A demanda cada vez maior por alimentos, devido ao aumento da população mundial, exerce uma pressão sobre os sistemas de produção de alimentos principalmente sobre as fontes proteicas, sejam de origem animal ou vegetal. Soma-se a isso, a busca por sistemas mais sustentáveis de produção, diminuição do uso de recursos naturais e a busca por alimentos mais saudáveis. Isso faz com que haja constantes mudanças nos sistemas e métodos de produção de alimentos.

Os insetos emergem como uma fonte de alimento proteico, ou até como vem sendo citado, concentrado proteico. Eles trazem novas propostas de valor agregado com base nos diversos benefícios nutricionais, funcionais e ambientais que as pesquisas apresentam:

1 Alto teor de proteína (50 a 80% com base na matéria seca);

2 Apresentam diversos benefícios a saúde de peixes, animais de estimação e outros animais, quando fornecido como ingrediente em dietas alimentares;

3 A criação de insetos demonstra ser um sistema altamente eficiente com uma pegada ambiental muito pequena se comparada a outras produções, exigindo menos água, menos terra e menos tempo de produção, se assemelhando a sistemas como da avicultura, em termos de tempo, e emitem menos gases de efeito estufa;

4 Estudos recentes mostram animais de estimação escolherem dietas com insetos invés de uma dieta padrão;

5 Insetos podem utilizar resíduos de alimentação e restos de produção agrícolas locais, sendo uma alternativa ao enfrentamento do desperdício de alimentos e diminuição de resíduos; além de incentivar sistemas de economia circular, pois reciclam resíduos agroalimentares de baixo valor em alimento de alto valor, óleos e outros ingredientes;

6 Os resíduos da produção de insetos (frass) é um composto que serve como adubo apresentando diversas características biológicas que ajudam a reestruturar o solo, e diante da atual crise dos fertilizantes pode ser mais um potencial produto do sistema;

7 E fazem parte da dieta natural da maioria dos animais.

Com isso, o potencial de uso dos insetos é enorme podendo ser utilizado de várias formas como alimento ou como ingrediente, no entanto, atualmente, mesmo apresentando qualidades nutricionais, de saúde e sustentabilidade, a aceitação por parte dos consumidores na alimentação humana ainda é baixa, não só para os insetos inteiros quanto para os processados, apresentando uma participação pequena do mercado e oportunidades limitadas. Porém, como um ingrediente na alimentação animal, as farinhas e produtos dos insetos (óleos, ácidos graxos e quitina) apresentam uma aceitação maior tendo um enorme potencial de competitividade e oportunidade de mercado, seja na alimentação de aves, suínos, aquicultura ou animais de estimação.

Principais desafios da indústria de insetos

Para que os insetos se tornem uma produção competitiva e eficiente é necessário que ela vença algumas barreiras, uma das primeiras é demonstrar o uso e as aptidões nutricionais das farinhas de insetos, com o esforço de diversos pesquisadores a nível mundial e do auxílio de plataformas como a IPIFF (International Plataform of Insects for Food and Feed) vem sendo bem fundamentada; assim gerando diversas ações sobre a regulamentação e uso dos insetos na alimentação animal e humana. Mas ainda há muito a ser pesquisado e respondido sobre este alimento.

Outro desafio da indústria é a falta de escala. Atualmente estima-se que o volume de proteínas de insetos esteja em cerca de 10.000 toneladas métricas globalmente (RaboBank, 2021), isso levando em consideração os produtores de maior escala e diversos produtores de pequena escala. Empresas como a Ynsect, francesa produtora de larva-da-farinha (tenebrio molitor), a AgriProtein no Reino Unido, a Protix com sede na Holanda, e a InnovaFeed com sede na França, produtoras de mosca soldado-negro (Hermetia Illucens), todas iniciaram em instalações testes e após desenvolverem suas tecnologias construíram instalações maiores para produzir em escala. Algumas dessas plantas já estão funcionando e a maioria destas empresas estão buscando a expansão global.

Atualmente o pet food é o maior mercado para proteínas de insetos, seguido pelo mercado aquícola (piscicultura e carcinucultura). Mas, por enquanto, a demanda parece maior que a oferta, o que segundo o mercado limita o uso dos produtos de inseto, pois nestes sistemas os volumes de produção de ração são altos e estão em constante produção, necessitando de aporte permanente de insumos. Logo, para suprir esta demanda, a produção de insetos deve ter o mesmo ritmo de produção.

