Autores: Letícia Alves Lins – Discente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ e José Miguel Farias Hernandez – Discente do Programa de Pós Graduação em Medicina Veterinária da UFRRJ.
Sob a supervisão de Prof. Clayton Bernardinelli Gitti – Docente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ.
A tuberculose bovina é causada pela bactéria Mycobacterium bovis, do complexo Mycobacterium tuberculosis da família Mycobacteriaceae. É uma doença caracterizada pela formação de lesões do tipo granulomatosas, de aspecto nodular, denominadas “tubérculos”, podendo acometer ocasionalmente outras espécies de mamíferos, incluindo o homem, principalmente através da ingestão de leite não pasteurizado. Portanto, o objetivo deste relato é descrever a transmissão da tuberculose bovina para os humanos.
Em bovinos, essa condição é caracterizada geralmente como uma enfermidade crônica e enfraquecedora, embora ocasionalmente possa se manifestar de forma aguda ou progredir rapidamente. Infecções agudas são frequentemente assintomáticas. Em estágios avançados, é comum observar perda de peso gradual, febre leve intermitente, fraqueza e falta de apetite. Bovinos com problemas pulmonares podem apresentar tosse com produção de secreção, dificuldade para respirar ou respiração rápida. Se o sistema digestivo estiver comprometido, podem ocorrer episódios intermitentes de diarreia e/ou constipação.
Os bovinos eliminam essa bactéria em secreções respiratórias, fezes, leite, urina, secreções vaginais ou no sêmen, sendo a inalação de aerossóis a principal via de transmissão entre os bovinos. Como a transmissão é predominantemente respiratória, o confinamento possui significativa importância na dispersão da doença no rebanho, o que explica a maior prevalência no gado leiteiro estabulado e menos no gado de corte, tendo em vista que eles são criados em sistema extensivo e abatidos precocemente, diminuindo o tempo de exposição ao agente infeccioso.
Para os criadores, a tuberculose bovina gera enormes prejuízos econômicos, devido a redução da produção de leite e de carne, maior necessidade de substituição dos animais no rebanho, condenação de carcaças com lesões de tuberculose no abatedouro, produção de crias debilitadas e diminuição do valor comercial da fazenda.
É importante destacar que alguns métodos de fabricação de queijo utilizando leite cru não asseguram a inativação de Mycobacterium bovis, o que pode criar condições para que esse alimento se torne um veículo de transmissão da tuberculose zoonótica. Adicionalmente, observa-se a existência de produtores ilegais de queijo que falsificam o selo do governo, o qual representa uma garantia de que o produto foi inspecionado quanto à sua segurança sanitária. Segundo as leis do Brasil, apenas laticínios que exibem um selo dos Serviços de Inspeção Federal (SIF), Estadual (SIE) ou Municipal (SIM) podem ser comercializados. A essas siglas sempre é atribuído um número, que identifica o produtor nos registros governamentais. As fraudes são realizadas de quatro maneiras: os falsificadores replicam a embalagem, o rótulo e o número de registro de uma queijaria que havia encerrado suas atividades; criam uma nova marca, mas utilizam o número de registro de uma empresa legalizada que opera em outro setor alimentício; introduzem uma nova marca e inventam um número de registro; ou copiam o rótulo e o número de registro de um produtor de queijo ainda em atividade. Esses queijos com selos falsos raramente são comercializados em grandes redes de supermercados, mas sim em estabelecimentos menores que não requerem comprovantes fiscais.
As crianças correm maior risco de contrair a infecção por Mycobacterium bovis quando consomem leite não processado de vacas infectadas com tuberculose, mesmo que contenha apenas uma pequena quantidade da bactéria. Já os adultos mais propensos à infecção são aqueles que têm contato ocupacional com animais, como tratadores de gado, ordenhadores, trabalhadores em indústrias de carne (como açougueiros e funcionários de matadouros e frigoríficos), veterinários e moradores de áreas rurais que mantêm contato próximo com animais. A infecção pode ocorrer por inalação de aerossóis contaminados ou pelo consumo de leite e produtos lácteos não pasteurizados. O risco de contrair M. bovis através do consumo de carne contaminada é menor, devido à baixa presença da bactéria nos tecidos musculares.
A tuberculose em humanos causada por Mycobacterium bovis não pode ser distinguida clinicamente da tuberculose causada por Mycobacterium tuberculosis, podendo apresentar um nível similar de gravidade. As formas extrapulmonares mais comuns são, em ordem de frequência, a ganglionar (afetando os gânglios linfáticos), a geniturinária, a óssea, a articular, a intestinal, a peritoneal e a neurológica (envolvendo o sistema nervoso central). No entanto, formas pulmonares também podem ocorrer.
Trata-se de uma zoonose de distribuição global, com uma prevalência significativamente maior em países em desenvolvimento em comparação com os desenvolvidos. Isso se deve em grande parte à implementação de programas de controle e erradicação, bem como à prática de inspeção de carnes e pasteurização do leite nos países mais desenvolvidos. Em 2019, estima-se que tenham ocorrido cerca de 140.000 novos casos de tuberculose zoonótica em todo o mundo, principalmente na África e no Sudeste Asiático.
O diagnóstico da tuberculose zoonótica em seres humanos segue os padrões clínicos e os exames complementares estabelecidos para o diagnóstico da tuberculose em geral. No entanto, a baciloscopia e o teste rápido molecular para tuberculose (TRM-TB) não distinguem entre Mycobacterium bovis e Mycobacterium tuberculosis. É importante essa diferenciação pois o M. bovis é naturalmente resistente ao tratamento farmacológico. Sendo assim, tratamentos malsucedidos podem resultar no desenvolvimento de cepas multidroga-resistentes, impedindo a cura do paciente, tornando-o um potencial transmissor dessas cepas resistentes a outras pessoas e animais, e eventualmente levando-o à morte. Portanto, para diferenciar entre as espécies de micobactérias do complexo Mycobacterium tuberculosis, é necessário realizar o cultivo de micobactérias em amostras de escarro ou de biópsias, além de testes bioquímicos e/ou técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR) dos isolados de cultura para identificar a espécie específica.
Portanto, frente à realidade em que as zoonoses impactam tanto a saúde humana quanto a saúde animal, torna-se evidente a importância da aplicação de estratégias de controle fundamentadas na abordagem de Saúde Pública, que envolve o engajamento intersetorial.
Referências
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