1. Introdução

1.1 Etiologia

A parvovirose é uma doença infectocontagiosa de origem viral, pertencente à família Parvoviridae. Esta família inclui uma variedade de gêneros virais que afetam diferentes tipos de animais, dentre eles o gênero Parvovirus canino (CPV2). O CPV2 é responsável por uma das infecções caninas de maior relevância na medicina veterinária, associada a altos níveis de mortalidade. Desde o final dos anos 1970, a enterite viral causada pelo Parvovirus Canino (CPV2) tem sido reconhecida como uma das principais causas de diarreia infecciosa em cães jovens. Nesse contexto, os filhotes são mais afetados pela parvovirose do que os cães adultos, possivelmente devido à sua menor resistência e imunidade adquirida em comparação com os cães adultos.

1.2. Transmissão

Outro fator relevante relacionado ao Parvovirus é sua alta resistência. Ele é capaz de sobreviver em uma ampla faixa de pH e temperatura, além de permanecer viável no meio ambiente por meses ou até anos. Além dessa notável resistência, a doença é extremamente contagiosa, ocorrendo por exposição oral às partículas virais excretadas nas fezes. A transmissão acontece por via orofecal, iniciando-se pela ingestão de água ou alimento contaminados com fezes de um animal infectado.

1.3 Patogenia

As manifestações clínicas da parvovirose são principalmente gastrointestinais, apresentando-se como gastroenterites. No entanto, é possível observar uma manifestação sistêmica da doença. Após a entrada do vírus no organismo, ele inicialmente percorre o sistema imunológico via hematolinfática, atingindo os linfonodos cervicais, onde ocorre a primeira viremia. Em seguida, o vírus se espalha para os linfonodos sistêmicos (segunda viremia), resultando em vasculite, artrite, septicemia e miocardite. Por fim, o vírus alcança o estômago e o intestino, locais onde ocorrem as manifestações clínicas mais características da doença.

A forma miocárdica da parvovirose é mais rara e ocorre principalmente em filhotes recém-nascidos ou ainda no útero de cadelas não vacinadas. No entanto, devido à ampla disseminação do Parvovirus no mundo, muitos cães adultos possuem anticorpos contra o CPV2. As cadelas prenhas transmitem esses anticorpos aos filhotes através da placenta e do colostro, conferindo imunidade aos neonatos até uma certa idade. Quando os níveis de anticorpos diminuem, os filhotes tornam-se suscetíveis à infecção, apresentando sintomas gastroentéricos.

1.4. Sinais clínicos

Em geral, os sinais clínicos associados à enterite por parvovirose canina podem não ser específicos, com o animal apresentando apatia, prostração, inapetência e febre. No entanto, a maioria dos cães desenvolve vômito e diarreia sanguinolenta profusa e progressiva, considerados sinais característicos da parvovirose canina. Além disso, devido à grande perda de fluidos causada pelo vômito e diarreia, é comum ocorrer desidratação grave.

1.5. Diagnóstico

O diagnóstico clínico da parvovirose em cães depende de exames laboratoriais, pois os sintomas gastrointestinais podem ser confundidos com outras doenças. É fundamental combinar esses exames com uma anamnese detalhada, observação dos sintomas específicos de cada animal e exames físicos, como a palpação abdominal. Essas informações em conjunto permitem um diagnóstico eficaz, importante para isolar os animais infectados, implementar medidas preventivas e iniciar o tratamento o mais rápido possível. A parvovirose canina tem alta morbidade, mortalidade e letalidade, tornando o diagnóstico precoce crucial. Testes laboratoriais, como o teste Elisa, são úteis para identificar o vírus nas fezes dos cães infectados de forma rápida e fácil.

  1. Digestão e absorção de carboidratos

Em cães saudáveis, o início da digestão de carboidratos se dá principalmente após a passagem do alimento pelo estômago, pois trata-se de uma espécie que não possui a enzima amilase salivar atuante na região da cavidade oral. Portanto, a amilase pancreática será a enzima atuante na hidrólise dos carboidratos, lançando sua secreção juntamente com o suco pancreático para degradar inicialmente Amilose, Amilopectina e Glicogênio, tendo continuidade dessa digestão na região do intestino delgado, onde os produtos resultantes da digestão luminal são atacados por enzimas presentes na superfície externa das células epiteliais do intestino delgado encerrando a digestão.

Os nutrientes digeridos precisam de transportadores como o SGLT1, GLUT2 e GLUT5, responsáveis pela absorção de glicose, galactose e frutose, estes proporcionam a passagem de suas moléculas para a membrana em escova presente na luz intestinal e membrana basolateral, de onde serão encaminhados para o meio interno do sangue ou da linfa.

2.1 Vírus da Parvovirose e absorção de carboidratos

O epitélio germinativo começa a amadurecer até que as vilosidades, local em que se localizam os enterócitos, passem a ser suscetíveis à absorção dos nutrientes oriundos da digestão e a parvovirose acomete justamente o epitélio germinativo, onde o agente viral tende a se replicar nas células epiteliais, causando uma destruição das criptas intestinais, o que se conclui em necrose do epitélio intestinal, atrofia das vilosidades e degradação do tecido de sustentação da lâmina própria, fatores estes que favorecem uma inflamação hemorrágica na camada mucosa. Dentre as enterites virais, a parvovirose é considerada a mais grave devido ao seu tropismo pelos enterócitos da camada basal.