Outro fator é o preço elevado, que varia entre US$ 9,79 a US$ 16,31 por quilo de farinha de insetos, alterando de acordo com a espécie e se é desengordurada ou não, significantemente mais cara do que a farinha de peixe ou farelo de soja. Porém, os valores agregados de sustentabilidade, principalmente ao diminuir a dependência de produtos marinhos e farinhas de baixa qualidade, podem ajudar a justificar os preços mais elevados, e funcionalidades como promover a saúde imunológica dos peixes e propriedades antioxidantes, podem auxiliar a alcançar um preço mais elevado, mas que compense o investimento. Estes argumentos teriam muito mais força na alimentação de animais de estimação.

Outro desafio seria a legislação, porém, recentemente a União Europeia (EU) liberou o uso de produtos de origem de insetos para alguns mercados. O tipo de produto autorizado depende da espécie alvo e da espécie de inseto oriundo, de maneira geral as 3 principais espécies (larvas da farinha, BSF e grilos) tem seus produtos (proteína, gorduras, larvas vivas ou inteiros) liberados para pet food, exceto animais inteiros para aquicultura, e somente gorduras e larvas vivas para suínos e aves. No entanto, diversas pesquisas podem levar a liberação da proteína para estas espécies em breve, onde um dos maiores limitantes legais é quanto ao tipo de substratos empregados na criação dos insetos. Atualmente são permitidos apenas o uso de substratos vegetais (farinhas e coprodutos da produção de grãos), resíduos não processados de alimentos, lácteos e ovos. Estas restrições dificultam a implementação de sistemas mais sustentáveis que utilizem resíduos alimentares de maneira mais ampla, e que desta forma, também, reduziriam os custos de produção.

Nos Estados Unidos (EUA), a Food and Drug Administration (FDA) regula a alimentação animal e pet food, mas existem diferenças entre os estados quanto a regulamentação do uso de insetos como ração animal. Da mesma forma que na UE, os insetos devem ser criados em matérias-primas aprovadas, sendo que os resíduos pré-consumo e outros subprodutos são autorizados. Nos EUA, a farinha de insetos ainda não foi autorizada para animais de estimação, mas foi liberada como ingrediente para aves e salmonídeos.

No Brasil, a Instrução Normativa nº 110 de 24 de novembro de 2020, e alterada pela portaria nº 359 de 9 de julho de 2021, e nesta o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento permite o uso de vários insetos, entre eles a larva da farinha, BSF, grilos e baratas em diferentes formas na alimentação animal, exceto para ruminantes.

Algo importante para o desenvolvimento do setor é o investimento. Por se tratar de uma produção recente, a maioria das empresas do mercado tem um início mais lento, isto se deve principalmente pelas questões de desenvolvimento tecnológico, como é bem sabido para a formação de um novo produto ou tecnologia, são necessários investimentos e tempo para que se possa validar ideias e testá-las. Como citado anteriormente, as maiores empresas atuais primeiramente validaram suas estratégias e técnicas em plantas pequenas e depois partiram pela busca de investimento em escala. Desde 2018 o investimento no mercado de insetos tem ganhado força, e teve uma maior aceleração depois da criação das legislações sobre o uso dos insetos, sendo os investimentos feitos em 2018 cerca de 45% maiores que nos três anos anteriores, chegando a quase 1 bilhão de euros. As empresas que mais se destacam são aquelas que apresentam modelos de negócio bem definidos, parcerias, rápida expansão e variabilidade de produtos. A InnovaFeed, por exemplo, firmou parceria com a Cargill, para desenvolvimento de ração para salmão e camarão e a construção de uma fábrica nos EUA, em parceria com a ADM. Outros players investem em pesquisa e desenvolvimento e na expansão global.

Outro fator de risco a ser levado em consideração é a biosseguridade, mesmo levando em consideração as questões de sustentabilidade, os consumidores podem não se sentir confortáveis com relação a segurança e a saúde de seus animais, pois na cultura popular, insetos são animais sujos e vetores de doenças. Portanto, a formação de plantas que garantam a sanidade, estabelecimentos de protocolos sanitários e de boas práticas de fabricação, são necessários ainda nas fases iniciais de desenvolvimento das plantas de produção, assim como o controle total sobre o ambiente, insumos e processos semelhante ao encontrado em todos os sistemas de produção tecnológicos atuais.

O mercado para os produtos de insetos

O potencial de mercado para farinhas de insetos é enorme, mesmo se considerarmos a atual situação de custos e desenvolvimento, a farinha de inseto tem potencial de substituir em no mínimo 5% das fontes proteicas nas dietas da maioria das espécies, o que já demonstra uma quantidade significante de produto. Atualmente o mercado que apresenta maior potencial para absorção deste ingrediente é o de pet food, entre os principais motivos estão:

1 A premiumização e a tendência de humanização de alimentos para os animais de estimação, os donos dão guloseimas naturais e dietas com alta proteína;

2 A sustentabilidade faz parte do valor agregado e é um interesse do consumidor que paga mais por esse benefício;

3 Os insetos apresentam características hipoalergênicas muito importantes para animais sensíveis;

O mercado de alimentos premium é um nicho de mercado no qual seus consumidores não se importam em pagar mais por um alimento que apresente benefícios funcionais e que tragam mais qualidade de vida aos seus animais, de forma que o alto valor da proteína de insetos acaba por ter um custo viável a estas dietas. Porém, com o aumento gradual de oferta este terá redução gradual no valor o que permitirá seu emprego em outras dietas mais baratas e permitirá o desenvolvimento de novos produtos.

O segundo maior mercado para a proteína de insetos é o da aquicultura. A maioria das pesquisas realizadas até agora demonstram que as proteínas de insetos têm qualidades nutricionais comprovadas para peixes com diversos benefícios à saúde, e agregam muito valor, com relação a sustentabilidade, aos sistemas de produção. Porém, os custos elevados restringem seu uso em dietas, sendo mais recomendados para dietas iniciais onde a qualidade da dieta é mais importante que o custo. O mesmo pode ser dito do uso nas dietas de aves e suínos, pois estas espécies possuem sistemas dinâmicos e de ciclo muito rápido, necessitando um aporte muito grande de insumos. Porém é um modelo que trabalha no limite de custos, de forma que as dietas de inseto precisam baixar seus valores para que se tornem competitivas e atraentes para este mercado. Uma redução a patamares semelhantes às melhores fontes como farinhas animais, tornaria a farinha de inseto mais competitiva devido aos seus efeitos funcionais e benefícios agregados.

Um dos pontos fortes das farinhas de insetos são suas propriedades funcionais que vão além dos benefícios nutricionais. Diversas pesquisas têm apontado que a palatabilidade é uma das características interessante das farinhas de insetos, peixes e camarões; e cães demonstraram ser atraídos pelas farinhas e óleos de insetos, estes apresentam um perfil de ácido graxos interessante auxiliando na melhora da saúde intestinal dos animais e potencial benefícios de ácidos graxos e da própria quitina sobre a imunidade dos animais. Estes fatores podem facilitar a adesão destes à diversas dietas, e permitir uma pequena inclusão para que se tenha estes benefícios.

Segundo a RaboBank (2021) o mercado de insetos deve apresentar um crescimento que chegará a cerca de 500.000 toneladas métricas até 2030, sendo este o ponto de virada. Mas tudo isto só será possível se houver aumento da escala, automação, melhoria genética, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que permitirão um aumento de produção e diminuição dos custos de forma a tornar os produtos de insetos mais competitivos.

Podemos pensar que o Brasil estaria longe deste mercado, pois somos uns dos maiores produtores de alimentos de origem animal. Também somos um grande produtor de grãos e demais alimentos, logo pensar na produção de insetos estaria fora da atual situação, mas nós somos uma potência agrícola e naturalmente temos mais condições de produzir com menores custos que outros países, e agregar mais este mercado à produção nacional seria interessante, principalmente com relação ao uso de espaço. Nosso país tem uma temperatura tropical que permite uma produção de insetos com menor custos para controle ambiental, uma enorme variedade de coprodutos da produção de grãos que serviriam de insumos, e nossas leis são menos restritivas quanto a outros países e a sustentabilidade já é uma marca da produção brasileira, logo o potencial é enorme.

O mercado de insetos nacional é mais recente, a maioria das empresas estão na fase inicial de desenvolvimento, em sua maioria na forma de start-ups ou pequenas empresas ainda formando suas tecnologias e protocolos de criação e desenvolvendo seus produtos. Mas é natural que o próximo passo seja a estruturação de plantas para expansão da escala de produção e comecem a atender o mercado. Podemos dizer que o Brasil está no melhor momento para se investir nas empresas de insetos, e desta forma acelerar sua consolidação no mercado.

Então podemos afirmar, sim, que o mercado de produção de insetos não é uma questão de onda, tanto os investimentos quanto as pesquisas mostram que será uma nova fonte alimentar para o futuro, igual a tantas outras que existem, e a pesquisa e desenvolvimento e a capacidade de ampliação determinará a velocidade de expansão e os rumos que este mercado tomará.

Referências

Edible Insects Market by Product (Whole Insect, Insect Powder, Insect meal, Insect Oil)

Insect type (Crikets, Black Soldier Fly, Mealworms)

Application (Animal Feed, Protein bar and shakes, Bakery, Confectionery, Beverages)

Global Forescast to 2027, Research and markets. Jan. 2021.