Autores: Emmylyn Soares Lorosa, Giovanna Pestana Silva, Maria Eduarda Paz Brito, Regina Célia Rodrigues da Silva – Discentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Sob a supervisão de Prof. Clayton Bernardinelli Gitti e Prof. Edson Jesus de Souza – Docentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

A clamidiose é uma doença endêmica zoonótica causada pela bactéria Chlamydophila psittaci, que dentre as ordens de aves, possui predileção na afecção de psitacídeos, podendo-se destacar dentre eles: calopsitas, papagaios e araras. Sua capacidade zoonótica de ocasionar Psitacose nos seres humanos é negligenciada no Brasil, especialmente com o crescimento na criação de pets não-convencionais e a consequente proximidade na relação entre aves e humanos. O objetivo do presente relato é discutir e destacar a necessidade de atenção à doença e evidenciar a importância do médico veterinário como ator no contexto de saúde pública.

A primeira descrição de ocorrência de psitacose ocorreu nos anos de 1890 e foi associada a uma doença de papagaios e tentilhões mantidos como animais domésticos por importação da Argentina à cidade de Paris, o que gerou uma das sinonímias da doença, “Febre dos Papagaios”. Surtos de psitacose também foram descritos, em 1929 e 1930, também associados à importação de psitacídeos com Clamidiose da América do Sul para a Europa e América do Norte. Tendo isso em vista, é válido destacar que em países mais desenvolvidos, a psitacose é uma enfermidade de notificação obrigatória, enquanto no Brasil, ainda não há obrigatoriedade de notificação da doença.

O termo “pets não-convencionais” refere-se aos animais silvestres que são possíveis de serem domesticados, em sua maioria. Segundo uma pesquisa realizada pela Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação), o número de pets não-convencionais obteve um crescimento acumulado de 3,8% no Brasil, nos anos de 2021 e 2022. Esse aumento do mercado ao que tange as aves enquanto pets não-convencionais, reflete uma relação não-natural crescente e cada vez mais próxima entre animais silvestres, naturalmente de vida livre, e os humanos.

Diferentemente da proximidade entre cães e gatos e o homem, os responsáveis pelos psitacídeos, na maioria das vezes, não possuem o devido conhecimento sobre a sua natureza, ou seja, não conseguem identificar quando eles ficam doentes por não saber interpretar a forma como essas aves demonstram sinais clínicos. Concomitantemente a este obstáculo, há a precariedade de médicos veterinários especializados ao atendimento de animais silvestres mantidos como pet, ecoando como mais um empecilho à identificação e diagnóstico de diferentes doenças nesses animais.

É necessário salientar o tráfico de animais silvestres como um agravante à saúde pública, pois é de conhecimento geral a precariedade da situação de apreensão, transporte e comercialização ilegal. São fatores que vulnerabilizam os animais, predispondo-os à imunossupressão por estresse exacerbado, decorrente da inexistência de bem-estar animal, suscetibilizando-os a inúmeras patologias. Esta é considerada a terceira maior atividade ilícita do mundo e apesar do interesse na preservação das diferentes espécies da fauna brasileira, há também uma enorme preocupação com a saúde dos animais e seu papel como transmissores e disseminadores de doenças a outros animais e aos seres humanos. Portanto, é imprescindível a aquisição de animais silvestres por criatórios legalizados registrados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

A Clamidiose nas aves é uma doença infecciosa endêmica provocada pela Chlamydophila psittaci e possui grande potencial zoonótico. O diagnóstico dessa enfermidade nas aves, pode ser um desafio ao médico veterinário, além dos obstáculos supracitados, há dificuldade na identificação da Clamidiose já que as aves podem ser portadoras da bactéria sem manifestar sinais clínicos; e na realização de métodos diagnósticos que possuem alta especificidade e alta sensibilidade, por laboratórios capacitados. São raros os laboratórios que cumprem todos os pré-requisitos necessários e com isso, também há implicação em um maior período de espera para obtenção dos resultados. Normalmente, esses laboratórios realizam por técnica molecular um só exame que engloba diversas doenças infecciosas que acometem os psitacídeos, incluindo a Clamidiose.

Dessa forma, o PCR (Técnica de reação em cadeia da polimerase) é o método mais utilizado no Brasil, através da obtenção de amostras por swab de orofaringe e cloaca. O isolamento do agente também é um método eficaz e conclusivo, porém requer laboratórios com biossegurança de nível 3, por isso, não é comumente realizado, assim como o método de imunofluorescência indireta.

O período de incubação varia de dias a semanas e fatores relacionados à tríade epidemiológica, sendo eles a interação entre o agente, o hospedeiro suscetível e o ambiente, influenciam diretamente na gravidade da doença. A doença clínica é induzida por fatores estressantes, associados ao manejo indevido, à má nutrição, excesso populacional, transporte inadequado e remoção do habitat natural dessas aves.

Os sinais clínicos podem se apresentar de forma aguda, subaguda, crônica ou inaparente, dependendo do estado imunológico da ave, da espécie hospedeira, da patogenicidade do microrganismo, do grau de exposição à bactéria, da porta de entrada e da presença de outras doenças que podem acometer o animal concomitantemente. Eles apresentam-se de forma inespecífica e incluem prostração, febre (plumagem eriçada), letargia, anorexia (“peito seco”), desidratação, urato verde-amarelado (típico de envolvimento hepático), blefarite, ceratoconjuntivite, entre outros sinais respiratórios, digestórios, urinários e neurológicos.

