A mastite bovina é uma das enfermidades mais prevalentes e economicamente devastadoras na pecuária leiteira, afetando diretamente a produção de leite, a saúde dos animais e os lucros dos produtores (Ribeiro et al., 2023). Esta condição pode se manifestar clinicamente ou de forma subclínica, resultando em elevados níveis de células somáticas e diminuição de componentes essenciais do leite. Trata-se de uma inflamação das glândulas mamárias, de etiologia complexa, podendo ser infecciosa ou não, e multifatorial, influenciada pela interação entre o animal, o ambiente e os agentes etiológicos (Carvalho et al., 2021). Entre os microrganismos causadores estão principalmente bactérias como Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativo, Streptococcus agalactiae, Mycobacterium bovis e Escherichia coli (Acosta et al., 2016).
Tradicionalmente, o tratamento da mastite tem se baseado no uso de antibióticos (Santos, 2013). No entanto, o aumento da resistência antimicrobiana e as preocupações com resíduos de medicamentos no leite impulsionam a busca por alternativas mais seguras e eficazes. Nesse contexto, os bacteriófagos, vírus que infectam e destroem bactérias específicas, emergem como uma promissora abordagem terapêutica. Essas entidades biológicas são abundantes na natureza e atuam infectando bactérias para se replicar, causando a lise celular (Caetano et al., 2021; Gallardo, 2018). Com sua capacidade de atacar seletivamente patógenos sem prejudicar a microbiota benéfica, os bacteriófagos representam uma potencial e revolucionária solução para o tratamento da mastite.
Os bacteriófagos, ou fagos, são onipresentes no meio ambiente, encontrados nos oceanos, no solo, nas fontes marítimas profundas, nas fontes termais, na água que consumimos e nos alimentos que comemos. Os fagos são vírus com potencial de infectar e matar as bactérias, mediante mecanismo de lise celular. Sendo assim, eles são considerados potenciais agentes antimicrobianos e têm sido amplamente investigados para o controle de infecções bacterianas em seres humanos e nos animais, sendo denominada uma terapia fágica. Eles podem ser classificados como bacteriófagos líticos ou lisogênicos/temperados, sendo esse último pouco importante para medidas de tratamento contra infecções.
A alta eficiência na ação antimicrobiana dos fagos é explicada pela sua alta especificidade com receptores presentes na membrana das bactérias e sua ação deletéria na célula hospedeira após seu ciclo viral. Na desintegração celular o fago depende das enzimas líticas ou lisinas que são moléculas produzidas pelos fagos, e que vão lisar a célula bacteriana no final do ciclo de replicação viral. (Barasuol B.M, et al). Os fagos classificados como líticos têm como característica se ligar à célula hospedeira por meio de locais com receptores específicos que podem ser de uma variedade de componentes da superfície celular, incluindo proteína, oligossacarídeo, ácido teicóico, peptidoglicano e lipopolissacarídeo e após concluir seu ciclo viral dentro da célula bacteriana consegue liberar novos vírus viáveis ao infectar novos patógenos alvos lisando então, novas células bacterianas.
O aumento da resistência antimicrobiana fomenta cada vez mais as pesquisas com os fagos para uma aplicabilidade in vivo como método de tratamento e prevenção para os casos de mastites bacterianas. A maioria dos estudos são in vitro, mas demonstraram a eficiência e a especificidade dos fagos de S. aureus testados em bactérias oriundas de mastite bovina. No entanto, TAHIR et al. (2017) demonstraram a capacidade dos fagos de lisarem outras espécies bacterianas do gênero Staphylococcus spp. A principal característica dos fagos é a especificidade pelo hospedeiro; todavia, existem alguns fagos que podem infectar diferentes gêneros e espécies bacterianas (Barasuol B.M, et al).
Em estudos realizados in vivo, em um gado leiteiro com o intuito de analisar a eficácia da terapia fágica, foi analisado o controle e tratamento da mastite causado por Staphylococcus aureus e conclui-se que alguns quartos foram curados, sem que houvesse consequências posteriores ao tratamento com fagos. Porém, urge a necessidade de mais estudos em animais vivos para analisar a viabilidade da terapia fágica em uso de grandes rebanhos (GILL, JJ et al 2006).
Como vantagens do uso dos fagos, podemos citar sua especificidade ao patógeno de interesse permanecendo inalterável a microflora normal, o seu mecanismo diferente dos antibióticos disponíveis e os seus efeitos no local de infecção. A farmacocinética da terapia com bacteriófagos é tal, que a dose inicial aumenta exponencialmente à medida que o vírus se replica no hospedeiro bacteriano suscetível e é subsequentemente liberado (Monk AB, et al. 2010).
Contudo, a terapia com o uso de fagos contra a mastite apresenta desafios importantes. Alguns dos problemas encontrados incluem: a estabilidade do fago, os efeitos sobre o sistema imunológico da vaca e a possibilidade de certas proteínas termolábeis, que estão presentes no leite cru, afetarem a interação fago-célula bacteriana. (Barasuol et. al., 2018).
Considerando a necessidade urgente de novos meios de tratamento para a mastite, em consequência da problemática crescente de novas cepas bacterianas com resistência ao tratamento com antibióticos, o controle biológico, como a terapia fágica, parece ser uma das medidas mais sustentáveis para o controle da mastite bovina. É essencial, ao analisar o tratamento da mastite bovina com fagos, que se tenha uma compreensão completa do ciclo da doença e onde os fagos ocorrem dentro deste ciclo e urge a necessidade de mais estudos in vivo para analisar a viabilidade do uso de bacteriófagos no tratamento da mastite bovina no campo de forma eficaz.
Referências
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https://doi.org/10.1128/aac.01630-05