Autoras: Bárbara de Souza Fachi Fornari, Julia Missura e Júlia Silva Gonçalves – Discentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Sob a supervisão de Prof. Clayton Bernardinelli Gitti e Prof. Edson Jesus de Souza – Docentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

É de conhecimento popular que na gestação há a necessidade de um maior comprometimento com o acompanhamento médico e cuidados de saúde, entretanto, pesquisas apontam que ainda há aspectos a serem debatidos dentro de tal temática. Desta forma, Segundo Viellas, et al (2014), num estudo feito com dados do “Nascer Brasil” no ano de 2011 e 2012, somente 75,8% das mulheres entrevistadas iniciaram o acompanhamento pré-natal antes da 16° semana de gestação. Essa porcentagem se torna preocupante ao analisar as diversas doenças que atingem mães e fetos durante as primeiras semanas de gravidez. Uma delas é a Toxoplasmose, uma doença ainda muito mistificada, e caracterizada pelas informações equivocadas, o que gera a falta de divulgação sobre os métodos efetivos de prevenção, e a retaliação de espécies animais equivocadamente envolvidas na transmissão da doença.

Considerada uma zoonose de distribuição mundial, a Toxoplasmose é causada pelo Toxoplasma gondii, um protozoário intracelular, com soroprevalência variando entre 31,0 a 64,4% no estado Sul e Sudeste do Brasil (CAPOBIANGO et al, 2016), com grande participação nas causas de  morbidade e mortalidade no período neonatal, com taxas de letalidade de 12% sendo assim, considerada de grande importância na saúde pública e de notificação obrigatória desde a portaria nº 204, de 2016, quando for de ocorrência gestacional e congênita.

Tal agente pode atingir diversos animais, incluindo humanos, aves, roedores e felídeos. A apresentação clínica dessa infecção varia de assintomática a quadros severos. Em pequenos animais manifesta-se de forma semelhante a outras doenças com envolvimento gastrointestinal, hepático, respiratório, entre outros. Em humanos, a toxoplasmose se desenvolve principalmente em indivíduos imunocomprometidos, como pacientes oncológicos, portadores de HIV e principalmente gestantes, onde pode levar a consequências ao feto como microcefalia ou hidrocefalia, crescimento intrauterino retardado, convulsões, icterícia com esplenomegalia, hipertonia e paralisia, complicações mentais ou surdez dentre outros sintomas.

No Brasil, há grande prevalência da doença em vários grupos sociais, simultaneamente há estudos que mostram que também ocorre grande desconhecimento da doença por parte de mulheres gestantes. Um estudo realizado na cidade de Divinópolis (MG) mostrou que de 2.136 gestantes que realizaram exames para Toxoplasmose, 49% delas tiveram resultados positivos, com destaque na faixa etária de 25 a 29 anos. Ademais, observou-se que das gestantes que tinham animais de estimação em casa, 77% eram responsáveis pela coleta das fezes dos animais, 98% delas vivem em casas com saneamento básico, porém 60% destas observaram a presença de roedores próximo a sua residência. Além disso, foi constatado que cerca de 93% das mulheres gestantes, das 200 pessoas que participaram do questionário, tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre a toxoplasmose, o que torna a situação preocupante visto as consequências e prejuízos que essa doença trás dentro da sociedade.

A grande notoriedade da doença entre mulheres grávidas, as quais podem ser infectadas gerando consequências para o feto, tem gerado grande preocupação em relação ao contato dessas pessoas com animais incluídos no ciclo do parasita. Porém, pouco ainda é divulgado sobre as formas de transmissibilidade do agente e com isso, é necessária a discussão sobre seu ciclo de vida para melhor entendimento da patogenia e assim determinar melhores formas de prevenção.

O ciclo biológico, resumidamente, ocorre com a infecção de gatos domésticos quando há ingestão de oocistos esporulados, através da caça a outros animais, os quais podem estar infectados. Após a ingestão, ocorre reprodução sexuada do protozoário intracelularmente no hospedeiro, ao final desse processo, as células parasitadas são rompidas e oocistos não esporulados saem nas fezes dos gatos, levando cerca de 3 a 20 dias para ocorrer a eliminação do protozoário após a infecção. Em seguida, no meio externo, o oocisto não esporulado com média de 4 dias se torna maduro, com presença de 2 esporocistos, cada um contendo 4 esporozoítos. A maturidade do oocisto, pode haver infecção de hospedeiros intermediários, principalmente animais de produção e a contaminação de frutas, verduras e água. Com isso, a contaminação de mulheres gestantes poderá ocorrer ao ingerir carne crua ou mal-passada, ou alimentos que não foram devidamente higienizados, ingerindo água não filtrada ou leite não pasteurizado. Além disso, o protozoário pode ser transmitido pela via transplacentária, via circulação materno-fetal, durante a fase aguda da infecção materna.

