Imagine um mundo onde animais são acometidos por alterações de saúde, vamos chamar de estados patológicos, sem que ninguém soubesse as causas ou como cura-los. Imagine que pessoas se apresentem doentes e com os mesmos sintomas das doenças dos animais e que ninguém tivesse conhecimento para fazer uma associação entre elas. Imagine pessoas se alimentando de produtos derivados de animais doentes sem terem a mínima ideia do que poderia advir deste ato. Imagine a produção de medicamentos com a utilização de animais de laboratório sem que houvesse um controle sanitário deles. Imagine alimentos sendo produzidos de qualquer maneira e comercializados sem qualquer cuidado higiênico e imagine também um mundo sem soros e vacinas contra as mais terríveis doenças dos animais transmitidas aos seres humanos. Pois é, este mundo fictício existiria se não fosse a criação no ano de 1761 da primeira Escola de Medicina Veterinária no mundo, por iniciativa de um advogado apaixonado por cavalos, Claude Bourgelat, na cidade de Lyon na França.

Esta então é a Medicina Veterinária conceituada como atividade imprescindível ao progresso socioeconômico, à proteção da saúde humana e animal, ao meio ambiente e ao bem-estar da sociedade e dos animais e que requer dos que a exercem a formação adequada, o conhecimento científico e o constante aprimoramento profissional.

A formação requer uma estrutura acadêmica que em um país com mais de 400 cursos, provavelmente poucas instituições terão condições de alcançar levando a que, de forma avassaladora, novos profissionais cheguem ao mercado de trabalho quando então e não raro, se defrontam com dificuldades inerentes a uma formação insuficiente e por vezes incompleta pela amplitude de disciplinas não cursadas, incompletamente cursadas e sem saberem sequer aplicar as mais elementares técnicas de exames para as quais não teve qualquer aprendizado prático.

Pois é meu caro ex estudante e agora profissional, que muitas vezes ingressou para estudar Veterinária sob o argumento de que gostava de bichos e descobre que a Medicina Veterinária é muito mais do que isto. Que ingressou em uma Faculdade com mais vagas do que candidatos e que por isso teve facilidade para o ingresso, mas que ao final e o pior, já diplomado, percebeu estar diante de uma atividade para a qual deveria estar preparado, mas que a facilidade inicial aliada a deficiência do ensino e aos vários tropeços pelo caminho, não o habilitou adequadamente para o mercado de trabalho por não reunir os conhecimentos mínimos necessários para o exercício profissional.

E agora?

O que fazer? Como reverter um quadro que não lhe permite exercer com competência sua atividade, afinal gostas tanto de bicho e agora não sabes profissionalmente como cuidar deles. E o comprometimento da Medicina Veterinária com a saúde pública? Afinal a Medicina cuida do homem e a Veterinária cuida da humanidade, conceito que possivelmente em nenhum momento durante o curso a sua instituição de ensino se preocupou em abordar por ter voltado a atenção apenas para poucas áreas também de importância é claro, mas que não representavam o conjunto de conhecimentos necessários, em função mais de algum tipo de facilidade administrativa do que de preocupação com o ensino. Desistir ou caminhar em busca, agora sim, de formação adequada que lhe permitirá aprender aquilo que já deveria saber? Então vamos lá fazer uma “pós”, dentro dos conceitos mais “modernos” de aprendizagem os chamados EAD ou ensino a distância, mas opa! como praticar uma técnica cirúrgica, um exame de laboratório, a inspeção de uma carne, um exame clínico ou identificar uma patologia animal possivelmente implicada com zoonose, apenas de forma virtual sem a atividade prática de elevada importância na profissão?

Pois é caro Médico Veterinário este pode estar sendo o quadro atual ou o caminho que se avizinha para o futuro próximo, desta profissão tão nobre e importante em um pais em que os argumentos financeiros muito comumente estão acima da importância científica, onde os temas ligados a saúde única, a segurança alimentar e dos alimentos tão afeitas a Veterinária muitas vezes não são sequer abordados nos cursos de graduação, que a formação do profissional está sendo negligenciada em troca de maiores ganhos econômicos de algumas ditas instituições de ensino que não vislumbram que, neste país de dimensões continentais e com a economia sustentada pelo agronegócio, o Médico Veterinário é um dos principais atores. Assim somente o gostar de bicho e o “faz de conta que ensina e o faz de conta que aprende” não podem ser as metas para os jovens que anseiam galgar esta profissão. É necessário que as instituições de ensino respeitem a sagrada missão de formar as gerações futuras com dignidade e seriedade e que aqueles que de fato querem exercer a Medicina Veterinária saibam que não há lugar para quem não tem uma formação adequada.

*Carlos Alberto Magioli
Médico Veterinário
Mestre e Doutor em Medicina Veterinária
Acadêmico da Academia de Medicina Veterinária no Estado do Rio de Janeiro