Não adianta perder tempo com prosopopeias, para tentar justificar a razão de dar voz humana aos animais nas fábulas, lendas e contos infantis. Na cultura de muitos povos, a contação de histórias visa educar, muitas vezes, com lições de moral, narrativas de memória ou aspectos mitológicos. Atualmente, falar sobre o grego Esopo, o francês La Fontaine, os alemães irmãos Grimm ou Monteiro Lobato, parece coisa ultrapassada. Contudo, esses escritores são muito importantes, por transmitirem, até hoje, através de seus livros, preceitos e valores morais universais.
Nas fábulas e lendas, os animais falam, sentem e pensam como gente! Os personagens, quase sempre animais ou insetos, tomam narrativas de seres fantasiosos e mágicos. Na forma de pequenas novelas, para a educação infantil, elas comunicam muito mais e permitem melhor reflexão.
E agora? Como devo contar essas historietas?
Atualmente, simples historietas parecem confrontar paradigmas modernos. Talvez, por esse motivo, pouco a pouco, as historinhas estejam sendo esquecidas. Por exemplo, vivendo os tempos do “politicamente correto”, como seria narrada “A Cigarra e a Formiga”, sem despertar conflitos ideológicos?”
Como? Um blogueiro, após estudar “cientificamente” o assunto, proporia a versão! Entenderia eles que a culpada, pela situação de fome e frio, da cantora “Homoptera-Cicadidae”, deveria ser punida. Afinal, a cigarra é a vítima da severa e injusta espoliação alimentar, por parte da rubicunda cortante “hymenóptera formicidae”, burguesa conhecida em todo o mudo como “acumuladora-capitalista”, danosa ao meio ambiente. O “influenciador digital” sugeriria um nome para a nova fábula “Cigarras sim; Formigas não”? Logicamente, dois lemas! “Abaixo as formigas, ou elas acabarão com o Brasil!”; logo seguido de – “Cigarras unidas jamais serão vencidas!”.
A ilustração, para ampliar a compreensão do texto!
Muitos livros de contos infantis são artisticamente ilustrados! Usam belas pinturas e desenhos, para estimular o imaginário infantil. A lenda “O Negrinho do Pastoreio”, típica e antiga no Rio Grande do Sul, inspirou interessante interpretação pictórica singela e ingênua no quadro “Lenda dos Pampas”, de Rocha Maia. Nessa obra, o menino foi representado com um resplendor sobre a cabeça e asas de anjo, sugerindo a sua espiritualidade elevada, cavalgando pelas coxilhas floridas, com borboletas multicoloridas, simbolizando a mudança, a felicidade, a renovação e a liberdade!
Assim a é contada (Lendas do Sul – Simões Lopes Neto)
Faz muito tempo, assim contam, havia um estancieiro pilchudo que, num dia de vento Minuano sujo, como se diz lá para as bandas do Sul, mandou um menino juntar no curral os animais recém comprados. Ao entardecer, quando o pequeno escravo voltou, o fazendeiro disse que faltava um cavalinho baio. De fato, faltava! Com o chicote, por castigo, surrou o guri até sangrar. Amedrontado e sofrendo dores, o menino foi procurar o animal. Logo ele o achou! Infelizmente, o cavalo, que sempre fora livre, fugiu outra vez.
O negrinho retornou ao curral quando anoitecia. Lá ele encontrou o malvado estancieiro, ainda mais nervoso! O garoto, depois de surrado novamente, foi amarrado sem roupa e colocado sobre um formigueiro. No dia seguinte, milagrosamente, o pequeno escravo estava sem marcas de chibatadas ou ferroadas dos insetos. Ao lado dele, muito iluminada, estava Virgem Maria; e mais adiante, manso e em pelo, esperava o piquira fujão! Depois, bem na frente do malvado homem, o menino beijou a mão da sua santa madrinha; montou ligeiro, galopou e…, sumiu no horizonte! O tempo passou! Andarilhos e cavaleiros, passaram a noticiar: “Um menino negrinho foi visto, galopando um baio, pelas coxilhas”. O imaginário popular tratou de juntar crenças religiosas e superstições, dando ao menino o poder de encontrar coisas perdidas, desde que, naturalmente, o pedido fosse feito, na intenção de Nª Senhora, mas rogando pela felicidade e a libertação do pequeno escravo.
Ainda hoje, no Sul, acredita-se, o Negrinho do Pastoreio pode ajudar a encontrar objetos perdidos. Basta acender uma vela perto de um formigueiro e pedir, com fé! Só assim o objeto será encontrado!