Resumo

A interação entre o homem e o meio ambiente vem crescendo e, consequentemente, áreas como as de pets, selvagens e de conservação da natureza vêm sendo muito procuradas. Com isso, houve aumento na busca de cursos de medicina veterinária e ciências biológicas, e muitos profissionais são lançados ao mercado de trabalho sem treinamento adequado e principalmente sem a noção dos riscos que vão encontrar, ocasionando o aumento do número de acidentes ocupacionais. Foram enviados questionários relacionados as principais doenças e lesões ocupacionais que acometeram as duas áreas, sendo  reportados por médicos veterinários e biólogos, principalmente as lesões sofridas durante as contenções físicas. Pode-se concluir que é evidente a necessidade de encontrarmos um caminho mais adequado no manejo de animais para que ambas as profissões possam exercer suas atividades com mais habilidade e segurança.

Palavras chave: Medicina Veterinária. Biologia. Acidentes de trabalho.

Introdução

A interação entre homens e animais vem crescendo consideravelmente desde a antiguidade quando os homens viviam em bandos, sempre em busca de locais com mais fontes de alimentos sendo a caça de subsistência uma das suas principais atividades, e assim se expondo a riscos graves e constantes. No processo evolutivo, ele trouxe os animais para mais perto por meio da domesticação e também, um presente letal, os germes, e assim tendo vidas paralelas (DIAMOND, 2011).

Estima-se que o Brasil tenha a maior diversidade biológica mundial, dentre 15 à 20% e o maior número de espécies de vertebrados, mas é necessário que esses profissionais sejam treinados adequadamente para auxiliar o trabalho da preservação da fauna (ANDRIOLO, 2007; TASSI et al., 2008).

Na maioria das vezes, quando um profissional é chamado para atender um animal, vivo ou morto, pode desconhecer sua biologia, e as questões sanitárias envolvidas inerentes à cada espécie, se expondo, com isso, a doenças muitas vezes, ainda desconhecidas (ARAVENA, 2004).

De acordo com Johnson-Delaney (2005), médicos veterinários e suas equipes devem ser treinados a fim de evitar acidentes, para desenvolverem familiaridade com o animal trabalhado, e desenvolverem sua capacidade de observação no sentido de evitar o estresse do animal, principalmente durante sua contenção.

Da mesma forma, a diversidade e complexidade das áreas de atuação dos biólogos os expõe a diversos riscos e a ocorrência de acidentes de trabalho é uma realidade (RIBEIRO; CARDOSO, 2015).

As zoonoses são doenças infecciosas transmitidas de animais selvagens e domésticos para os seres humanos, sendo um problema de saúde pública no mundo todo (GRANT; OLSEN, 1999; KAHN, 2006). De acordo com Alvarez (2001), profissionais da medicina veterinária, profissionais de laboratório e trabalhadores rurais estão expostos diariamente a mais de 150 tipos diferentes de doenças zoonóticas listadas no mundo.

Segundo Aravena (2004) e Weese e Jack (2008), muitas medidas de controle podem ser utilizadas para diminuir a incidência destes acidentes, como educação continuada para trabalhadores e estudantes universitários das áreas da saúde humana e animal.

No Brasil, a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) busca “a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho” (ARAVENA, 2004; BRASIL, 2018).

Este trabalho tem como objetivo identificar e comparar os principais acidentes e injurias que acometem médicos veterinários e biólogos que trabalham com animais selvagens, indicando maneiras de evitar, minimizar ou controlar esses incidentes.

Material e Métodos

Este trabalho foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa do UNIFESO e aprovado sob o número do parecer: 821.001, no dia 20/09/2014.

A coleta de dados do presente estudo foi realizada através da distribuição de um questionário online com 10 perguntas, à Médicos Veterinários e Biólogos que trabalham com animais selvagens, em zoológicos, clinicas veterinárias e outras instituições em todo Brasil, com um prazo de dois meses para retornarem  suas respostas.

Inicialmente perguntou-se sobre as áreas de atuação, instituições de formação e quantos acidentes sofreu.

As questões relacionadas às doenças e injúrias foram divididas em categorias: lesões físicas; lesões causadas por exposição à radiação e a à produtos químicos; reações alérgicas ou irritantes  e infecções caudadas por zoonoses.

No caso de zoonoses, foi questionado se os profissionais contraíram algum tipo de doença e se o médico que os atendeu tinha conhecimento da doença.

Foram feitas perguntas sobre equipamento de proteção individual ou coletiva.

Os dados quantitativos foram analisados pelos pesquisadores do Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO, por Estatística Descritiva e pelo teste do Qui-Quadrado com ao auxílio do pacote estatístico do Microsoft Excel. Para as questões discursivas foi usada a ferramenta Nuvem de Palavras através do programa WordleTM.

Resultados e Discussão

Os resultados obtidos foram confrontados com pesquisas anteriores realizadas com veterinários de animais selvagens feitas por Hill et al. (1998) e Nicolino et al. (2009) e com outro estudo comparando as medicinas humana e veterinária, realizado por Grant e Olsen (1999).

Foram totalizados 109 questionários respondidos, 53 por Médicos Veterinários (22 homens e 31 mulheres) e 56 por Biólogos (21 homens e 35 mulheres), sendo a maioria da Região Sudeste do Brasil.

Quanto ao número de profissionais que sofreram algum tipo de acidente de trabalho, 53 (100%) dos veterinários e 53/56 (94,64%) dos biólogos relataram ter sofrido algum tipo de lesão, justificável devido a variedade de espécies e particularidades quanto a anatomia, fisiologia e comportamento pouco conhecidos, conforme afirmam Phillips et al. (2000).

Na avaliação dos resultados pelo Teste do Qui-Quadrado encontrou-se o valor calculado (2,9196) mais baixo do que o valor tabelado (3,841), segundo a Tabela da Distribuição do Qui-Quadrado, portanto se aceita a hipótese H0, ou seja, que não existe diferença entre a biologia e a medicina veterinária (tabelas 1 e 2).

Tabela 01 – Principais doenças e injúrias físicas relatadas por médicos veterinários, por ordem de ocorrência

Tabela 02 – Quantitativo das principais doenças e injúrias físicas relatadas por biólogos

Nicolino et al. (2009) demonstraram que lesões físicas durante contenção de animais foram as mais reportadas (94,2%), sendo as mais frequentes as mordeduras ou bicadas, arranhaduras, lesões causadas por chifres, fraturas e desmaios.

Em relação às lesões perfuro cortantes, dos 53 veterinários acidentados 40 (75,47%) responderam ter sofrido um ou mais tipos de lesão e apenas 23 (23,21%) dos 56 biólogos afirmaram ter tido essa experiência (tabela 03).

Tabela 03 – Lesões perfuro cortantes sofridas por médicos veterinários e biólogos durante o manejo de animais

Para os profissionais da veterinária, a lesão por autoperfuração por agulhas durante a medicação foi a que mais causou acidentes (35,05%), seguida por lesão no preparo de medicações (25,77%), reencapamento de agulhas (25,77%), inferior aos achados de Nicolino et al. (2009) e Hill et al. (1998), e cortes com bisturi (13,40%), menores do que os encontrados na literatura (figura 01).

Figura 01 – Resultado comparativo das lesões por agulha com os dados da literatura

Já para os biólogos, os cortes com bisturi foram a maior ocorrência (50%), seguida de auto perfuração com agulhas durante a medicação (25%), reencapamento das mesmas (18,75%) e durante o preparo de medicação (6,25%).

As lesões causadas por animais são a segunda lesão física que mais ocorre com médicos veterinários que trabalham em zoológicos, cerca de 61,5%, onde chutes, arranhões e pisões são as mais comuns, de acordo com Hill et al. (1998).

Na tabela 04 podem ser observados os dados comparativos entre médicos veterinários e biólogos em relação aos acidentes durante a contenção dos animais.

Tabela 04 – Avaliação comparativa dos tipos de lesões causadas por animais, considerando área de atuação e sexo dos profissionais

*Outras: Picadas de insetos, coice e cabeçada.

Dentre as lesões causadas por animais durante a contenção física a de maior incidência foi a mordedura, sendo de 26,21% para veterinário e 34,57% para biólogos.

A percentagem de acidentes causados pela contenção dos animais, nesse estudo,  de 96,22 % é semelhante a encontrada por Nicolino et al. (2009) (94,20 %), e superior a  Hill et al. (1998) (61,50 %).

