No conceito antigo o controle da qualidade de alimentos efetuado pelas indústrias fabricantes consistia em avaliações físico, químicas e microbiológicas nos produtos depois de prontos e antes de serem comercializados. Esta metodologia além de não ser eficiente para atestar de fato a qualidade do lote de produtos, ainda possibilitava perdas econômicas consideráveis nos casos em que o alimento, por algum motivo, fosse considerado impróprio para o consumo, perdendo todos os custos envolvidos em sua elaboração desde a matéria prima, passando pelas fases tecnológicas de fabricação e sua conservação, incluindo a demanda de tempo perdida em todo o processo e o desperdício da mão de obra envolvida.

A partir das viagens espaciais, houve um mudança profunda nestes critérios relacionados à segurança sanitária dos alimentos, pois era necessária a garantia de que os alimentos oferecidos aos astronautas durante as viagens espaciais, não representariam qualquer perigo deles desenvolverem distúrbios gastro intestinais ou outros, que poderiam comprometer um projeto de bilhões de dólares.

A NASA em 1959 já com um projeto de enviar um homem ao espaço e prevendo a necessidade de desenvolver uma alimentação segura sob o aspecto sanitário, que pudesse ser conservada dentro da capsula espacial e facilmente manipulada pelos astronautas, encomendou a empresa Pillsbury Company, dedicada a produção de alimentos, um estudo com vistas a prevenir acidentes espaciais a partir de comidas servidas aos astronautas, não somente com respeito aos aspectos sanitários mas também sobre possibilidade de eventuais resíduos se espalharem pelo ambiente da capsula espacial, que em função da falta de gravidade pudesse danificar algum equipamento ou instalação, pois quando não há gravidade, existe perigo com a comida servida para os tripulantes, especialmente no que diz respeito a migalha,s se espalharem e às possibilidades de intoxicação alimentar.

Assim esta empresa, Pillsbury Company, diferente do que existia até então em que o alimento somente era avaliado depois de pronto, desenvolveu um método capaz de determinar pontos no processo em cada uma das fases de produção, processamento e conservação, que pudesse levar a identificar qualquer possibilidade de falha a comprometer a qualidade sanitária do alimento, chamando este processo de Hazard Analysis and Critical Control Point (APPCC) ou em português, Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle.

Através deste programa passou a ser possível identificar os riscos em cada uma das fases de produção, os denominados pontos críticos de controle, e estabelecer os limites para estes pontos, os procedimentos para monitoramento destes riscos, medidas corretivas para os eventuais desvios ou falhas e verificações gerais periódicas, e o que é mais importante, registros confiáveis de todo o processo.

Codex Alimentarius

O Codex Alimentarius é um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), criado em 1963, com o objetivo de estabelecer normas internacionais na área de alimentos, incluindo padrões, diretrizes e guias sobre Boas Práticas e de Avaliação de Segurança e Eficácia, como forma de proteger a saúde dos consumidores e garantir práticas leais de comércio entre os países.

No Brasil a coordenação da participação no programa é exercida desde 1980 pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) através do Comitê do Codex Alimentarius do Brasil (CCAB), que emite normas e padrões em consonância com as orientações do Codex Alimentarius, de forma a orientar as empresas na elaboração de alimentos seguros.

Foto: refrigerador de supermercado

Alimentos Seguros

A Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial de Saúde, estimam que a cada ano quase uma em cada dez pessoas no mundo, cerca de 600 milhões, adoece e 420 mil morrem depois de ingerir alimentos contaminados por bactérias, vírus, parasitos ou substâncias químicas.

Nas Américas, estima-se que 77 milhões de pessoas sofram um episódio de doenças transmitidas por alimentos a cada ano, metade delas crianças com menos de 5 anos de idade. Os dados disponíveis indicam que as doenças transmitidas por alimentos geram de US$ 700 mil a US$ 19 milhões em custos anuais de saúde nos países do Caribe e mais de US$ 77 milhões nos Estados Unidos.

Alimentos seguros são aqueles obtidos, conservados, transportados, transformados, expostos à venda ou consumo e preparados em condições que garantam o controle de perigos e agentes de doenças ao homem, ou seja, aqueles que durante todas as fases de elaboração, do campo a mesa, são submetidos a rigorosos controles físicos, químicos e microbiológicos que possam levar nutrição ao consumidor e não agravo a sua saúde.

Programas de Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle

Assim, na busca por alimentos seguros e a partir deste novo conceito de análises de perigo e pontos críticos de controle, as empresas de alimentos e especificamente os de origem animal, passaram a implantar e desenvolver o programa em suas plantas industriais de forma a assegurar que, qualquer alteração durante o processo de fabricação que pudesse comprometer a qualidade sanitária do produto, fosse identificada e corrigida de imediato evitando perdas econômicas quando identificadas no produto final e o pior, que pudesse chegar ao consumidor com todos os perigos sanitários eminentes e prejuízos comerciais e a imagem do fabricante.