Nessa perspectiva, com a falta de conhecimento das formas de transmissão da doença, ainda há dentro da sociedade muitos mitos relacionados a infecção ao patógeno, gerando informações equivocadas, levando a retaliações à espécie felina envolvida no ciclo, e assim aumentando o número de casos de abandono e maus-tratos aos gatos domésticos, principalmente quando esses animais vivem em moradias onde há uma mulher gestante. Entretanto, já há estudos que estimam que os gatos eliminam oocistos apenas uma vez durante toda sua vida, durando de duas a três semanas e apenas 1% da população felina fazem a eliminação de T. gondii. Além disso, a forma infectante do protozoário dificilmente se adere à pelagem do animal, devido ao hábito de lambedura dos felinos, tornando improvável a transmissão por simples toque ou carícia ao animal. Estudos apontam que o provável gato transmissor esteja presente em propriedades produtoras de alimentos de origem animal e vegetal, havendo contaminação de animais pela sua alimentação e de vegetais pela água de rega contaminada e não diretamente pelo contato das gestantes com fezes desses gatos.

A principal medida profilática da toxoplasmose é caracterizada pela prevenção primária, que abrange o incentivo e aprimoramento de métodos para a divulgação do conhecimento acerca de tal patologia. Deste modo, vale ressaltar a importância da higienização dos alimentos, evitar o consumo de carne mal-cozida, lavar as mãos após manipular carnes cruas, filtrar a água para consumo e saneamento básico. Além disso, conclui-se que remover diariamente as fezes e impedir os felídeos de caçar diminui quase totalmente o risco do animal adquirir o protozoário e transmitir aos seus tutores. Outro aspecto importante, é que tais cuidados não previne apenas a toxoplasmose, mas diversas outras doenças infecciosas, o que afirma ainda mais sua relevância.

Dentro deste cenário, vale ressaltar que os gatos domésticos podem conviver com gestantes e podem trazer diversos benefícios, visto que estudos mostram que a cada cinco mulheres, pelo menos uma irá demonstrar um episódio depressivo ao longo da vida, sendo de maior risco durante o período da gravidez, o qual é considerado um disparador para a depressão (DE JESUS SILVA et al, 2016). Sendo assim, a Terapia Assistida por Animais (TAA) tem crescido como uma intervenção para tratamento destes casos, mostrando ser uma terapia que melhora a qualidade de vida, trazendo sentimentos de companhia, amor, segurança, diminuição da ansiedade e influenciando em várias doenças, inclusive a depressão, câncer, problemas na pressão arterial, fobias e síndrome do pânico (PERANZONI et al, 2018). Logo, é de suma importância que informações como estas sejam transmitidas para a sociedade, para que as pessoas conheçam o auxílio que os animais podem trazer para a gestação quando feito o manejo adequado para eles.

 Referências bibliográficas

CAMPBELL, Ludmyla Marques et al. DESVENDANDO A TOXOPLASMOSE. In: Anais Colóquio Estadual de Pesquisa Multidisciplinar (ISSN-2527-2500) & Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar. 2017.

CAPOBIANGO, Jaqueline Dario et al. Toxoplasmose adquirida na gestação e toxoplasmose congênita: uma abordagem prática na notificação da doença. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 25, p. 187-194, 2016.

DE JESUS SILVA, Mônica Maria et al. Depressão na gravidez. Prevalência e fatores associados. Investir. educ. enferm , Medellín, v. 2, pág. 342-350, junho de 2016. Disponível em <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-53072016000200014&lng=en&nrm=iso>. acesso em 28 de outubro de 2023.  https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n2a14

FONSECA, A. et al. Article/Artigo Epidemiologic aspects of toxoplasmosis and evaluation of its seroprevalence in pregnant women Aspectos epidemiológicos da toxoplasmose e avaliação de sua soroprevalência em gestantes. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 45, n. 3, p. 357–364, 2012.

GALVÃO, André Luiz Baptista et al. Aspectos da toxoplasmose na clínica de pequenos animais. Semina: Ciências Agrárias, v. 35, n. 1, p. 393-409, 2014.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Nota Técnica N°36 de 2022. Disponível em: <https://atencaobasica.saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202211/08135001-nota-tecnica-n-36-2022-cgsh-daet-saes-ms.pdf>. Acesso em: 28 out. 2023.

PERANZONI, V. C. et al. As terapias assistidas por animais como facilitadora do desenvolvimento social. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura, v. 0, n. 0, p. 665–668, 1 dez. 2018.

SOUZA, Wanderley de; BELFORT JR, Rubens. Toxoplasmose & Toxoplasma gondii. 2014.

VIELLAS, Elaine Fernandes et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cadernos de saúde pública, v. 30, p. S85-S100, 2014.