Tal fato pode ter ocorrido devido a metodologia utilizada e pelo país de origem das pesquisas, sendo a deste estudo e a de Nicolino et al. (2009) realizadas no Brasil com veterinários que lidam com animais selvagens em diferentes área de atuação. Já Hill et al. (1998) conduziram sua pesquisa nos estados Unidos e restringiram seu campo de estudo aos médicos veterinários de zoológicos.

Reações alérgicas e/ou irritativas foram a terceira injuria mais relatada pelos entrevistados de ambas as áreas. O pelo dos animais seguido de insetos e arranhaduras foi mais citado para os médicos veterinários e para os biólogos os insetos, o látex e o formol (figura 02).

Figura 02 – Gráfico comparativo dos percentuais de reações alérgicas reportados pelos autores da literatura em relação a este estudo

Os resultados deste estudo diferem de Nicolino et al. (2009) que encontraram como a maior causa de alergia as picadas de insetos, atribuindo este resultado aos profissionais brasileiros trabalharem mais perto de matas. Porém, concordam com Hill et al. (1998), onde a maior causa de alergia foi os pelos de animais (figura 03).

Dentre as lesões musculoesqueléticas, a mais incidente na medicina veterinária foi sobrecarga de peso (33,3%). Para os biólogos, as quedas (29,7%) (tabela 05), como observado por Hill et al. (1998)  e Nicolino et al. (2009).

Tabela 05 – Tipos de lesões musculoesqueléticas sofridas pelos profissionais divididas entre área de atuação e sexo

*Outros: Tendinite, Hérnia e Luxação.

A porcentagem de profissionais da medicina veterinária que sofreram lesões durante a prática da necropsia no presente estudo foi de (40%), concordando com os estudos de Hill et al. (1998) que encontraram 44,1% e de Nicolino et al. (2009) que encontrou de 40%, e os biólogos sofreram apenas 14,28%  (tabela 06).

Tabela 06 – Tipos de lesões/doenças causadas pela prática da necropsia sofridas pelos profissionais divididas entre área de atuação e sexo

No presente estudo somente 3,63% dos profissionais sofreram contaminações durante a prática de necropsia, inferior ao encontrado por Nicolino et al. (2009). Esses resultados corroboram com Aravena (2004), pois muitas dessas contaminações podem levar a infecções, algumas vezes de caráter zoonótico.

No manejo com animais vivos, este estudo demostrou que 24,53% dos médicos veterinários e 12,50% dos biólogos relataram ter sofrido alguma infecção de caráter zoonótico em seu dia a dia (tabela 07 e 08).

Tabela 07 – Divisão por área de profissional e sexo das pessoas que sofreram ou não sofrerem infecções por zoonoses

Tabela 08 – Principais tipos de zoonoses relatadas pelos entrevistados nesta pesquisa por área de atuação profissional

Percentualmente, as infecções causadas por zoonoses no presente estudo (24,23 %) foram ligeiramente menores as encontradas por Hill et al. (1998) (30,00 %)  e Nicolino et al. (2009) (33,00 %), o que pode sugerir um melhor conhecimento profissional no manejo de animais selvagens, com o passar dos anos (tabela 09).

Tabela 09 – Avaliação comparativa dos casos de zoonoses deste estudo com os dados da literatura

No presente estudo, lesões causadas por uso inadequado de equipamentos foram pouco observadas (8%), comparado com Hill et al. (1998) (23,6%) e com Nicolino et al. (2009) 66%  que atribuíram os resultados a falta de capacitação profissional

Os tipos de equipamentos mais relatados por biólogos foram o bico de Bunsen; extintor de incêndio; faca; montagem armadilha; haste rede de neblina amassada; equipamento de mergulho (garrafa O2) e centrífuga mal fechada, rifle projetor de dardo anestésico, arame, facão e por Médicos Veterinários foram armadilhas, porta de autoclave, arames e cordas.

Lesões por problemas auditivos não foram muito reportados pelos profissionais deste estudo (2,75%), assemelhando-se aos achados de Hill et al. (1998) que foi de 3%, enquanto Nicolino et al. (2009), não encontraram nenhum caso.