Com a implantação destes programas em sua linha industrial e com o conceito de que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, consolidou-se a ideia de que o responsável pelo produto é quem o produz, inclusive prevista no Código de Defesa do Consumidor, quando o denomina de fornecedor, como sendo toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Programas de Autocontrole

Com esta efetiva responsabilização do produtor e o aprimoramento da gestão das indústrias produtoras, houve necessidade de se obter maior garantia sanitária do alimento de tal sorte que novo programa foi reestruturado ampliando o controle dos processos efetuados pela empresa, agora estabelecendo ferramentas de procedimentos tanto na elaboração quanto na implantação e demais atividades correlatas passando a denominação de programas de autocontrole.

O Decreto 9013/2017, Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal define como programas de autocontrole, os procedimentos descritos, desenvolvidos, implantados, monitorados e verificados pelo estabelecimento, com vistas a assegurar a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos seus produtos.

É importante assinalar que estes programas, de inteira responsabilidade das empresas produtoras, não substituem a fiscalização exercida pelos Serviços de Inspeção Oficiais, obrigatória conforme determina a lei 1283/1950, sendo mais um elemento a ser auditado pelo Serviço como contribuição para aumentar a eficiência da fiscalização pela avaliação do cumprimento do programa elaborado por ela, através dos seus registros obrigatórios.

Foto: comida de catering

O Programa de Autocontrole (PAC) Elaborado e Implantado

Cabe a cada estabelecimento industrial de produtos de origem animal, com base no tipo de alimento que produz, nas características dos processos tecnológicos utilizados e no fluxo de produção, desenvolver o seu programa considerando o sistema que identifica, avalia e controla os perigos significativos para a inocuidade dos seus produtos.

Assim os chamados PACs são desenvolvidos considerando cada um dos elementos envolvidos na produção de um alimento, quais sejam: manutenção de instalações, equipamentos e utensílios; água de abastecimento industrial; controle integrado de pragas e vetores; higiene industrial e operacional; higiene e hábitos higiênicos dos funcionários; procedimentos sanitários operacionais; controle de matéria prima, ingredientes e material de embalagem; controles de temperaturas nos diversos ambientes industriais; programa de análise de perigo e pontos críticos de controle; análises laboratoriais tanto físicos, químicos e microbiológicas; controles de formulação de produtos e combate a fraude; rastreabilidade e recolhimento; certificação oficial; bem estar animal; Identificação; remoção, segregação e destinação do material especificado de risco (MER), no caso de estabelecimentos de abate de bovinos com vistas a prevenir possível veiculação de encefalopatia espongiforme bovina.

Estes controles são realizados através de monitoramento, constituindo uma sequencia planejada de observações e medições de parâmetros de controle nas etapas do processo, realizando procedimentos de ajustes em caso de alterações ou desvios, as chamadas ações corretivas que, dependendo do comprometimento do produto podem ser imediatas ou programadas e também através de verificação envolvendo visualização, mensuração, análise laboratorial, feita com menor frequência do que o monitoramento, com todas estes procedimentos registrados em material próprio de forma a ser auditado pelo Serviço de Inspeção oficial.

Todo este processo é estabelecido pela lei 14.515 de 2022 , “Os agentes privados regulados pela legislação relativa à defesa agropecuária desenvolverão programas de autocontrole com o objetivo de garantir a inocuidade, a identidade, a qualidade e a segurança dos seus produtos que conterão registros sistematizados e auditáveis do processo produtivo, desde a obtenção e a recepção da matéria-prima, dos ingredientes e dos insumos até a expedição do produto final, previsão de recolhimento de lotes, quando identificadas deficiências que possam causar riscos à segurança do consumidor e descrição dos procedimentos de autocorreção”.

Conforme foi aqui exposto, este programa não substitui as fiscalizações, de competência exclusiva dos órgãos oficiais de inspeção seja federal, estadual e municipal, por esses terem a prerrogativa de polícia administrativa e sanitária que os permite aprovar ou não a planta industrial para a produção de alimentos de origem animal.

Esta competência inclui a fiscalização higiênica, sanitária e tecnológica dos alimentos de origem animal, onde todos estes itens do PAC, definidos pela fiscalização como elementos de controle, são apresentados de forma compulsória pelos estabelecimentos industriais, avaliados e chancelados pelos serviços de inspeção, passando a fazer parte como requisito obrigatório para registro dele no órgão fiscalizador em cumprimento a legislação.

Por fim, tendo em vista a sofisticação cada vez maior dos controles sanitários dos produtos de origem animal e os custos que isto acarreta para o produtor, que obviamente os repassa para o preço final do produto, é de se imaginar, como sempre acontece, que uma ou outra empresa fabricante queira burlar estas prerrogativas, levando a necessidade de que o consumidor fique cada vez mais atento a idoneidade da empresa cujo alimento está adquirindo.

Foto de capa: FAO