A compartimentação é uma ferramenta estratégica de biosseguridade reconhecida pela Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH/OIE). Ela permite isolar populações de animais sob controle sanitário rigoroso, independentemente da localização geográfica, garantindo a continuidade da produção e das exportações de produtos de origem animal mesmo durante surtos de doenças. Essa prática fortalece a segurança alimentar e o comércio internacional, especialmente em países com forte presença no mercado global de proteínas, como o Brasil, considerado maior exportador mundial de carne de frango e quarto em carne suína.

No Brasil, o sistema de compartimentação começou a ser desenvolvido em 2007, mas sua regulamentação oficial ocorreu apenas em 2014, com a publicação da Instrução Normativa SDA nº 21, de 21 de outubro, do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). A certificação é voluntária e pode abranger dois modelos: os compartimentos de reprodução, formados por granjas de matrizes, incubatórios e unidades funcionais associadas, como fábricas de ração e abatedouros; e os compartimentos de produção de carne, compostos por matrizeiros, incubatórios, granjas de corte e demais unidades vinculadas.

A avicultura brasileira foi pioneira na adoção da compartimentação e hoje é reconhecida internacionalmente como modelo de biosseguridade. De acordo com o MAPA, o país possui atualmente sete compartimentos oficialmente certificados, todos voltados à reprodução. Essas unidades estão sob vigilância sanitária permanente, e até o momento não foram registrados casos positivos de Influenza Aviária (IA) ou Doença de Newcastle (DNC) principais focos do programa entre os núcleos monitorados um resultado que comprova a eficácia do sistema na manutenção do status sanitário brasileiro e na proteção das exportações.

Figura 01: Estrutura de compartimentação em sistemas avícolas (adaptado de MAPA, 2023)

Figura 2: Cadeia produtiva avícola destacando compartimentos certificados (adaptado de MAPA, 2023)

Para obter a certificação, cada compartimento deve criar uma Equipe de Gestão do Compartimento (EGC), responsável por supervisionar as medidas de biosseguridade, manter registros auditáveis por pelo menos cinco anos e implementar planos de contingência específicos. A certificação tem validade de dois anos, com auditorias oficiais anuais e supervisões internas periódicas, a cada quatro meses nas granjas de corte e a cada três meses nas unidades de reprodução e incubatórios. Caso sejam detectadas não conformidades graves ou resultados positivos para doenças, o MAPA pode suspender ou cancelar a certificação.

Entre as principais exigências sanitárias, estão o tratamento da água com cloro a 3 ppm por cinco minutos, o tratamento térmico da ração, o controle rigoroso de acesso de pessoas e veículos, o registro de entradas e saídas, além de programas contínuos de controle de pragas e manejo adequado de materiais de cama e forração.

Figura 3: Protocolos de biosseguridade avícola reforçados nas granjas. Crédito: Flickr

Na suinocultura, a compartimentação já apresenta avanços importantes, embora ainda busque consolidação plena no país. A ferramenta tem papel fundamental na prevenção e controle da Peste Suína Clássica (PSC) e da Peste Suína Africana (PSA) enfermidades de alto impacto econômico e comercial. O Programa Nacional de Sanidade dos Suídeos (PNSS), coordenado pelo MAPA, estimula a adoção do sistema como forma de garantir a continuidade das exportações mesmo diante de eventuais emergências sanitárias. Estados como Santa Catarina e Minas Gerais desenvolvem projetos-piloto em parceria com cooperativas e frigoríficos exportadores, que vêm apresentando resultados consistentes em biosseguridade, rastreabilidade e segregação de núcleos reprodutivos.

Figura 5: Compartimentação na avicultura e na suinocultura brasileira

Apesar das exigências e dos custos de implantação, a compartimentação tem se mostrado um investimento estratégico para o agronegócio brasileiro. O sistema protege a produção, reduz perdas econômicas e reforça a imagem do Brasil como produtor seguro e confiável no mercado internacional.

O avanço de tecnologias digitais, como sensores, blockchain e inteligência artificial, vem ampliando a rastreabilidade e a transparência dos processos, tornando a certificação mais ágil e eficiente. Ainda assim, pequenos produtores enfrentam desafios para aderir ao modelo, o que reforça a importância de políticas públicas de incentivo e capacitação técnica.

Com a combinação entre inovação, gestão e compromisso sanitário, o país se consolida como referência mundial em biosseguridade. Já consolidada na avicultura e em expansão na suinocultura, a compartimentação contribui para a segurança dos alimentos, a proteção das fronteiras comerciais e a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

 

Referências

ABPA. Associação Brasileira de Proteína Animal. Relatório Anual da Avicultura e Suinocultura Brasileira – 2024. São Paulo: ABPA, 2024.

ALMEIDA, M. N.; COSTA, R. P.; VILELA, D. A. R. Compartimentalização na suinocultura: uma abordagem prática de biosseguridade e gestão sanitária. Revista de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 70, n. 3, p. 401–410, 2021.

BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Manual de Compartimentação Avícola e Suinícola – Diretrizes Técnicas e Procedimentos Operacionais. Brasília: MAPA, 2023.

FORBES. Brasil tem recordes na exportação de carne de frango em 2023, diz ABPA. Forbes Agro, 2024.

OIE / WOAH. Terrestrial Animal Health Code. Paris: World Organisation for Animal Health, 2024.

VILELA, D. A. R. et al. Avian compartmentalization as a strategic tool for disease prevention and trade security. Poultry Science Journal, v. 102, n. 1, p. 145–152, 2023.

FAO. Food Outlook – Biannual Report on Global Food Markets. Rome: FAO, 2023.

MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária). Programa de Compartimentação de Estabelecimentos Avícolas e Suinícolas, 2023.

MENDES, A. A. & NÄÄS, I. A. (2022). Biosseguridade em sistemas intensivos de produção animal. Revista Brasileira de Ciência Avícola.

 

Por Amanda Félix S. Oliveira e Luana Abdalla Jaued Curi – discentes da disciplina de Defesa Sanitária animal do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ
Supervisionado por Clayton B. Gitti – Prof. Titular da UFRRJ
Foto de capa: goodfreephotos