Calma. Não estou me referindo a nenhum compatriota do Luiz de Camões ou do Saramago. Falo do nosso idioma, mais comumente chamado de língua, que melhor classifica um órgão do sistema digestivo.

Um idioma vivo

Diferentemente do latim, do grego clássico, do sânscrito e do aramaico, o idioma de Jesus, o português é um idioma que está vivo e, portanto, sujeito a alterações criadas por esse povo todo: 260 milhões de pessoas de nove países, com apenas um dos quais pode ser classificado como culto: Portugal. Daí o nosso idioma ser classificado – com algum exagero, “O cemitério das Idéias.”

Os nove países que falam português

  1. Portugal
  2. Brasil
  3. Angola
  4. Guiné-Bissau.
  5. Guiné-Equatorial.
  6. Moçambique.
  7. São Tomé e Príncipe.
  8. Timor-Leste.
  9. Cabo Verde.

O dono do idioma

Portugal, como é do conhecimento geral, é o dono do idioma falado e escrito nesses nove países. E, comparado com o Brasil, ao menos segundo minha experiência pessoal, morando lá, durante um ano, como correspondente independente de Bloch Editores, no dia a dia eles usam um vocabulário muito maior do que nós, brasileiros. E, em certos casos, fica difícil entender o que eles estão falando, inclusive (ou inclusivamente, como eles falam) porque não usam radicais importados de outros idiomas, como anglicismos, por exemplo.

Veja se você consegue entender o que a D.Arlete, corretora de imóveis, nos ofereceu para alugar quando chegamos em Portugal, no final da década de 1980, para passar um ano: “Senhor Doutor Leal – temos um ótimo andar, no Estoril, todo alcatifado, com quatro assoalhadas, uma ótima arrecadação, mas porém sem recheio”.

Como, provavelmente, você não entendeu nada, aqui vai a tradução:

  • Andar = apartamento
  • Alcatifado = acarpetado
  • Quatro assoalhadas = sala + três quartos
  • Arrecadação = depósito fora do apartamento
  • Recheio = mobília + equipamentos

Mas, com o prestígio das novelas brasileiras, eles estão se “abrasileirando”, aos poucos. Os portugueses são muito precisos em relação ao uso das palavras. Logo na primeira semana, estacionei o carro num pequeno posto, perto do apartamento. Depois de abastecer, pedi ao único frentista para “olhar” a bateria. Ele olhou e disse: “Está no lugar, sim senhor.” Eu deveria ter solicitado para ele “verificar” a bateria.

Uma piada definidora

Um casal chegou à noite a Lisboa e alugou um carro com o objetivo de ir para a cidade do Porto. Chovia. O trânsito estava terrível e eles completamente desorientados, até que conseguiram parar ao lado de uma calçada e perguntaram a um senhor, que vinha passando: “Por gentileza, senhor, aquela ponte lá embaixo “vai” para o Porto?”

O senhor, educado e solícito como todos os portugueses, olhou para a direção da ponte, e falou: “ Meu senhor, se ela vai ou não vai não sei lhe dizer, mas se for, nos fará muita falta,” A pergunta deveria ter sido, se ela “conduz” ao Porto.

A involução do idioma no Brasil

É consensual que ainda não somos um povo culto, capaz de expressar-se corretamente. E também, todo mundo concorda que o idioma é uma das principais manifestações de educação e cultura de um povo.

É muito importante que os nossos colegas veterinários, zootecnistas e de todas as demais profissões, levem a sério a forma de expressar-se, tanto falando como escrevendo, e não se limitem à leitura dos textos técnicos, mas também se dediquem à dos bons livros.

Mas para escrever com clareza, o aconselhável é reparar como os jornais e as revistas semanais, escrevem os títulos (contando, de forma resumida, toda a história), e o texto que vem em seguida, que conta um pouco mais e é chamado de lide (o que vem na frente, o que lidera). Dessa maneira, o leitor pode aprofundar-se na leitura, conforme o seu interesse pelo assunto.

E isso não significa que o bom é escrever complicado, com a pretensão de demonstrar cultura, nem muito menos à simplificação excessiva e pobre utilizada nos meios digitais, cheios de: tá, tbém,vc, etc.

Educação e cultura: duas necessidades

Privilegiar o ensino das profissões de nível superior e menos as de nível técnico – ai incluídas as do setor veterinário – não me parece ser o melhor caminho.

Embora tenhamos ótimos exemplos nos cursos do SENAI, do SENAC, do SEBRAE, e em alguns específicos do setor do agronegócio, ainda é muito pouco diante das necessidades e das oportunidades oferecidas pelo País.

E há o problema do prestígio, muitas das vezes indevido, gozado pelas profissões de nível superior, que, em muitos casos, de superior só têm o nome, como acontece com boa parte da absurda quantidade das cerca de 500 faculdades de veterinária em operação no Brasil: número superior ao de todas as faculdades de veterinária do mundo.

Será que alguém ainda tem dúvida da importância da educação e da cultura, para a economia, a saúde, a segurança, o índice de desenvolvimento humano (IDH) e a felicidade de um povo?

Será que alguém desconhece o que aconteceu, por exemplo, na Coréia do Sul, que há apenas 15 anos não passava de um pequeno país pobre, carente de matérias primas, e que graças a uma importante revolução na educação, é hoje uma nação rica, muito evoluída, com ótimo IDH e exportadora de artigos de alta tecnologia?

Mas… e o assassinato do português?

Insisto em que o idioma é uma das mais importantes manifestações de cultura de um povo, e o nosso português vem sendo diária e progressivamente, assassinado.

Isso a gente verifica notadamente no idioma falado, nas letras das novas músicas, difundidas massivamente nas rádios, nas TVs e muito nas mídias sociais da Internet.

Pretensos artistas, que cantam letras absurdas, idiotas, chulas, sem sentido, e até mesmo imorais, contam com grandes salários e públicos de milhões de pessoas.

Vejam algumas palavras que saíram de moda e foram trocadas por outras

Liquidação                         Sale
Vista (bonita)                    Visual
Difícil                                   Complicado
Apagar                                 Deletar
Escrever                              Digitar
Tensão (nervosa)               Estresse
Matéria (texto)                   Conteúdo
Falso                                     Fake
Falar, dizer                          Colocar
Pergunta                              Questionamento
Diferente                              Diferenciado
Uma prova importante      Robusta
O que não consta na bula  Off Label
Compliance                          Conformidade

Esses são apenas alguns exemplos colhidos ao acaso. Se essa tendência é boa ou má, o leitor dirá.