A Harpia (Harpia harpyja), também conhecida no Brasil por gavião-real, gavião-de-penacho e uiraçu é uma ave pertencente à família Accipitridae, sendo considerada a maior águia da América do Sul. O termo Harpia provém do latim harpë, que significa ave de rapina e acredita-se estar relacionado às aves míticas, chamadas “harpuiai harpias”, cujo corpo é parte mulher e parte abutre.

Harpia. Foto: Silvana Licco

A harpia é uma das maiores e mais fortes aves predadoras do mundo, com área de ocorrência do sul México até o norte da Argentina. Pesquisas indicam que mais da metade de sua distribuição se dá em florestas brasileiras, no entanto, seu registro tem sido cada vez mais raro em áreas de Mata Atlântica, onde outrora já foi abundante. Nos tempos atuais a espécie é considerada extinta em alguns estados brasileiros, como o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, criticamente em perigo no Paraná e em São Paulo e em perigo no Rio de Janeiro. Registros mais recentes foram feitos em áreas preservadas da região norte do país, com maior população nos remanescentes intactos da Amazônia.

É uma espécie tipicamente florestal, que ocupa o nível mais elevado das florestas neotropicais, habitando áreas de florestas primárias densas e de galeria.

São as maiores aves de rapina da fauna brasileira. Seu comprimento corporal atinge aproximadamente 105 cm, sendo machos e fêmeas semelhantes na sua morfologia, entretanto, as fêmeas atingem maior tamanho. O peso médio dos machos adultos varia de 4 a 5 kg, enquanto nas fêmeas, varia de 7,6 a 9kg. Nos adultos a cabeça é de cor cinzenta, o manto e papo são negros, peito e barriga brancos. Jovens não possuem papo negro, sendo de coloração mais clara que os adultos. A plumagem no primeiro ano de vida é cinza claro e branca, tornando-se mais escura com o passar do tempo. No período de 4 a 5 anos de idade atingem a plumagem de adulto.

No topo da cabeça observa-se um penacho bipartido, formando uma crista erétil, com penas de diferentes tamanhos. Partes inferiores das asas e revestimento das tíbias são brancos, com estrias negras. As asas são largas e arredondadas, atingindo envergadura até 2m de comprimento e a cauda apresenta três faixas cinzentas. Seu potente bico possui forma de gancho, com coloração cinza escura e cere cinza escura, praticamente negra. Os olhos são marrom escuros. Pernas e pés são amarelos e altamente desenvolvidos, possuindo longas garras negras, especializadas na captura de suas presas.

Sua dieta é composta basicamente por mamíferos arborícolas, de pequeno e médio porte, como macacos e bichos-preguiça, eventualmente se alimentando também de aves e répteis. Existem registros de ataques a animais domésticos como cães, cabritos e galinhas quando estas aves habitam localidades próximas a moradias humanas.

A caça às suas presas inicia-se por um longo período de tempo a espreita. Ao localizá-las, deslocam-se de forma veloz e com agilidade entre as árvores, capturando-as em voos rápidos nos galhos.

São animais solitários, podendo também ser visualizados aos pares na copa das árvores. Apesar do grande tamanho, sua visualização é um privilégio. Estimativas apontam ser necessário um território superior a 100 ha para sobrevivência da espécie.

As harpias são aves monogâmicas. Escolhem a parte alta das árvores maiores para construir seus grandes ninhos, que apresentam formato de plataforma, utilizando-se de galhos e ramos secos. São postos dois ovos com coloração cinza-esbranquiçada, que pesam aproximadamente 110g. Observa-se que somente um dos filhotes sobrevive, sendo apontado o comportamento conhecido por cainismo (o filhote de maior tamanho ataca e mata o de menor tamanho). O período de incubação da espécie dura em média 52 dias e o macho é responsável pelo fornecimento de alimento aos filhotes. Os primeiros voos dos filhotes são observados por volta dos cinco meses de idade, conservando-se estes sempre próximos ao ninho, onde continuarão a receber alimento dos pais. Como o período de cuidado parental perdura por mais de um ano, os casais se reproduzem em intervalos mínimos de dois anos, estendendo o ciclo reprodutivo da espécie. Para que o filhote se torne adulto são necessários 2 a 3 anos.

Devido à redução populacional, a espécie é considerada quase ameaçada de extinção (NT) pela International Union for Conservation of Nature (IUCN) e nacionalmente considerada vulnerável (VU). Também consta no apêndice I da Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES).

As principais ameaças à sobrevivência das harpias são a caça ilegal, fragmentação do habitat e desmatamento. A caça é preocupante por se tratar de uma espécie rara, com reprodução longa, dependente dos adultos para manutenção da estabilidade populacional. Nota-se a ocorrência da diminuição da diversidade genética da espécie nas áreas onde houve intenso desmatamento, como por exemplo, a Mata Atlântica. Também se observa que a redução da biodiversidade do hábitat, quando afeta as populações de animais que constituem suas presas, representa mais uma ameaça.

As medidas propostas para a proteção das populações desta espécie incluem a preservação das áreas de sua ocorrência, aumento da fiscalização, o fomento às pesquisas, às ações para conservação ex situ, aprimoramento das técnicas para reprodução em cativeiro, soltura e reintrodução, ações de educação ambiental e acompanhamento das populações de mamíferos arborícolas que constituem suas presas.

Um Plano da Ação Nacional para a Conservação de Aves de Rapina foi publicado em 2008, pelo ICMBio e encerrado em 2011, propondo medidas para a conservação dos rapinantes. Outro importante plano de ação, denominado Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Amazônia foi publicado em 2014, com objetivo de reduzir a perda e degradação de hábitat e o declínio populacional das aves alvo do plano até 2021. Estes dois documentos contemplaram importantes ações que colaboraram e ainda contribuem para a preservação da harpia.

Assim como as demais aves de rapina, as harpias possuem papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico das áreas onde habitam, auxiliando no controle e na estabilização da população de suas presas e na manutenção da biodiversidade. Por apresentarem suscetibilidade à contaminação pela cadeia alimentar e aos impactos das ações antrópicas, possuem papel de bioindicadoras de alterações ambientais e da condição do hábitat. Desta forma, preservar as populações de harpias, assim como das demais aves de rapina, é uma medida fundamental para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas.

Foto: Silvana Licco