Nenhuma lesão por exposição à radiação foi reportada pelos profissionais das áreas participantes deste estudo. No entanto, esse problema deve ser objeto de preocupação dos profissionais, uma vez que esta área diagnóstica e de tratamento encontra-se em franco desenvolvimento, também na Medicina Veterinária. Hill et al. (1998), Oliveira et al. (2003) e Nicolino et al. (2009) falam da importância de se estabelecer rotinas de prevenções a esse tipo de acidente.

As principais causas dos acidentes apontados pelos profissionais médicos veterinários foram a desatenção, a contenção mal realizada e o excesso de confiança (figura 03). Já os de ciências biológicas foram: descuido, falta de EPI, falta de atenção e excesso de confiança (figura 04).

Figura 03 – Nuvem de palavras referente a opinião dos médicos veterinários sobre as causas de seus acidentes

Figura 04 – Nuvem de palavras referente a opinião dos biólogos sobre as causas de seus acidentes

Para os veterinários a capacitação e o uso de EPI’s também são fundamentais na prevenção de acidentes. Contudo, estes profissionais também apontaram o conhecimento das zoonoses e a contenção correta como medidas que devem ser tomadas para evitar lesões ou doenças decorrentes da atividade profissional (figura 05).

Já para os biólogos entrevistados, capacitar os profissionais, incentivar o uso de EPI’s, criar rotinas laboratoriais e manter as vacinas em dias são as principais medidas (figura 06).

Figura 05 – Nuvem de palavras referente a opinião dos médicos veterinários referente a melhor forma de promover a qualificação dos profissionais que trabalham com animais selvagens

Figura 06 – Nuvem de palavras da opinião dos biólogos referente a melhor forma de promover a qualificação dos profissionais que trabalham com animais selvagens

Em um trabalho realizado por Siqueira (2013) no município do Rio de Janeiro, com 70 veterinários, 70% informaram que não se lembravam ou que não tiveram informações adequadas durante a sua formação sobre medidas de segurança em relação ao manuseio de quimioterápicos, 60% relatou não fazer uso de máscara de proteção, 16% não utilizavam luvas e 15% não relatou uso de qualquer tipo de EPI’s.

Considerações

As discussões comparativas entre a atividade profissional de Biólogos e Médicos Veterinários, neste estudo, apontam para a necessidade de estreitarmos a interface entre a Medicina Veterinária e a Biologia, seja por adaptação curricular ou por mudanças na legislação.

Devido à quantidade elevada de acidentes ocupacionais reportados, fica evidente a necessidade de serem adotadas, com rigor, as medidas de controle e prevenção de acidentes, como capacitações, treinamentos e cursos sobre biossegurança visando reduzir lesões relacionadas ao trabalho e melhorar a consciência do manuseio seguro dos animais como reportam Lucas et al. (2009).

Embora no dia a dia da medicina veterinária haja preocupação com as doenças de caráter zoonótico, o risco é, de certo modo, negligenciado por muitos profissionais e reflete a falta do preparo adequado dos profissionais para exercerem suas atividades, como afirmaram Nicolino et al. (2009), que reconhecem a falta do preparo adequado dos profissionais para exercerem suas atividades.

Por serem as infecções por zoonoses um problema de saúde pública no mundo, como recomendam Grant e Olsen (1999), a medicina humana e a medicina veterinária deveriam unir esforços para evitar ou controlar a incidência de diversas dessas doenças.

Referências

ANDRIOLO, A. Desafios para a conservação da Fauna. In: CUBAS, Z. S.; SILVA, J.C.; CATÃO-DIAS, J. L. Tratado de animais selvagens: Medicina Veterinária. São Paulo: Roca, 2007. p.19-25.

ARAVENA, M. E. N..  Estudio de los riesgos laborales biológicos y físicos, elementos de protección personal y la Ley 16.744, en Médicos Veterinarios dedicados al área de animales mayores, que residen en Temuco-Chile, 2004. 2004. 70f. Monografia (Graduação em Ciências Veterinárias) – Universidad Católica de Temuco, Temuco, Chile, 2004.

BRASIL – Planalto. Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. Decreto  Nº7.602 de 7 de novembro de 2011. Dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST. Disponível em:  < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7602.htm>. Acesso em: 04 jun 2018.

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Agradecimentos

Aos Médicos Veterinários e aos Biólogos que atenciosamente contribuíram para essas discussões de modo a auxiliar na política de melhorar a capacitação profissional afim de reduzir as injúrias ocupacionais.