Por Ana Elisa Almeida – Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária

 

A Medicina Veterinária é uma profissão de utilidade pública. Embora, à primeira vista, ainda seja associada apenas aos cuidados com cães e gatos, sua atuação é infinitamente mais ampla, estratégica e vital para o funcionamento da sociedade. A publicação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), “Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales”, de Pedro N. Acha e Boris Szyfres, tem 989 páginas. Isso diz muito: tamanho volume de conhecimento não cabe em uma visão estreita sobre a profissão.

Hoje, o Brasil conta com mais de 212 mil médicos-veterinários registrados no Sistema CFMV/CRMVs. Esses profissionais estão onde a saúde começa: na origem da produção de alimentos, no controle de zoonoses, no monitoramento ambiental e na defesa sanitária do país. Mais do que isso: são peças-chave para manter o Brasil na liderança global da exportação de proteínas de origem animal — principalmente carne bovina e carne de frango.

Nos frigoríficos, nas agroindústrias, nos laboratórios, nos supermercados e em toda a cadeia produtiva — que reúne mais de 108 mil empresas registradas no Sistema — o médico-veterinário é o responsável técnico que assegura que o alimento que chega à mesa, no Brasil ou no exterior, esteja dentro dos padrões sanitários exigidos. Ele garante não só a saúde do consumidor, mas também a credibilidade internacional do agronegócio brasileiro, setor que movimenta bilhões e sustenta a balança comercial do país.

A importância dessa atuação fica ainda mais evidente diante de situações emergenciais. O recente foco de gripe aviária de alta patogenicidade (IAAP) em granjas comerciais de Montenegro, no Rio Grande do Sul, foi detectado e contido em tempo recorde graças ao trabalho ágil e coordenado dos médicos-veterinários, zootecnistas e equipes técnicas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e dos órgãos estaduais de Defesa Sanitária Animal. Em resposta imediata, o Mapa declarou estado de emergência sanitária por meio da Portaria nº 795/2025, adotando medidas rígidas dentro de um raio de 10 km. Resultado: o foco foi controlado, a segurança dos alimentos foi mantida e a confiança dos mercados internacionais, preservada.

Casos como esse evidenciam que sem a pronta resposta dos serviços veterinários, a segurança alimentar estaria em risco. É essencial reforçar medidas de biossegurança, a vigilância contínua e a importância da notificação de qualquer suspeita. Vale ressaltar: a gripe aviária não é transmitida pela ingestão de carne ou ovos devidamente inspecionados, e o risco está no contato direto com aves doentes ou mortas — outro alerta importante ao qual os médicos-veterinários respondem com orientação técnica e científica à população.

Além da saúde animal e da segurança dos alimentos, somos responsáveis por mais de 67 mil estabelecimentos médicos-veterinários registrados – clínicas, hospitais, consultórios, ambulatórios e pet shops – que oferecem atendimento direto aos animais de companhia e silvestres. Também atuamos na saúde pública, na vigilância sanitária, na pesquisa, na produção de vacinas, no meio ambiente e no enfrentamento de emergências sanitárias e desastres naturais.

E se tudo isso ainda parece muito, vale lembrar: somos linha de frente no combate e prevenção às zoonoses, que representam 75% das doenças emergentes no mundo, segundo a OMS. A pandemia de Covid-19 reforçou a urgência de uma abordagem integrada, a Saúde Única, que conecta saúde humana, animal e ambiental. O médico-veterinário é um agente fundamental nessa interseção.

Ignorar essa realidade é ignorar a própria segurança da população. Por isso, conhecer a amplitude da Medicina Veterinária é mais do que uma curiosidade – é uma urgência. É enxergar que sem médico-veterinário, não há saúde plena, nem alimento seguro, nem meio ambiente equilibrado.

Somos médicos com V de vida, V de valor, V de vigilância, V de visão de futuro. A Medicina Veterinária é estratégica, é essencial, é compromisso com a vida em todas as suas formas.

Foto: Ana Elisa. Divulgação CFMV