Como visto anteriormente, o processo de digestão e absorção de carboidratos ocorre essencialmente no intestino delgado, local no qual estão localizadas as estruturas mencionadas acima, que são fundamentais para que o organismo adquira os produtos da digestão luminal, ou seja, os monossacarídeos Glicose, Galactose e Frutose. Em se tratando da absorção, esta pode ocorrer na membrana apical que mantém contato com o lúmen intestinal ou basolateral em contato com os líquidos extracelulares. Com tal mudança conformacional do epitélio e vilosidade intestinal, provocada pela ação do vírus, a entrada dessas substâncias nas membranas do enterócito e luminal pelos mecanismos de transporte SGLT1, GLUT5 e GLUT2 são prejudicadas, e consequentemente esse fator prejudicial afeta a transferência dessas substâncias que deveriam passar, através das células epiteliais, para a corrente sanguínea ou linfa e serem distribuídas aos tecidos.

Por isso, animais acometidos por esse vírus, consequentemente, apresentam quadros de vômito e diarreia, esta última podendo ser excessiva e hemorrágica. Tal quadro apresentado é um fator comum em animais acometidos pelo vírus, já que há uma dificuldade na absorção dos nutrientes que passam por essa região lesionada, e tudo que o animal não consegue absorver é eliminado por meio das fezes.

  1. Tratamento

Tendo em vista que ocorre perda dos nutrientes ingeridos devido a insuficiência na absorção adequada provocada pela alta quantidade excretada de diarreia, a parvovirose provoca como consequência sinais de letargia e prostração, onde o cão não apresenta forças para reagir à doença. Pode-se dizer que uma boa ferramenta para combater os sintomas do vírus está relacionada a uma alimentação assistida para repor uma parte do que está sendo perdido, visto que, a alimentação é um fator fundamental para que o trato gastrointestinal recupere a conformação da sua mucosa e vilosidades. Este é um assunto que vem sendo bastante discutido no âmbito acadêmico, por ser um assunto polarizado. Sabe-se que a alimentação é essencial na recuperação do animal por estimular o reparo da mucosa intestinal, mas por outro lado há quem prefere a abordagem de jejum, mesmo não tendo base científica.

Cães com enterite por Parvovirus alimentados desde o primeiro dia de tratamento tiveram seu tempo de recuperação encurtado e mantiveram peso corporal quando comparados com cães que receberam a abordagem de retenção de alimentos até que os sinais tenham cessado. (DAMETTO, 2019, p. 23).

Devido à destruição das vilosidades intestinais pelo vírus, o que impede sua regeneração e, consequentemente, a absorção de nutrientes, é crucial que seja implementada uma reposição nutricional para promover a regeneração dessas vilosidades. Isso ajuda a restabelecer sua capacidade de absorção, estabilizando o animal até que o vírus seja eliminado do organismo. Iniciar o tratamento o mais rápido possível é fundamental para melhores resultados, reduzindo as chances de agravamento do quadro clínico.

Considerando os sintomas de vômito e diarreia, a desidratação é comum e, portanto, é essencial a reposição de líquidos e componentes corporais, como água, eletrólitos, glicose, aminoácidos e ácidos graxos, por meio de fluidoterapia. Uma dieta de fácil digestibilidade é fundamental, podendo ser administrada de várias maneiras: por via oral, onde o animal se alimenta voluntariamente, podendo ser auxiliado com seringas; enteral, onde o alimento é fornecido diretamente no trato gastrointestinal sem danificar a mucosa, mesmo em casos de vômito e diarreia; ou microenteral, quando o animal se recusa a comer, sendo administradas pequenas quantidades de soluções líquidas.

Antes de se iniciar quaisquer ações, é importante levar em consideração quais são as necessidades energéticas de cada paciente como presença prévia de alguma comorbidade, tamanho e peso corporal, em qual fase de desenvolvimento se encontra, entre outros. Estes fatores são importantes a serem considerados para uma correta condução do tratamento.

Sabe-se que não há um tratamento específico para a Parvovirose, sendo necessário adotar abordagens diferenciadas para cada paciente. Portanto, a prevenção e controle desse vírus são de extrema importância. Isso requer, principalmente, a administração de vacinas que conferem imunidade, reduzindo a taxa de contágio. Além disso, medidas preventivas devem ser implementadas, como evitar a exposição de cães filhotes não vacinados a ambientes de grande circulação, como feiras de exposição, e restringir seu acesso às ruas para minimizar o contato com outros animais errantes. Quando possível, é importante incentivar a ingestão de colostro nos primeiros dias de vida para adquirir imunidade passiva e eliminar agentes que facilitam a contaminação ou agravamento da doença, como a vermifugação adequada.

3.1 Glutamina

A Glutamina vem sendo bastante estudada para tratamentos de diarreia hemorrágica pois trata-se de um substrato energético dos enterócitos onde contribui para a cicatrização e manutenção das microvilosidades do trato gastrointestinal além de diminuir a permeabilidade da região para toxinas.

  1. Conclusão

Um bom funcionamento gastrointestinal é crucial para a absorção adequada de nutrientes em cães saudáveis, mas a infecção por Parvovirus é capaz de comprometer esse processo. O tratamento busca a reposição nutricional, visando a regeneração das microvilosidades intestinais e a absorção de nutrientes, estimulando a recuperação. A compreensão dos processos fisiológicos, diagnóstico precoce e a aplicação do tratamento adequado são fundamentais para garantir a recuperação e bem-estar dos animais afetados.

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Autores: Jessie Bezerra Alexandre de Lima, Júlia de Souza Costa, Guilherme dos Santos Aguiar, Beatriz Conceição dos Santos e Laura de Lourdes Schneider – Discentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Supervisionado por: Prof. Clayton B. Gitti – Docente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ.

Foto: Pxhere.com