O tratamento de escolha para a Clamidiose consiste no uso de antibiótico bacteriostático da classe das tetraciclinas por um protocolo longo, com cerca de 30 a 45 dias de tratamento – a fim de obter o sucesso terapêutico. Ademais, a limpeza e desinfecção criteriosa das gaiolas ou viveiros devem ser efetuadas diariamente, e, para que novas aves sejam inseridas no mesmo ambiente das antigas, é imprescindível a realização da quarentena nesses animais e a realização do PCR das doenças infecciosas que mais acometem as aves realizando então, um “check-up preventivo”.

Trata-se da principal zoonose transmitida por aves silvestres, particularmente por psitacídeos (periquitos, papagaios, calopsitas e araras) e columbiformes (pombos), apresentando ocorrência esporádica em pessoas Quando infecta o ser humano a Clamidiose recebe o nome de psitacose, da palavra grega psittacus, que significa papagaio.

Em aves, o potencial enzoótico entre os animais se dá devido à condição criatória em grandes grupos aglomerados, favorecendo a transmissão que ocorre principalmente por via aerógena, através da inalação de excretas secas e secreções nasal e ocular de aves doentes ou portadoras. Entre outras vias de transmissão está a ingestão de fezes contaminadas e por meio da alimentação, momento no qual os pais regurgitam alimentos contendo células infectadas provenientes da descamação do epitélio do inglúvio para os filhotes no ninho. Não obstante, há evidências de transmissão vertical da bactéria pelo ovo e, eventualmente, por picada de insetos. Uma vez que diversas espécies de aves de vida livre são fonte potencial de contaminação, o seu contato com aves domésticas deve ser evitado. É importante evidenciar que o agente etiológico possui baixa resistência a desinfetantes, calor e luz solar, mas se mantêm por longos períodos em água à temperatura ambiente e protegidos em restos de penas e resíduos.

Pets não-convencionais, em especial os psitacídeos, demonstram interesse em manter maior proximidade com seus tutores humanos, frequentemente subindo em seus ombros, permitindo contatos afetuosos, como beijos e costumam esfregar suas cabeças nos rostos dos cuidadores. Esse estreitamento da relação de humanos com essa espécie de aves tem contribuído para o aumento da incidência de zoonoses como a psitacose. A transmissão da doença ocorre através do contágio direto do homem ao manusear penas de aves infectadas, pelo contato com secreções respiratórias e contato boca a bico, procedimento inadequado, no entanto bastante comum em proprietários de aves de estimação. O contágio pode ocorrer ainda pela inalação de partículas infecciosas de clamídias em aerossóis provenientes de fezes secas.

A psitacose possui distribuição global, podendo ocorrer em qualquer estação do ano. Acomete principalmente pessoas que têm contato direto com esses animais, como proprietários de aves de companhia, especialmente os imunossuprimidos; trabalhadores em criação ou abatedouros de aves e pessoas que trabalham em lojas que comercializam aves. Isso confere a essa doença um caráter ocupacional em tais situações.

A manifestação da doença ocorre após um período de incubação de 5 a 15 dias e apresentação clínica geralmente começa de forma insidiosa, com sintomas leves e inespecíficos, semelhantes a outras infecções virais ou bacterianas das vias aéreas superiores. Os sintomas comuns incluem febre, tosse seca, cefaléia, calafrios e mialgia. A psitacose, no entanto, pode afetar vários órgãos, incluindo os pulmões, o trato gastrointestinal e o sistema nervoso. Embora raramente seja fatal quando diagnosticada rapidamente e tratada adequadamente, a hospitalização é necessária em muitos casos. Como muitos dos pacientes exibem sintomas respiratórios brandos, a maior parte dos casos acaba não sendo diagnosticada e muito menos notificada. A real incidência da doença é desconhecida.

A prevenção da psitacose envolve educação sanitária a fim de conscientizar a população acerca dos riscos de transmissão da doença por aves. Nesse cenário, como disseminador de conhecimentos, o médico veterinário desempenha papel fundamental conscientizando os tutores a não adquirirem aves provenientes do tráfico ou com procedência duvidosa e informando sobre os perigos que as aves oriundas do comércio ilegal representam para a saúde pública.

Em criatórios, granjas e abatedouros, o médico veterinário deve orientar os funcionários a implementar medidas de prevenção e controle para limitar a disseminação do agente e reduzir impactos na saúde pública e prejuízos econômicos. Como medidas preventivas gerais, é importante evitar alta densidade de aves, manter ambientes limpos e bem ventilados, separar aves de diferentes origens, proteger alimentos de aves e realizar limpeza segura de locais com fezes de aves. Sempre se deve usar luvas e máscaras durante a limpeza para evitar a inalação de poeira contaminada. A quarentena e testes clínicos e laboratoriais são recomendados para aves recém-chegadas.

Além disso, é essencial que os médicos veterinários eduquem os tutores de aves sobre os riscos da clamidiose, esclarecendo que a doença pode ocorrer quando as aves são expostas a fontes de infecção ou são manejadas de maneira inadequada. No entanto, é fundamental destacar que, com a redução da contaminação ambiental e o tratamento adequado, a doença pode ser controlada. As medidas de controle devem ser adaptadas de acordo com a situação, sendo mais rigorosas na presença de casos em seres humanos. É fundamental que o médico veterinário oriente o tutor a informar a seus médicos sobre a presença de aves em casa, especialmente em casos de problemas respiratórios, tanto na ave quanto no tutor, pois isso pode influenciar o diagnóstico e o tratamento adequado, garantindo a saúde tanto dos pacientes quanto de seus animais de estimação.

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