucesso do tratamento.

A resistência antimicrobiana desenvolvida nos ambientes de produção e os impactos em saúde pública:

A reincidência da infecção leva a um uso estendido de antimicrobianos capazes de gerar uma pressão de seleção de microrganismos resistentes aumentando sua população. O fenômeno da resistência bacteriana é natural e garantiu a sobrevivência das populações de bactérias ao longo da evolução. Já se discute muito sobre a necessidade de monitorar ambientes de produção animal, sabendo da sua significativa participação na dinâmica de disseminação de genes de resistência.

A ocorrência de bactérias resistentes à meticilina que antes eram mais comuns e conhecidas em ambientes hospitalares nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) como é o caso de Staphylococcus aureus, agora já é observada de maneira significativa nos ambientes de produção animal. Em todo mundo, anualmente, cerca de 700.000 mortes são decorrentes de processos infecciosos ocasionados por bactérias resistentes e estima-se que, até 2050, o número de mortos poderá ser de uma pessoa a cada três segundos. O uso indiscriminado de antimicrobianos no tratamento de mastite em bovinos, bem como a contaminação ambiental é alarmante, e o monitoramento do perfil de resistência bacteriana do paciente é fundamental para intervenções medicamentosas mais precisas e eficientes, reduzindo agravos à saúde pública.

Os mecanismos de resistência desenvolvidos pela bactéria Staphylococcus aureus é de preocupação em nível global. Este agente, quando em especial resistente à meticilina é caracterizado como prioridade nível 2 (alta) pela Organização Mundial de Saúde, despertando sobre a necessidade de se elaborar novos fármacos para controle de infecções por ele causada.

Staphylococcus aureus meticilina resistente possuem e expressam o gene mecA, o que lhe confere uma  indução da produção de uma nova proteína ligadora de penicilina (PBP) que apresenta baixa afinidade pelos β-lactâmicos atualmente disponíveis, impossibilitando a realização de tratamentos através da principal classe de antibacterianos adotados na rotina médica e veterinária.

A atuação médico veterinária na saúde única:

O médico veterinário não deve se ater apenas à sua atuação clínica, mas deve também ser educador popular trabalhando de forma integrada com os produtores, conscientizando-os e tornado-os sujeitos ativos na meta de salvaguardar a saúde pública. Deve orientar quanto às práticas de bem-estar e manejo sanitário adequado do ambiente para que se evite ao máximo a necessidade de utilização de drogas antimicrobianas. Quando realmente necessário o uso, também deve alertar sobre a importância de se seguir corretamente o protocolo medicamentoso proposto para que não haja indução da resistência de forma iatrogênica.

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Autor: Lucas Xavier Florenço – discente do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro | Sob a supervisão de Prof. Clayton B. Gitti – Docente do curso de Medicina Veterinária da UFRRJ