O cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) é também conhecido no Brasil pelo termo indígena “suaçuetê”, de origem tupi, que significa “veado-verdadeiro” e “guaçupuçu” e “suaçuapara”, que significam “veado-comprido”.

O cervo-do-pantanal pertence à família Cervidae, que reúne um diversificado grupo de mamíferos ungulados artiodáctilos (dotados de cascos) e ruminantes. É considerado o maior cervídeo da América do Sul e, além do Brasil, é também encontrado na Argentina, Bolívia, Paraguai e considerado extinto no Uruguai.

Ambientes úmidos como brejos, várzeas e planícies de inundações de grandes rios são habitats do cervo-do-pantanal, cujas populações se distribuem do sul do Rio Amazonas ao norte da Argentina.

Originalmente, a espécie era encontrada em todas as regiões do Brasil, no entanto, nos últimos anos, um declínio populacional acentuado tem sido relatado, estando relacionado principalmente a fatores como construção de hidrelétricas, caça e drenagem de várzeas para uso agropecuário, que culminaram na redução de seu habitat original. Atualmente sua distribuição é reduzida, sendo constituída por populações residuais, com extinções locais.

Cervo-do-pantanal. Foto: Daphne Chelles Marins

Os cervos-do-pantanal são majestosos animais de pelagem lanosa e tonalidade enrubescida. A altura da cernelha nos adultos é de aproximadamente 1,3 metros; as fêmeas pesam cerca de 100 kg enquanto que os machos, 130 kg. As orelhas são grandes e arredondadas e na região anterior aos olhos há presença de um sulco lacrimal, que é exposto quando o animal se sente ameaçado.

Apresentam membros compridos e negros em sua porção distal, contendo membranas interdigitais (tecidos que unem os dedos) em seus cascos alongados. A presença desta membrana é, certamente, uma adaptação que os cervos possuem, para habitar locais alagados. A cauda, o focinho e a região ao redor dos olhos também possuem coloração negra, enquanto que a coloração branca é observada na face interna das orelhas, na região submandibular e no ventre.

Todos os machos de cervo-do-pantanal possuem um par de chifres, com quatro ramificações principais e apresentando entre oito e doze pontas em sua totalidade. Seus chifres são protuberâncias ósseas e servem como defesa em combate com outros machos e contra predadores e, também, para atrair fêmeas no período reprodutivo.

Os chifres nos cervídeos, diferentemente dos cornos de outros ruminantes, possuem um comportamento decíduo e são constituídos de estrutura óssea maciça que, durante seu crescimento, apresentam-se recobertos pelo velame, uma fina camada de tecido tegumentar altamente vascularizada. Periodicamente ocorre a queda dos chifres nos machos de cervídeos neotropicais, em um intervalo entre 10 e 15 meses quando estão fora do pico da atividade reprodutiva, entre a primavera e o verão. O período de máxima fertilidade ocorre no outono e inverno quando os chifres estão sem o velame. Nos cervos-do-pantanal, os chifres crescem por quatro a cinco meses podendo ficar desencapados por até 32 meses, dependendo da idade e da dominância do macho.

Os cervos-do-pantanal são na maioria das vezes animais solitários, porém, eventualmente podem formar grupos com até 15 indivíduos, de acordo com relatos de pesquisadores. Acredita-se que nesta espécie não ocorra competição entre os machos para formação de hárens e existe a suposição de que sejam territorialistas.

Hábitos de vida diurnos e noturnos são citados por pesquisadores, variando de acordo com a região onde o animal ocorre. Algumas pesquisas relatam ainda que há uma relação entre o surgimento do hábito noturno em locais sujeitos à pressão de caça. São predadores naturais da espécie a onça-parda (Puma concolor) e a onça-pintada (Panthera onca). Espécies como o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), jacarés (Caiman sp.) e sucuris (Eunectes murinus) podem predar indivíduos filhotes.

Parte da sua dieta alimentar é composta por brotos de variadas espécies arbustivas, além de plantas aquáticas de folhas largas. Alguns trabalhos também sugerem a ingestão de gramíneas pelos cervos. Devido à estratégia de forrageio adotada, que é uma forma intermediária entre pastador e podador típico, a espécie é considerada “pastadora-podadora”.

Tanto as fêmeas quanto os machos atingem a maturidade sexual em torno dos 14 meses de idade. As fêmeas não apresentam sazonalidade reprodutiva, são poliéstricas (apresentam vários ciclos no ano) e possuem cio pós-parto. A gestação dura de oito a nove meses, sendo gerado um único filhote que nasce sem pintas claras cobrindo seu pelo, diferentemente de todas as outras espécies de cervídeos brasileiros, possuindo, portanto, uma pelagem semelhante a dos adultos da espécie.

A placenta da gestante de cervo-do-pantanal forma placentomas, que protegem o filhote da maioria das infecções bacterianas e virais, mas também impedem a passagem de proteínas séricas e imunoglobulinas que conferem imunidade passiva da mãe para o filhote. Desta forma, o recém-nascido não possui anticorpos e só adquire proteção imunológica após ingestão do colostro.

Na primeira semana de vida, o filhote fica escondido em local protegido escolhido pela mãe que, deixa a cria sozinha em alguns momentos durante o dia para pastar, motivo pelo qual muitos filhotes encontrados sozinhos no campo por transeuntes são levados para criadouros e zoológicos por pensarem que foram abandonados pelas mães. Com três semanas de idade, os filhotes permanecem menos tempo escondidos e mais tempo pastando com a mãe.

Os períodos de amamentação duram cerca de cinco minutos, onde o filhote ingere até 600 mL de leite. Durante a amamentação a mãe lambe a região perianal da cria para estimular a defecação e micção, ingerindo as excretas do filhote para afastar predadores que sejam atraídos pelos odores.

O cervo-do-pantanal é listado como ameaçado de extinção pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Internacional Union for Conservation of Nature na categoria “vulnerável”, sendo também integrante do anexo I da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES). No Brasil, a espécie é considerada criticamente em perigo nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná e considerada extinta em Santa Catarina.

As principais ameaças ao cervo-do-pantanal são a perda de habitat pelo avanço das fronteiras agrícolas, caça ilegal, construção de usinas hidrelétricas e as doenças introduzidas por ruminantes domésticos, entre elas a febre aftosa, a brucelose, a babesiose, as orbiviroses e diversas doenças parasitárias.

Cervídeos possuem grande importância no equilíbrio do ecossistema onde habitam. Por serem animais seletivos na sua alimentação, são sensíveis à degradação do meio ambiente e, desta forma, consideradas espécies indicadoras de qualidade ambiental em unidades de conservação.

A classificação do cervo-do-pantanal como uma espécie vulnerável, enfatiza a necessidade da adoção de medidas que possam contribuir para a preservação da espécie. Dentre as medidas mitigadoras para preservação das populações de cervos-do-pantanal, podemos citar a conservação de seu habitat natural, a contenção da expansão populacional em áreas próximas ao ambiente dos cervos, a fiscalização rigorosa em relação à caça ilegal da espécie e a educação ambiental da população.

Fotos: Daphnne Chelles Marins e Walfrido Moraes Tomas

Bibliografia consultada:

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