O Brasil ocupa a quarta posição mundial na produção de leite, com uma produtividade de 2.621 litros/vaca/ano, ficando atrás de países como a Nova Zelândia, que possui uma produtividade de 4 mil litros/vaca/ano (EMBRAPA, 2020). A realidade do nosso país era bem diferente no passado, como por exemplo em 2006 quando nossa produtividade era a metade do que é visto hoje. Para isso houve mudanças na forma que lidávamos com o rebanho, com maior atenção para o melhoramento genético, nutrição e sanidade animal. 

Contudo, mesmo com grandes avanços, ainda hoje alguns distúrbios metabólicos continuam ocorrendo em rebanhos leiteiros, afetando a saúde dos animais e consequentemente sua produção. Um desses distúrbios é a hipocalcemia ou febre do leite, que ocorre num período bastante delicado para o animal, o período de transição, onde ao se implementar um manejo adequado e uma atenção aos animais de pré-parto, é possível evitar.

Patogenia

Segundo Wilkens et al., (2020) a hipocalcemia é um distúrbio metabólico relacionado ao metabolismo do cálcio (Ca), importante mineral para o organismo desempenhando funções como mineralização óssea, coagulação, potenciais de ação cardíaca, sinalização celular como um segundo mensageiro e contratilidade muscular e que portanto, a hipocalcemia leva à paresia e até mesmo à morte. Sua apresentação pode ser de forma clínica e subclínica, sendo a forma subclínica a que mais chama atenção por conta da dificuldade do diagnóstico e que pode atingir cerca de 50% do rebanho após o parto.
Esse distúrbio se apresenta como uma consequência da alta de demanda por cálcio pós-parto em vacas leiteiras (início de lactação) e é mais comum em animais mais velhos por conta da redução do número de osteoclastos. (WILKENS et al., 2020).

Quando há diminuição dos níveis de Cálcio no sangue, a glândula paratireoide induz a liberação de paratormônio (PTH), que estimula a osteclastogenese que mobiliza cálcio do tecido ósseo, podendo também atuar nos rins para reabsorver mais cálcio e também estimula a conversão de 25-hidroxivitamina D3 no metabólito da vitamina D (1,25 (OH) 2 D3, que ajuda na reabsorção renal e absorção intestinal de cálcio. (WILKENS et al., 2020).

Efeitos e consequências

Como consequência o animal recém-parido que acometido por essa disfunção metabólica apresenta sinais de paresia e passa a ficar mais predisposto à deslocamento de abomaso, casos de cetose, metrite, retenção de placenta e descartes precoces. (WILKENS et al., 2020)

Segundo Wilkens et al.,(2020) os casos de hipocalcemia clínica afetam cerca de 5% de um rebanho no pós parto, seus sinais são evidentes. Mas, o que preocupa pesquisadores é a hipocalcemia subclínica, que apesar de não promover sinais clínicos, afeta 50% do rebanho no pós parto, seu diagnóstico é difícil na rotina da fazenda, mas quem realiza deve ficar atento para concentrações de cálcio abaixo de 2,0 mmol/L em 24 e 48 h pós-parto.  Nos casos mais graves, o animal é levado à morte. 

Dietas especiais como estratégia de prevenção

O período de transição, formado por três semanas antes e três semanas após o parto, é uma fase considerada de desafio para as fêmeas bovinas, porque nessa fase o animal passa por alterações de caráter fisiológico, demandando maior atenção ao manejo e a nutrição (Storck, 2013).

Existem basicamente duas dietas especiais para essa fase do animal, que ajudam a evitar a hipocalcemia: dietas deficientes em cálcio que estimulam a secreção e atividade de PTH ou dietas com manipulação do balanço cátion-aniônico, ativando a absorção de Ca (Santos, 2011).

Ainda segundo Santos (2011), em dietas com deficiência de cálcio, deve-se oferecer menos de 20 gramas diárias de Ca em forma absorvível. Isso faz com que o PTH regule a homeostase, estimulando a reabsorção óssea e ative a absorção de Ca no intestino, pela síntese de Vitamina D. Sendo assim, quando o animal parir e ingerir uma dieta com quantidade maior de cálcio, a reabsorção óssea e a absorção de Ca pelos enterócitos irão impedir ou diminuir a hipocalcemia.

É importante dizer que, para fornecer uma dieta com deficiência de cálcio, é necessário que se conheça bem a composição dos alimentos fornecidos, já que muitos possuem uma quantidade significativa do mineral. 

Já as dietas cátion-aniônicas utilizam o aumento de cloro e enxofre, e diminuem a quantidade de sódio e potássio. Esse tipo de dieta altera o metabolismo do cálcio, induz uma pequena deficiência, fazendo com que a resposta ao PTH aconteça, aumentando a urina e permitindo a mobilização óssea (Santos, 2011).

Conclusão

Apesar de ainda bastante corriqueira em alguns rebanhos, a hipocalcemia tem prevenção e pode ser evitada. É preciso ter consciência de que as três semanas pré e pós-parto são de grande desafio para o animal, portanto, um olhar especial ao manejo, sanidade e nutrição dos animais que estão nessa situação dentro do rebanho é fundamental para evitar que o distúrbio metabólico aconteça.

Referências

SANTOS, J. E. P. Doenças metabólicas. In: BERCHIELLI, T.T.; PIRES, A. V.; OLIVEIRA, S. G. Distúrbios metabólicos. Nutrição de Ruminantes. 2. ed. Jaboticabal: FUNEP, 2011. 616 p. Acessado em: 02 de julho de 2021.

STORCK, Daniel Jonas. Utilização de dietas aniônicas como prevenção de hipocalcemia em vacas de leite. 2013. Acessado em: 03 de julho de 2021.

WILKENS, M. R. et al. Symposium review: Transition cow calcium homeostasis—Health effects of hypocalcemia and strategies for prevention. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 3, p. 2909–2927, mar. 2020. Acessado em: 05 de julho de 2021. 

Por Anna Carla Silva Cunha1; Júlia Roberta Carioca Bezerra1; Ana Paula Lopes Marques2; Clayton Bernardinelli Gitti2 (1 Discentes e 2 Orientadores, Grupo de Estudos Liga de Bovinos – LiBovis  Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ)