Vocação histórica para as coisas do campo como receita de sucesso,  diversificar as atividades e evoluir a partir do trabalho contínuo pela busca de qualidade. Foi assim que a Fazenda Atalaia, situada no município paulista de Amparo, a 140 km da capital, transformou sua tradição cafeeira do século passado em referência na produção de queijos artesanais e outros produtos oriundos da pecuária leiteira, uma das principais atividades da propriedade, atualmente.

A propriedade, que pertenceu a Pedro Penteado, presidente do Banco Industrial de Amparo, datada de 1870, traduz visualmente o resultado da cultura material do café. Porém, apesar da tentativa de continuidade do cultivo do café, os efeitos da crise de 1929 acabaram favorecendo a busca por novos meios para sobrevivência, dado justificado pelo alambique construído após 1940, quando a administração da propriedade passou a ser realizada pelo casal Caram José Matta e Zakie José Matta (avós maternos de Paulo, atual proprietário), família de origem libanesa, vinda para o Brasil em 1908.

“O reconhecimento da potencialidade dos espaços históricos da fazenda, atrelado às ideias preservacionistas da atual gestão, reverbera na ressignificação dos respectivos espaços, o que nos permitiu agregar outras atividades na propriedade”, afirma o engenheiro agrônomo formado pela Esalq/USP e gestor da fazenda, Paulo Rezende. “O antigo alambique deu lugar a uma marcenaria cujas madeiras são aproveitadas nas obras de recuperação e no restauro arquitetônico da tulha e sede (construções de taipa de mão e de pilão).”

Entre as iniciativas de diversificação das atividades desenvolvidas na propriedade ele cita a educação patrimonial e o turismo rural, recebendo escolas que vivenciam em oficinas o processo de fabricação de queijos, pães e oficinas de técnicas construtivas vernaculares (taipa de mão, pilão e adobe), além de turistas, aos finais de semana e feriados, que podem se aproximar da história através do café da manhã da fazenda e de uma visita guiada pela propriedade.

PRODUÇÃO

Outro pronto destacado pelo proprietário foi a percepção de que as possibilidades relacionadas à produtividade na fazenda podiam atingir outros patamares e agregar mais valor às atividades. “Nesse viés, a mudança de foco, voltada para a pecuária leiteira, com a criação de vacas de raça holandesa, para produzir queijos especiais, além de nos proporcionar um novo negócio, confere a singularidade e originalidade da produção”, diz.

O resultado disso é que, em 2016, dessa produção saiu o primeiro produto brasileiro premiado com uma medalha de ouro no World Cheese Awards, realizado em San Sebastian, na Espanha: o Queijo Tulha, fabricado a partir de uma massa cozida com leite de vaca tipo A, com baixo teor de gordura e três tipos de maturação (8, 12, e 18 meses, na antiga tulha de café).

“Graças à ação de fungos, bactérias e leveduras típicas do ambiente natural da tulha, o queijo tem uma casca dura e avermelhada. Sua massa é firme, como a de um parmesão, mas ela desmancha na boca, revelando o sabor salgadinho delicadamente cítrico, com a presença de cristais que lembram maracujá”, descreve Rezende. “Não por acaso, ele é utilizado por diversos chefs e restaurantes de São Paulo.”

Outros destaques da queijaria são o queijo Mogiana, maturado por 120 dias, com boa acidez, tom alaranjado, por conta do uso de urucum na massa, indicado para receitas quentes, e o queijo Mantiqueira, de sabor suave, apresentado duas versões: com casca maturada com alecrim ou lavada na cerveja Stout que, na boca, apresenta maior cremosidade.

EQUIPE

Segundo o gestor da Atalaia, a equipe é formada por colaboradores que estão, constantemente, focados na interação entre os diferentes setores que, juntos, participam efetivamente da produção e da entrega do queijo, do ponto administrativo e de gestão. “Trabalhamos com todo o processo que assegura o produto “queijo”. Produzimos a silagem, inseminamos o rebanho, promovemos um ambiente agradável para as vacas produzirem leite de qualidade, enfim, cuidamos do ambiente onde os queijos são maturados, ou seja, restauramos e preservamos o patrimônio e a história do local. Assim produzimos queijo respeitando o processo produtivo por um todo”, destaca.

“A empresa evoluiu a partir do trabalho contínuo com foco na qualidade, buscando atrelar a métrica inovação ao ambiente, assim começamos a produzir queijos a partir da iniciativa de Rosana Rezende, na cozinha de casa”, relata.  “Atualmente, temos um laticínio internamente em nossa tulha histórica de 160 anos”, informa e acrescenta que a propriedade tem uma equipe de 70 colaboradores e produz, diariamente, 350 kg de queijos. “Nosso catálogo conta com cerca de 40 produtos.”

Em relação aos produtos, Rezende afirma que é importante estar atento a todo processo produtivo para garantir qualidade e sustentabilidade à cadeia produtiva e ao produto final. “O queijo começa na terra, na comida da vaca, no ambiente e nas paredes, que mantêm o ambiente único e singular, construídas a partir da taipa de mão (pau a pique), que nós constantemente preservamos”, detalha. “Estamos sempre abertos às demandas de chefs e da sociedade, por isso, temos uma postura muito atenta às demandas do setor de gastronomia autoral que privilegia produtos de origem”, observa.

DESAFIOS

O engenheiro agrônomo afirma que a pandemia trouxe alguns desafios inesperados, mas também trouxe novas oportunidades de crescimento. “Diante da pandemia, abrimos uma loja virtual focando na distribuição da experiência da fazenda para pessoas físicas, com foco no atendimento humanizado, disseminando informação, cultura e qualidade através dos produtos Atalaia”, conta.

Para ele, a principal dificuldade enfrentada foi o fechamento dos bares, restaurantes e outros estabelecimentos consumidores do produtos da fazenda. “As restrições causaram uma diminuição no volume de vendas. O leite e os derivados e queijos não poderiam parar de ser produzidos de uma hora para outra”, comenta. O rebanho da Atalaia produz, em média, 3.500 litros de leite. “Produzir leite é um desafio, principalmente na questão da gestão dos negócios, daí a necessidade de buscar o aprimoramento da gestão.”

AÇÕES

Com o objetivo de divulgar o trabalho da fazenda e as particularidades de produção, a Atalaia é uma das propriedades participantes do projeto “Caminho do Queijo Artesanal Paulista”, apadrinhado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado. O objetivo da iniciativa é a criação de um selo de qualidade que identifique as queijarias de alto padrão, valorizando e impulsionando a produção local.

“No início, o projeto era formado por 10 pequenos produtores, todos com a mesma ideia de valorizar a produção queijeira de São Paulo. Atualmente, são 12, e a tendência é de que o número aumente rapidamente. O Caminho do Queijo Artesanal Paulista é muito importante, pois o grupo se constitui a partir de uma diversidade de produtores”, enfatiza e acrescenta que além da troca de experiências o projeto ajuda na divulgação do queijo em São Paulo a partir da inovação. “O queijo, para nós, proporciona um aprendizado constante.”

INICIATIVAS

Para ele, ações de apoio e fomento, tanto de iniciativas particulares quanto do governo, são importantes para o desenvolvimento do setor. “As decisões governamentais devem ser sempre cumpridas, respeitando-se as regras e orientações, tendo como princípio o respeito ao consumidor e à qualidade”, argumenta o proprietário da Fazenda Atalaia.

Ao mesmo tempo, ele considera importante fomentar ações participativas. “Deveríamos estudar muito e prezar pela qualidade, sem deixar de lado a criatividade, além de investir na formação de uma equipe sólida, pois tudo depende das ações humanas”, aponta e lembra que, no segmento, a participação das associações de classe ainda é pouco engajada.

APRENDIZADO

Segundo Rezende, como o começo na atividade ocorreu de modo espontâneo, todo aprendizado precisa ser valorizado e colocado em prática para a continuidade da evolução dos trabalhos. “Nosso diferencial é a espontaneidade da proposta, ou seja, nossa história não poderia ser construída de outro modo, por isso, todas as tentativas e erros foram importantes para o aprendizado”, aponta.

De acordo com o proprietário da Fazenda Atalaia, a ideia é fortalecer a informação e a cultura através do queijo e das experiências fomentadas na fazenda, garantindo, assim, um futuro melhor para todos, seja abastecendo centros urbanos, seja criando oportunidades para as pessoas que residem na área rural. “É sempre um prazer fazer o que gostamos, assim, devemos pensar que cada ação, produto e iniciativa devem levar em consideração o melhor que podemos produzir”, ressalta. “Precisamos de boas pessoas para termos bons negócios”, arremata.