Introdução
A comercialização legal e ilegal de primatas do Novo Mundo, a qual permite a interação direta dos seres humanos com esses animais, tem estreitado cada vez mais a relação entre ambos. Essa proximidade propiciou o aumento da transmissão de doenças de maneira que agentes patológicos são transmitidos pelos animais aos seres humanos, gerando as doenças chamadas de antropozoonoses, ou pelos humanos aos animais, desencadeando as doenças conhecidas como zooantroponoses, ou ainda de maneira mútua, cuja as doenças desse tipo são conhecidas como zoonoses. Nesse sentido, a Herpesvirose, sendo o Herpesvirus simplex a principal espécime viral causadora da Herpesvirose observada entre os primatas selvagens não-humanos, é uma importante zoonose que tem sido estudada nas últimas décadas devido à alta virulência (intensidade dos danos ao organismo do hospedeiro) manifestada pela sua forma aguda no grupo de animais mencionado. Os seres humanos, em contraponto, são reservatórios naturais desses vírus, em que uma quantidade significativa da população adulta apresenta anticorpos para tais patógenos em seu organismo.
Diferença entre primatas do Velho Mundo e primatas do Novo Mundo
Faz-se de suma importância explicitar a diferença entre os primatas do Velho Mundo e os primatas do Novo Mundo para uma compreensão mais facilitada do curso natural da doença, que acomete principalmente os primatas do Velho Mundo e não-humanos. Suas diferenças se baseiam intimamente na anatomia e no desenvolvimento de suas estruturas. A diferença entre essas características é importante para a interação com o meio, adaptação e sobrevivência de ambos os grupos em seus respectivos habitats e ecossistemas.
Características do vírus
Os vírus causadores de herpes em primatas não humanos possuem estrutura comum, incluindo DNA linear, capsídeo icosaédrico, tegumento amorfo e envelope com glicoproteínas responsáveis pela interação com células hospedeiras e entrada do genoma viral. A principal diferença entre os sorotipos está no código genético da DNA polimerase. As espécies virais mais comuns são Herpesvirus simplex (HSV-1 e HSV-2), Herpesvirus simiae e Herpesvirus platyrrhini. HSV-1 está associado ao maior número de casos, com transmissão geralmente ocorrendo entre primatas e humanos, enquanto o Herpesvirus simiae e o Herpesvirus platyrrhini circulam amplamente entre primatas do Velho e Novo Mundo, respectivamente.
Transmissão e patogenia:
Os primatas do Novo Mundo são altamente suscetíveis ao HSV-1, sobretudo os saguis (Callithrix sp.) e macacos-prego (Sapajus sp.), devido à proximidade com os seres humanos. A contaminação ocorre predominantemente através de gotículas de saliva, do compartilhamento de alimentos com outros primatas infectados, mordeduras ou de forma venérea, em que o vírus adentra o organismo a partir de lesões na pele ou mucosas. A infecção resulta na formação de lesões vesiculares e ulcerativas e é latente, ou seja, estabelecida por toda a vida do animal, tornando este uma nova fonte de transmissão.
A evolução da doença ocorre de forma aguda, podendo levar o animal a óbito cerca de 5-7 após o início das manifestações clínicas. Os sintomas cursam com redução do apetite, o que desencadeia perda de peso, desidratação e apatia. A infecção pode gerar encefalite com quadro neurológico inespecífico, semelhante aos sintomas causados pela raiva.
O diagnóstico clínico é realizado através da observação das lesões e, para a comprovação laboratorial, é efetuado isolamento viral a partir de material das lesões e mucosas.
Monitoramento e controle da doença
O contato próximo aos seres humanos fomenta a transmissão de doenças e pressiona ainda mais populações de espécies que, muitas vezes, já estão no seu limite.
Tendo em vista que o ciclo silvestre de transmissão do vírus, esse não é passível de eliminação. Estratégias que visam à detecção precoce da circulação viral devem ser adotadas, a fim de monitorar as áreas de risco e de aplicar oportunamente medidas para monitorar e controlar herpesvírus, protegendo essas espécies e reduzindo o risco de transmissão. Nesse contexto, é necessária a realização de coletas sistemáticas de amostras biológicas, como sangue, saliva e fezes, para testes laboratoriais que identificam a presença de herpesvírus, principalmente em áreas onde o contágio se mostra mais frequente. Além disso, é importante que animais resgatados ou translocados passem por períodos de quarentena para observação e testes diagnósticos, com a intenção de isolamento dos animais doentes para evitar a contaminação. É válido ressaltar, que ainda não há vacinação para a Herpesvirose, no entanto foram notificados estudos acerca da possibilidade dessa produção.
Profilaxia e métodos de prevenção das zooantroponoses
A única forma de prevenção é evitar o contato entre os primatas e humanos. Caso haja a necessidade da interação humana, é recomendável a utilização de equipamentos de proteção adequados, com luvas e máscaras, e que o manejo dos animais seja feito por profissionais treinados. Em somatório, é indicado que a população não opte por adquirir esses primatas como pets e evite alimentá-los em eventuais contatos com animais de vida livre.
Em situações de alto risco, o uso de antivirais pode ser considerado para prevenir a infecção em primatas expostos ao vírus, apesar de ser uma abordagem limitada devido ao potencial desenvolvimento de resistência e aos efeitos colaterais dos medicamentos.
Referências
BIODIVERSITY4ALL. Observação 17193579: espécie Platyrrhini. Disponível em: https://www.biodiversity4all.org/observations/17193579. Acesso em: 7 set. 2024.
BIODIVERSITY4ALL. Platyrrhini – Macacos do Novo Mundo. [S. l.] Disponível em: https://www.biodiversity4all.org/taxa/554251-Platyrrhini. Acesso em: 7 set. 2024.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância de epizootias em primatas não humanos e entomologia aplicada à vigilância da febre amarela. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017.
CASAGRANDE, R. A. Análise do comportamento alimentar de bugios-pretos (Alouatta caraya, Humboldt 1812) em uma mata de galeria no município de Tupã, São Paulo. 2007. Dissertação (Mestrado em Ecologia de Ecossistemas Terrestres e Aquáticos) – Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
CASAGRANDE, R. A. et al. Fatal Human herpesvirus 1 (HHV-1) infection in captive marmosets (Callithrix jacchus and Callithrix penicillata) in Brazil: clinical and pathological characterization. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 34, n. 11, p. 1109–1114, nov. 2014.